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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A importância do segredo

Alexandre Guerra, 16.10.18

 

Para os saudosos da Guerra Fria, os tempos que se vivem actualmente no sistema internacional são de anarquia total ao nível da comunidade de intelligence militar e paramilitar, mergulhada numa lógica de far west, onde se dispara primeiro e se pergunta depois, mesmo que em plena luz do dia, à vista de todos. A arte do segredo está a perder-se, porque, para se defender os interesses do Estado, já não é preciso fazer o “trabalho sujo” no obscurantismo das relações internacionais. Não se temem as consequências e tudo pode ser feita às claras ou com um grau de displicência que envergonharia qualquer agente da "velha guarda" do KGB ou da CIA. Como referia Ferreira Fernandes na sua última crónica no DN de Domingo, “o mais interessante é a generalização dessa linguagem de mata e esfola”, protagonizada por alguns líderes mundiais, nomeadamente por aqueles que estão à frente da Rússia e dos EUA, as duas super-potências que outrora dividiram os desígnios do mundo.

 

Este tipo de discurso irresponsável e inconsciente, conivente com práticas imorais e ilegais que são concretizadas quase sob os holofotes da opinião pública, contribui para um sentimento de impunidade no seio das comunidades das “secretas” mundiais. Retomando as palavras de Ferreira Fernandes, “peguemos no caso dos dois espiões russos que foram a Inglaterra matar um ex-colega que se passara para o outro lado. Foram a casa dele em Salisbury, envenenaram o que tinham para envenenar e regressaram a casa. Não se importaram de deixar pistas. Suspeitos, aparecem na televisão russa oficial com historietas despudoradas de terem ido a Salisbury invocando dados turísticos que vinham na Wikipédia. Tão descuidados, deixaram que os seus nomes reais aparecessem: são agentes da inteligência militar russa (GRU). Entretanto, outros espiões russos são apanhados em Haia, Holanda. Com sofisticação dos aparelhos faziam pirataria informática a partir de um carro estacionado frente à OIAC, organização que combateu as armas químicas. Fora a OIAC que provara a origem russa do veneno usado em Salisbury. Ora, os espiões russos de Haia eram um livro aberto: até faturas de táxis eles tinham de corridas apanhadas à porta da sede moscovita do GRU”.

 

Esta passagem da crónica de Ferreira Fernandes é elucidativa do que se passa hoje em dia no sistema internacional, onde as “covert operations” deram lugar a acções semi-clandestinas, sem que haja particular preocupação de se evitar embaraços político-diplomáticos. As estas duas histórias, outras tantas podíamos aqui referir que foram identificadas nos últimos tempos, sendo que a mais recente é de tal maneira inverosímil pelo seu grau de descuido e de incompetência, que custa a acreditar que tenha acontecido como tem sido noticiado. Caso se confirmem as notícias que têm vindo a público e a tese avançada pelo Governo de Ancara, o assassinato de Jamal Khashoggi, jornalista crítico do regime de Raide, dentro do consulado árabe na capital turca, sob o ponto de vista realista e maquiavélico, é um dos maiores desastres da história dos serviços de intelligence. Por um lado, além da óbvia questão moral, colocará um problema muito complicado a Washington e, por outro, expõe o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (e líder “de facto”) ao julgamento público de ter “ido longe demais” no silenciamento dos seus opositores.

 

No sistema bipolar de Guerra Fria, as regras vigentes no sistema internacional eram claras e seguidas à risca pelos diferentes actores estatais. Dificilmente haveria espaço para “rogue killers” actuarem por sua conta e risco. Ninguém aprovaria uma operação com impacto sistémico sem que Moscovo ou Washington soubessem. Era impensável que serviços secretos de um qualquer país ousassem dar luz verde a uma “covert operation” sem que estivesse enquadrada nos interesses do “tabuleiro” sistémico bipolar (Israel foi sempre uma excepção na arquitectura da espionagem internacional).

 

Esse secretismo contribuiu para um equilíbrio sistémico que, com mais ou menos desanuviamento, com mais ou menos crise regional, evitou um novo conflito mundial. Na defesa dos seus interesses, Washington e Moscovo agiram, muitas vezes, à margem do quadro legal internacional e dos princípios éticos e morais, refugiando-se no obscuro mundo da espionagem. Essas operações e acções ficaram longe dos olhares da opinião pública, a quem o que interessava mais era a manutenção dos estilos de vida das suas sociedades.

