Vista aérea da cidade de Gaza com o Mar Mediterrâneo ao fundo
Ainda Yasser Arafat era vivo quando o autor destas linhas ouviu alguém dizer que o sonho do líder palestiniano era fazer da Faixa de Gaza uma espécie de Miami da Palestina. Um devaneio total do antigo líder palestiniano, dirão os leitores. Porém, talvez nem tanto.
Certo dia ao final da tarde, de copo na mão, num terraço estilo árabe virado para o Mediterrâneo, num dos poucos hotéis da marginal da cidade de Gaza, este vosso escriba pensava que ali estava mais um exemplo de um pedaço de terra que tinha condições para florescer e, no entanto, a História ditara outro curso.
Em circunstâncias normais a Faixa de Gaza teria requisitos para se tornar numa estância turística de referência, soalheira, banhada pelo azul do Mediterrâneo e com areal. Ou seja, poderia ser uma colónia de férias dos palestinianos (e por que não também dos jordanos?), enquanto a Cisjordânia seria sempre o território para viver e trabalhar, já que é lá que estão as principais cidades, universidades, serviços e Governo. A Faixa de Gaza seria assim como o Algarve é para milhares de portugueses, que se concentram nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Mas a verdade é que as circunstâncias são cada vez menos normais naquele enclave, que mede 41 quilómetros de extensão e nunca mais de 12 quilómetros de largura, e no qual estão literalmente enclausurados cerca de 1,6 milhões de palestinianos, tornando-o num dos territórios com maior densidade populacional do mundo.
Com uma população a crescer (e a economia também) o exíguo território está a ficar cada vez mais exíguo e ao mesmo tempo desorganizado e caótico.
O preço do terreno tem disparado, sobretudo na cidade de Gaza, entre 40 a 50 por cento anualmente nos últimos anos. Actualmente, o metro quadro na cidade de Gaza pode atingir os 20 mil dólares. Um valor que não fica atrás daquele que é praticado em bairros de luxo em Londres, Nova Iorque ou Paris.
Obviamente que este mercado não é acessível para a maioria dos palestinianos da Faixa de Gaza, no entanto, existem muitos homens ricos que conseguem fazer entrar dinheiro vindo do Egipto através dos famosos túneis clandestinos. Convém relembrar que Israel tem imposto há vários anos um bloqueio feroz à Faixa de Gaza, dificultando a mobilidade de pessoas, bens e serviços.
Mas com a economia, em geral, e o sector da construção, em particular, dinamizados com os “esquemas” transfronteiriços entre Gaza e o Egipto vai-se construindo um pouco por todo o lado, sem qualquer planeamento e quase sempre sem qualidade, já que os materiais são escassos.
Numa reportagem desta semana, a BBC News dizia que os poucos espaços verdes naquele enclave vão ficando cada vez mais cinzentos, com o mercado do imobiliário a tornar-se bastante atractivo perante o aumento de população.
Embora a construção desenfreada e desordenada na Faixa de Gaza tenha contribuído para dissipar o sonho de Arafat, a verdade é que há muito que esse mesmo sonho já tinha sido destruído pela guerra e pelo bloqueio. O Sul da Faixa de Gaza está particularmente martirizado, quando comparado com a cidade de Gaza, com muitas poucas casas incólumes às balas e bombas israelitas e com uma pobreza acentuada.
A Faixa de Gaza dos dias de hoje está cada vez mais longe do sonho de Yasser Arafat, mas, apesar de tudo, não deixa de ser um local onde a terra se torna um bem cada vez mais precioso.
*Este é o primeiro de três textos sobre a Faixa de Gaza