Da nobreza da missão à irrelevância no terreno
Uma sobrevivente de Srebrenica lamenta-se a um "capacete azul", em Tuzla, 1995
Os erros trágicos que foram posteriormente detectados nas intervenções humanitárias e militares sob a bandeira das Nações Unidas no Ruanda (UNAMIR, Outubro de 1993 a Março de 1996) e nos Balcãs (UNPROFOR, Fevereiro de 1992 a Março de 1995), nomeadamente na Bósnia Herzegovina (sendo Srebrenica o melhor exemplo), já deviam ter servido para alguma coisa.
Deviam ter servido para que as Nações Unidas tivessem uma capacidade de resposta imediata em Nova Iorque e em estruturas intermédias, sempre que fossem detectadas situações de perigo iminente no terreno, colocando em causa a vida de civis inocentes.
Estes mecanismos deviam permitir que as Nações Unidas tivessem autoridade política e agilidade burocrática para, em poucas horas, alterar o seu mandato de acordo com a deterioração no terreno, sem que para isso houvesse necessidade de recorrer ao Conselho de Segurança, criando-se, por vezes, situações de impasse insustentável ou mandatos que seguem a lógica do mínimo denominador comum.
Só com esta autoridade burocrática e de comando teria sido possível evitarem-se situações de passividade e, por vezes, ridículas em que muitos “capacetes azuis” se viram envolvidos (o filme No Man’s Land, 2001, capta com humor essa realidade).
A limitação das “rules of engagement” e a incapacidade da cadeia de comando sob o “badge” da UNPROFOR de alterar um mandato totalmente desajustado à evolução dos acontecimentos no terreno permitiu, de certa forma, o massacre de Srebrenica, em Julho de 1995, no qual em poucos dias morreram quase 8 mil bósnios muçulmanos às mãos do comandante sérvio Ratko Mladic. Relembre-se que Srebrenica seria supostamente uma “safe area” sob a guarda da ONU, mais concretamente dos “capacetes azuis” holandeses.
Tudo isto aconteceu sensivelmente um ano depois do genocídio do Ruanda, onde em três meses morreram à catanada mais 800 mil tutsis e hutus moderados. O mandato da UNAMIR era de tal maneiro vago que os “capacetes azuis” pouco ou nada fizeram perante tais atrocidades. Imagine-se que em Nova Iorque havia muitas dúvidas quanto à interpretação do Capítulo VI, que rege a resolução de conflitos, no que dizia respeito ao uso da violência para a defesa de civis.
Esta semana as Nações Unidas voltaram a ser confrontadas com as suas debilidades em matéria de protecção de civis em cenários de conflito.
Um relatório interno daquela organização revela que houve falhas graves a vários níveis da ONU, nomeadamente do Conselho de Segurança e do Conselho dos Direitos Humanos, nos últimos meses de conflito no Sri Lanka entre as forças governamentais e os Tigre Tamil.
Estima-se que só nos últimos cinco meses de conflito, que terminou em Maio de 2009, tenham morrido mais de 40 mil civis de etnia tamil. Um número impressionante provocado em parte pela retirada dos “capacetes azuis” do Sri Lanka, deixando os civis indefesos entre os forças governamentais e os guerrilheiros tamil.
O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon já admitiu que este relatório vai ter “profundas implicações” na organização, sendo que uma das recomendações contidas no documento é a de que as Nações Unidas revejam os mandatos para as missões humanitárias e de protecção a civis.