 

Tal como nas relações sociais entre pessoas, também nas dinâmicas entre Estados, se, por um lado, nem tudo deve ficar no secretismo, também não se deve (e pode) meter tudo às claras, correndo-se o risco de se fomentarem crises político-diplomáticas, e até mesmo militares, que comprometam o status quo e, em última instância, a paz e segurança das pessoas. É por isso que a gestão do segredo continua a ser um factor fundamental na estabilidade das relações internacionais, porque, a partir do momento em que se instala nas sociedades a percepção de que tudo vale, de que ninguém respeita uma certa ordem tácita, a sensação de insegurança aumenta, abrindo caminho para a penetração de ideias políticas que sustentem a chegado ao poder de lideranças mais musculadas e autoritárias. Ou seja, será a altura em que os cidadãos das democracias preferirão sacrificar as suas liberdades e garantias em prol da segurança.

 

2017, o ano do renascimento do Czar Putin

Alexandre Guerra, 02.01.17

 

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A eleição de Donald Trump veio colocar Vladimir Putin numa posição de enorme relevância no sistema internacional, talvez como nunca tenha tido antes, porque, pela primeira vez, tem em Washington um interlocutor que lhe parece reconhecer o seu poder czarista e autoritário sem qualquer constrangimento ou julgamento moral. Mais, Trump parece estar disposto a aceitar e a respeitar as regras do jogo definidas por Putin, naquilo que poderá ser um paradigma com algumas semelhanças ao sistema de Guerra Fria em matéria de delimitação de zonas de influência. Perante isto, e à luz daquilo que se tem vindo a saber, é muito provável que Putin venha novamente a estar num plano de igualdade com o seu homólogo norte-americano. Trump parece querer conceder-lhe esse privilégio, já que não o deverá fazer a mais nenhum chefe de Estado. Além disso, do que se vai percebendo, Trump acreditará que o mundo pode ser gerido novamente pelas duas potências, numa divisão de influências, onde a China e outros Estados emergentes não lhe merecem grande atenção (quantas vezes ouvimos Trump falar do Brasil, da Índia ou até mesmo do Reino Unido ou da Alemanha???). Hoje, mais do que nunca, é importante perceber quem é Putin, como pensa e como age.

Acompanho com atenção o percurso de Vladimir Putin ainda antes de ter sido eleito Presidente da Rússia pela primeira vez em 2000. Quando a 9 de Agosto de 1999 o então já falecido Presidente Boris Yeltsin demitia o seu Governo e apresentava ao mundo uma nova figura na vida política russa, poucos eram aqueles que conheciam Vladimir Putin. Aos 46 anos, Putin, ligado ao círculo de São Petersburgo, e antigo oficial do KGB (serviços secretos), assumia a chefia do novo Executivo, com a motivação manifestada por Yeltsin de que gostaria de vê-lo como seu sucessor nas eleições presidenciais de 2000. Segundo alguns registos, Putin nunca terá tido a intenção de seguir uma carreira política, no entanto, teve sempre um alto sentido de servidão ao Estado, como aliás fica bem evidente na recente biografia de Steven Lee Myers, "O Novo Cazar" (2015, Edições 70). Na altura, terá confessado que jamais tinha pensado no Kremlin, mas outros valores se erguiam: “We are military men, and we will implement the decision that has been made”, disse Putin. Muitos viram na decisão de Yeltsin o corolário de uma carreira recheada de erros e que conduzira o país a um estado de sítio. A ascensão de Putin era vista como mais um erro. Citado pelo The Moscow Times, Boris Nemtsov, na altura um dos líderes do bloco dos "jovens reformistas" na Duma e que viria a ser assassinado em Fevereiro de 2015, disse que Putin causou uma fraca impressão na primeira intervenção naquela câmara. "Não era carismático. Era fraco." Também ao mesmo jornal, Nikolai Petrov, do Carnegie Moscow Center, relembrava que Putin deixou uma "patética imagem", sendo um desconhecido dos grandes círculos políticos, e que demonstrava ter pouco à vontade com aparições públicas, chegando mesmo a ter alguns comportamentos provincianos.

Apesar disso, a Duma acabaria por aprovar a sua nomeação para a liderança do Governo, embora por uma margem mínima. É preciso não esquecer que Putin reunia apoio nalguns sectores, nomeadamente naqueles ligados aos serviços de segurança, que o viam como um homem inteligente e com grandes qualidades pessoais. E, efectivamente, após ter assumido os desígnios do Governo, Putin começou de imediato a colmatar algumas das suas falhas, nomeadamente ao nível de comunicação, e a desenvolver capacidades que se viriam a revelar fundamentais na sua vida política. É o próprio Nemtsov que reconheceu o facto de Putin se ter tornado mais agressivo e carismático, dando às pessoas a imagem do governante que os russos prezam. Características que se encaixaram na perfeição ao estilo musculado necessário para responder às explosões que ocorreram em blocos de apartamentos de três cidades russas, incluindo Moscovo, em Setembro de 1999, vitimando sensivelmente 300 pessoas, colocando o tema da segurança no topo da agenda da vida política russa, para nunca mais sair de lá. Em Outubro desse ano, como resposta, Putin dava ordem para o envio de tropas para a Chechénia.

Nas eleições presidenciais de 2000, Putin obteve 53 por cento dos votos, contrastando com os 71 por cento conquistados quatro anos mais tarde. Por motivos de imposição constitucional que o impedia de concorrer a um terceiro mandato presidencial, Putin teve que fazer uma passagem pela chefia do Gvoerno entre 2008 e 2012, mas era claro que nunca teve verdadeiras intenções de deixar os desígnios da nação nas mãos do novo ocupante do Kremlin. Conhecendo-se um pouco da história política russa e da sua liderança, facilmente se chegaria à conclusão de que Putin era o homem por detrás do poder, enquanto o novo Presidente em exercício, Dimitri Medvedev, seria apenas um "fantoche". Medvedev compreendeu bem o seu papel nesta lógica de coabitação, remetendo-se praticamente a uma mera representação institucional, sem ousar discutir com Putin a liderança da política russa. Como na altura se constatou, a forma seria apenas um pormenor porque o que estava em causa era a substância da decisão. Ouvido pela rádio Ekho Moskvy, na altura, o analista russo Gleb Pavlovsky ia directo à questão central: "We can forget our favourite cliche that the president is tsar in Russia." E neste caso o Czar é Vladimir Putin que tanto o poderia ser na presidência, na chefia do Governo ou noutro cargo qualquer, desde que fizesse as devidas alterações constitucionais e que continuasse acompanhado dos seus "siloviki".

Aparentemente, Putin tem em Washington um parceiro que não o recriminará e que respeitará a sua liderança, desde que o Presidente russo não mexa com os interesses norte-americanos que, diga-se, nem será assim um exercício tão difícil de aplicar. Actualmente, Moscovo joga algumas das suas prioridades geoestratégicas e geopolíticas em tabuleiros que Trump já deu a entender não estar interessado. Agora, é ver a partir de dia 20 de Janeiro como o Czar Putin e o populista Trump se vão entender.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Operação americana no Iraque e a na Síria custa entre 200 a 320 milhões/mês

Alexandre Guerra, 04.11.14

 

As contas mais recentes apontam para mais de mil milhões de dólares gastos até final de Setembro com a operação militar que os Estados Unidos estão a desenvolver no Iraque e na Síria desde oito de Agosto contra o Estado Islâmico (ISIS). São valores avançados pelo Center for Strategic and Budgetary Assessment (CSBA) e podem subir até ao máximo de 1,8 mil milhões de dólares por mês, caso Washington intensifique os ataques aéreos e decida avançar massivamente com 25 mil soldados no terreno (Boots on the Ground). Até ao momento, as operações militares norte-americanas têm-se limitado a acções aéreas cirúrgicas, com uma presença terrestre tímida de um staff de 1600 homens, sobretudo ao nível de apoio de decisão e de aconselhamento (Lower-Intensity Air Campaign).

 

Se tudo se mantiver neste nível, daqui por diante está-se a falar num custo mensal entre 200 milhões a 320 milhões de dólares. No entanto, basta que as operações aéreas aumentem de ritmo e que estejam no terreno 5000 homens, para que os custos ascendam logo aos 350 a 570 milhões (Higher-Intensity Air Campaign).

 

Os outros números da guerra

Alexandre Guerra, 02.10.14

 

As contas mais recentes apontam para mil milhões de dólares gastos até ao momento com a operação militar que os Estados Unidos estão a desenvolver no Iraque e na Síria desde Agosto contra o Estado Islâmico (ISIS). São valores do Center for Strategic and Budgetary Assessment (CSBA), que podem subir para 1,8 mil milhões por mês, caso Washington decida aumentar para 25 mil o número de soldados no terreno e a intensidade da operação aérea.

 

Até ao momento, as operações militares norte-americanas têm-se limitado a acções aéreas, com uma presença terrestre tímida de um staff de 1600 homens, sobretudo ao nível de apoio de decisão e de aconselhamento. Se tudo se mantiver neste nível, daqui por diante está-se a falar num custo mensal entre 200 milhões a 320 milhões. O que é certo é que pelo menos mil milhões já estão contabilizados em apenas dois meses.

 

Um tsunami muito previsível

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

A anarquia reina nas ruas do Cairo/Foto: K. Desouki (AFP)


Sem grande surpresa, o Egipto está a ferro e fogo e ninguém parece ter mão na "rua". "Rua", essa, onde o poder caiu. Não agora, mas a partir do momento em que a eufórica Primavera Árabe se propunha, ingenuamente, levar a democracia aos povos. As chancelarias ocidentais embarcaram nesta aventura politicamente correcta, desprezando as lições da história e o realismo da Política.

 

Desde entao, ou seja, há mais de dois anos, que a Primavera se transformou num Inverno sangrento para muitos paises muçulmanos do Norte de África e do Médio Oriente. A Síria é o exemplo mais trágico. Foi uma espécie de tsunami que, ao contrário dos de origem natural, era bastante previsível. Aliás, o Diplomata, um simples observador das relações internacionais, já tinha alertado, mais que uma vez, para o potencial perigo desta caminhada para o "fim da História", em versão muçulmana. 

 

O resultado está à vista, certamente com Washington, Londres e Bruxelas comprometidas com o seu próprio fracasso, ao olharem para o Egipto numa situação de descontrolo inédito nas décadas mais recentes da história daquele País. 

 

Portugal fez bem

Alexandre Guerra, 06.12.12

 

Portugal fez bem em votar favoravelmente, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a elevação do estatuto da Palestina para “Estado observador não membro” daquela organização. Portugal foi assim um dos 138 países que subscreveram aquela proposta. Apenas nove votaram contra. Registaram-se 41 abstenções.

 

A diplomacia portuguesa, em nome da coerência com a linha que tem adoptado ao longo dos anos, na defesa de uma solução para o Médio Oriente assente no princípio dos “dois Estados”, não tinha outro caminho a tomar. Mesmo que isso implicasse (como implicou) um desalinhamento total com a posição de Washington, um aliado natural de Portugal, com o qual tem havido uma harmonia intocável em matéria de política externa.

 

A preocupação de preservar essa harmonia ficou aliás bem patente em Outubro do ano passado, quando os membros da Assembleia Geral foram chamados a votar a admissão da Palestina na UNESCO. Na altura, Portugal absteve-se, mas sem apresentar argumentos que sustentassem a sua decisão.

 

A interpretação do Diplomata é simples: Portugal encontrava-se numa encruzilhada. Se, por um lado, queria evitar desalinhar-se com Washington, por outro, Lisboa acreditava (e acredita) genuinamente na Palestina enquanto Estado independente, como parte da solução para o Médio Oriente.

 

E foi perante esta encruzilhada que Portugal acabou por abster-se no ano passado, ficando numa espécie de “meio caminho”, tentando não contrariar frontalmente Washington e ao mesmo tempo não trair totalmente a sua visão da política externa em relação à Palestina.

 

A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL), Ana Santos Pinto, num pertinente artigo do jornal Público, chamava a atenção precisamente para a evolução da posição de Portugal em apenas um ano. E analisa ainda a importância do recente voto português na Assembleia Geral quando enquadrado nas relações político-diplomáticas com os Estados Unidos, já que desta vez se assistiu a uma bipolarização entre Lisboa e Washington.  

 

...a aguardar pelos próximos episódios da mais recente "novela" americana

Alexandre Guerra, 13.11.12

 

 

Agora, a respectiva legenda:

 

1. Threatening emails: Early in the summer, Jill Kelley complains to an FBI friend about being sent harassing emails. The FBI later establishes they came from Paula Broadwell, who co-authored a biography of Gen David Petraeus.

2. Affair: The FBI investigation also reveals emails between Mrs Broadwell - a married former military officer - and Gen Petraeus that indicate they were having an extra-marital affair.

3. Family friends: Jill Kelley and her husband, Scott, are family friends of Gen Petraeus and his wife, Holly. Officials say Mrs Broadwell saw Mrs Kelley as a rival for Gen Petraeus's attentions. However, there is no suggestion Mrs Kelley and Gen Petraeus had an affair.

4. "Inappropriate emails" investigated: The top US commander in Afghanistan, Gen John Allen, is now being investigated for allegedly sending "inappropriate emails" to Jill Kelley. The FBI has referred the matter to the Pentagon. A senior official says up to 30,000 pages of emails and other documents are under review.

 

Com a cortesia da BBC News


Afinal, o Irão sempre tinha o "Sentinel"

Alexandre Guerra, 09.12.11

 

O Brigadeiro General Amir-Ali Hajizadeh (dir.) ao pé do "Sentinel"/Foto: Revolutionary Guards, via Agence France-Presse — Getty Images

 

Washington começou por dizer há dias que não tinha perdido qualquer "drone", mas rapidamente se percebeu que aquilo não estava a ser dito com muita convicção. Dias depois percebeu-se porquê. As autoridades iranianas anunciaram que tinham em sua posse um avião não tripulado RQ-170, mais conhecido por "Sentinel", com tecnologia "stealth" e que estaria ao serviço da CIA.

 

Confrontados com isso, os americanos vieram, timidamente, dizer que mesmo que isso fosse verdade, o "drone" estaria todo destruído, devido ao impacto da queda, e que não haveria perigo dos iranianos tentarem usurpar a sua tecnologia. 

 

Perante isto, o regime de Teerão divulgou finalmente há umas horas imagens do "Sentinel", que terá sobrevoado 250 quilómetros adentro do território iraniano na região da cidade de Taba, tendo alegadamente sido imobilizado pelas forças armadas do Irão. Washington tinha dito que o "drone" teria caído devido a uma avaria.

 

Teerão acusou os Estados Unidos de terem violado o espaço aéreo iraniano e já escreveu uma carta ao Conselho  de Segurança, denunciado aquilo que considera serem acções "encobertas" e "provocadoras" por parte de Washington.

 

Entretanto, os Estados Unidos ainda não reagiram às imagens divulgadas por Teerão.

 

O encanto de Hina tenta arrefecer os ânimos entre Washington e Islamabad

Alexandre Guerra, 28.09.11

 

Hina Rabbani Khar, ministra dos Negócios Estrangeiros do Paquistão/Foto:AFP

 

Nas últimas semanas, até mesmo nos recentes meses, Washington e Islamabad têm-se envolvido numa troca de palavras muito pouco amistosas. Os Estados Unidos têm acusado o Paquistão, cada vez com mais veemência, de não estar a envidar os esforços necessários no combate ao terrorismo dentro do seu território.

 

Alguns responsáveis americanos têm ido mais longe, ao acusar o Governo de Islamabad de apoiar ou, pelo menos, ser conivente com os militantes islâmicos paquistaneses com ligações aos taliban do Afeganistão.

 

Em concreto são várias as vozes em Washington que acusam os serviços secretos paquistaneses, a ISI, de encobrir ou apoiar a rede Haqqani, o principal grupo terrorista a operar no Paquistão.

 

A situação agudizou-se depois do atentado do passado dia 13 de Setembro contra a Embaixada norte-americana em Cabul, tendo o Chefe do Estado Maior dos Estados Unidos, o almirante Mike Mullen, responsabilizado a rede Haqqani pelo sucedido, classificando-a como um “braço armado” da ISI. Foi a acusação mais séria desde 2001, ano em que os Estados Unidos e o Paquistão se “aliaram” na guerra ao terrorismo.

 

Almirante Mike Mullen, Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos EUA/Foto: AP

 

Islamabad não tem gostado destas acusações e muito menos das incursões da CIA e das forças especiais norte-americanas no seu território, como aconteceu em Maio passado, com a operação levada a cabo pelos “navy seals” numa localidade a poucos quilómetros da capital paquistanesa e que culminou na morte de Osama Bin Laden, perante o desconhecimento total do Governo do Paquistão.

 

Numa entrevista dada ontem à Reuters, o primeiro-ministro paquistanês, Yusuf Raza Gilani, avisou Washington que qualquer acção unilateral dos Estados Unidos contra a rede Haqqani no território do seu país será considerada uma violação da soberania do Paquistão.

 

Declarações graves e muito perigosas, fazendo descer para um nível subterrâneo as relações entre Washington e Islamabad. E talvez receando uma escalada explosiva, horas depois desta entrevista, a ministra dos Negócios Estrangeiros paquistanesa, Hina Rabbani Khar, foi ontem à tarde à Assembleia Geral das Nações Unidas reiterar o compromisso do Paquistão na promoção da paz no Afeganistão e na parceria com os Estados Unidos. 

                                                                                                                     

A psicose de um Estado que constrói casas no território do inimigo, mas não investe no seu

Alexandre Guerra, 12.08.11

 

Palestinianos numa obra de novas casas de um colonato em Jerusalém Oriental, em 2010/Foto: Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images

 

Caso não aconteça uma revolução a vários níveis no Médio Oriente, um dia Israel vai ser confrontado com uma guerra que nunca irá ganhar: a fatalidade da exiguidade geográfica e a pressão demográfica, quer hebraica, quer árabe (o Diplomata voltará a este assunto mais tarde).

 

De certa maneira, o problema já começou a ser sentido internamente, de forma ruidosa e massiva, como ficou demonstrado há dias com a manifestação de 300 mil pessoas que vieram para as ruas de Telavive exigir ao Governo liderado por Benjamin Netanyahu uma política de habitação que possibilite às pessoas adquirirem ou arrendarem casas a preços acessíveis. Este Sábado estão previstas manifestações em 12 cidades israelitas. 

 

Ao contrário do que acontece em Portugal, em Israel constrói-se pouco, já que a área disponível para tal é muito reduzida. O resultado é óbvio: poucas casas disponíveis no mercado. Ora, de acordo com a mais elementar lei da oferta e da procura, as consequências são mais que previsíveis.

 

Chamam-lhe o protesto das tendas, apartidário, indo da direita à esquerda, um pouco à semelhança dos vários movimentos que se têm verificado em vários países europeus.

 

Mas, tendo esta manifestação acontecido no Médio Oriente, naturalmente que os seus contornos são ainda mais complexos. Yoel Marcus escrevia no Haaretz que esta teria sido a única verdadeira manifestação na história de Israel sem qualquer interferência dos partidos políticos.

 

E embora sendo uma manifestação que, em última instância, procura decisões políticas, não deixa de ser curioso que aquela que terá sido a mais significativa expressão cívica em Israel não tenha estado relacionada, pelo menos directamente, com o conflito israelo-palestiniano, mas sim com questões mundanas da sociedade hebraica.  

 

Perante esta demonstração de força cívica, Benjamin Netanyahu foi obrigado a reagir, tendo já anunciado algumas medidas.

 

Apesar disso, como diz ainda Yoel Marcus, não bastará a Netanyahu largar um milhão aqui outro milhão ali. Será preciso adoptar uma política estratégica e coerente no que diz respeito à habitação.

 

Mas, se isto já é, por si só, um desafio hercúleo em sociedades ditas normais, como a portuguesa, no caso de Israel tudo se torna mais complicado, perante a existência de um paradigma bem delineado no que diz respeito à construção de habitação nos territórios ocupados da Cisjordânia com fins geopolíticos e geoestratégicos.

 

Se durante muitos anos a sociedade hebraica foi aceitando, ou pelo menos foi passiva, perante esta situação, agora parece começar a dar sinais de que não estará disponível para ver o seu Governo a manter uma política de habitação bem estruturada para os colonatos ao mesmo tempo que não dá respostas aos problemas diários dos cidadãos que vivem no território hebraico.

 

Ainda há uns dias, o ministro do Interior aprovou a construção de mais 1600 casas para colonos nos territórios ocupados de Jerusalém Oriental em Ramat Shlomo. É importante relembrar que esta medida tinha sido anunciada em Março do ano passado, gerando inclusive algum desconforto entre Washington e Telavive, já que a sua divulgação coincidira como a visita do vice-Presidente americano Joe Biden a Israel.

 

Além destas 1600, serão em breve aprovadas mais 2000 para o colonato de Givat Hamatos e outras 700 para o de Pisgat Zeev.

 

Face aos protestos dos últimos dias, o porta-voz do Ministério do Interior hebraico já veio dizer que esta medida é meramente “económica” e não “política”, dando a entender que poderá ser uma tentativa de resposta aos anseios da população hebraica.

 

Mas, o Diplomata tem grandes dúvidas que seja esse o caminho que o Governo hebraico deve seguir, sobretudo por duas razões: a primeira prende-se com o processo negocial israelo-palestiniano, havendo uma enorme pressão da Autoridade Palestiniana, de Washington e da comunidade internacional em geral para que Telavive ponha fim à sua política de expansão de colonatos; a segunda razão tem a ver com o perfil específico dos judeus ortodoxos mais radicais que procuram os colonatos, que, apesar de tudo, são uma minoria na sociedade israelita.

 

Como o autor destas linhas já escreveu em tempos, a maioria dos colonos são radicais no seu pensamento. Consideram-se uma espécie de linha avançada da causa sionista na Terra Santa.

 

Dentro da própria sociedade israelita são vistos como uma corrente radical, que canaliza muitos recursos financeiros ao Estado hebraico e que é responsável pelo fracasso crónico das negociações com os palestinianos.

 

Há uns anos, o autor destas linhas conversava em Telavive com um judeu ortodoxo da ala mais radical que tinha passado uma temporada num colonato, e apesar do seu discurso sustentando por uma aparente racionalidade histórica, rapidamente se percebeu que por detrás dos argumentos apresentados se esconde uma fé cega inabalável de “direito histórico” ao território da Cisjordânia, numa perspectiva de Grande Israel.

 

De acordo com os números disponíveis, cerca de 450 mil a 500 mil (não há um valor oficial) colonos vivem na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental). Isto representa um custo enorme para os cofres do Estado hebraico, porque para manter um colonato em território palestiniano é necessário assegurar condições logísticas e infraestuturas bastante onerosas. Já para não falar no dispositivo de segurança que é preciso mobilizar.

 

Por exemplo, cada colonato funciona como uma autêntica cidade em território hostil, com todos os serviços (escolas, correios, centros de saúde, parques, equipamento desportivos, etc) que existem em Israel. Cada colonato tem ainda uma estrada própria (interdita a palestinianos) que faz a ligação ao Estado hebraico.

 

Quanto ao dispositivo de segurança, está-se a falar de autênticas fortificações, dotadas dos mais avançados equipamentos de vídeo vigilância e bélicos. A segurança activa é assegurada pelos militares das Forças de Segurança Israelitas (IDF).

 

Ora, tudo isto faz com que cada fogo de habitação num colonato se torne muito dispendioso em comparação com o valor da construção de uma casa em condições normais.

 

Mas com se sabe, falar em normalidade no Médio Oriente é pura ficção, sobretudo num Estado que na sua zona mais estreita tem sensivelmente 15 quilómetros de profundidade estratégica (distância entre a praia banhada pelo Mar Mediterrâneo e a fronteira com a Cisjordânia).   

 

Ao longo dos anos a expansão dos colonatos assentou claramente em motivações políticas e estratégicas, numa lógica quase psicótica de que Israel estava rodeado de inimigos que o queriam “empurrar” para mar.

 

Os colonatos não são mais do que postos avançados em território inimigo que há que manter a todo custo, independentemente dos assuntos internos israelitas. Para os vários governos hebraicos, a política de expansão de colonatos foi sempre vista numa lógica de sobrevivência do próprio Estado judaico.

 

Existem actualmente 149 colonatos, sendo que alguns dos mais significativos estão situados nos territórios contíguos a Jerusalém Oriental, para lá da “Green Line”. Mas também cidades palestinianas como Nablus, Jericó, Belém ou Ramallah convivem com colonatos nas imediações geográficas.

 

Algo que não incomoda particularmente os colonos, já que estes consideram estar ao serviço da causa judaica, ao ocuparem território aos palestinianos, inimigos por definição histórica e bíblica.

 

É com esta convicção que milhares de colonos vivem tranquilamente o seu quotidiano, apesar de rodeados de arame farpado, escoltados pelas Forças de Segurança Israelitas (IDF), e sempre sob o perigo iminente proveniente, sobretudo, dos movimentos terroristas do Hamas e das milícias da Fatah.

 

Uma estranha e obsessiva forma de estar na vida, dirá o leitor deste texto, mas a insanidade mental reinante no Médio Oriente altera por completo a perspectiva do problema.

 

Perante tudo isto, é notório que existe uma parte da população em Israel no seu dia-a-dia que enfrenta cada vez mais dificuldades, ao mesmo tempo que vê o Estado hebraico a continuar a investir massivamente na política de colonatos, quando no seu próprio país não consegue comprar ou arrendar uma casa, ou porque os preços são exorbitantes ou porque simplesmente não existem.