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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

De uma inspiração nasceu, de inspiração precisa

Alexandre Guerra, 16.05.18

 

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Tal como uma cortina, muitos dirão que as sombras se abateram sobre a Europa. A cada eleição, soam os alarmes, com medo do que possa estar para vir. Os extremismos e nacionalismos pairam em vários países, ameaçando o sistema de valores no qual assenta o edifício europeu. Ainda há uns tempos, a crise das dívidas soberanas praticamente condenava a União Europeia aos escombros e, mais recentemente, um novo abalo se fez sentir com o Brexit. Pelo meio, constatou-se a falência de Bruxelas em lidar com a crise dos refugiados e os problemas de integração das comunidades islâmica nalgumas metrópoles europeias.

 

De facto, vendo as coisas desta maneira, dir-se-ia que o futuro da União Europeia, enquanto projecto político único na história dos Estados, é sombrio. Até porque, os cidadãos e dirigentes europeus tendem a focar-se nos problemas inerentes à construção do edifício comunitário, no que está mal, descurando, muitas das vezes, as virtudes que diariamente se reflectem na melhoria de vida dos povos e que resultam desta magnifica invenção política e humana do pós-II GM.

 

Este desfasamento entre a percepção negativa que às vezes as pessoas têm da burocracia de Bruxelas e o retorno efectivo que a União Europeia tem dado aos países (com erros é certo, mas onde o balanço é claramente positivo), é explicado, em parte, pelo ainda desconhecimento profundo daquilo que o projecto europeu tem dado aos seus Estados-membros. Na verdade, nos últimos tempos, tem sido evidente a intensificação do discurso demagógico e populista contra a União Europeia, tendo já consequências fracturantes com a saída do Reino Unido a breve prazo.

 

Num primeiro momento, de maior histerismo talvez, começou a falar-se no início do fim da União e na possível saída de mais países, como se a organização de que actualmente fazem parte fosse a fonte de todos os seus problemas e não lhes tivesse proporcionado prosperidade e desenvolvimento. Para já, o ímpeto secessionista de um ou outro Estado-membro parece ter acalmado, talvez por se começar a perceber que a “aventura” do Reino Unido, afinal, pode vir a ter consequências muito gravosas para o país.

 

Normalmente, como noutras situações da vida, só se dá valor às coisas quando ficamos sem elas ou quando não as temos e as queremos ter. Muitos parecem esquecer ou desconhecer que o espaço geográfico da União Europeia é um dos mais desenvolvidos e pacíficos do mundo, onde, apesar de todas as imperfeições, impera a democracia e a justiça social. E se entre os (ainda) 28 haja quem olhe para a União Europeia como um projecto iníquo e perverso, outros países, que estão do lado de fora, vêem na Europa um farol de esperança e progresso. E, por isso, numa altura em que alguns falam em sair, há outros que aprofundam a sua aproximação à UE, na esperança de um dia virem a ser membros de pleno direito.

 

De certa maneira, é compreensível algum descontentamento ou cepticismo face à União Europeia, já que um dos passatempos preferidos dos actuais governantes do Velho Continente é criticar o projecto europeu e reduzi-lo a um monte de burocracia, que está em decadência e que pouco ou nada faz pelos seus povos. Com mais ou menos intensidade, esta é a tónica dominante da retórica de muitos líderes e políticos dos Vinte e Oito. Seja por convicção, seja para agradar ao seu eleitorado interno, seja até por razões válidas (porque há muitos erros que devem ser corrigidos), são recorrentes as críticas e os ataques feitos ao projecto de construção europeia. No meio de tudo o que se vai ouvindo, é contínuo o lamento sobre a falta de liderança política na Europa. Ao nível dos Estados-membros, não existem figuras carismáticas que possam assumir esse desígnio comum e inspirador de levar isto por diante e, no âmbito das instituições comunitárias, percebe-se que as figuras que têm sido escolhidas para assumir tais cargos nos últimos anos não têm gerado o efeito de mobilização e de alavancagem que se precisava. De certa maneira, hoje em dia, fica-se com a sensação de que a construção do edifício europeu entrou em piloto automático a partir do início dos anos 90, acrescentando-se andares sobre andares, em cima de "pilares" frágeis, mas sem qualquer farol que apontasse um porto seguro.

 

Não se estranha, por isso, que uma certa ideia romântica de Europa unida e solidária se tenha perdido lá atrás, com a saída de cena de homens como Delors, Kohl, Mitterrand, Soares ou González, apenas para dar alguns exemplos. No entanto, se é verdade que Jacques Delors é e será sempre uma figura de referência na construção europeia, tal evidência não deve distorcer a análise comparativa entre os seus dois mandatos na Comissão e os que se lhes seguiram. Porque, de certa maneira, no final dos anos 80 e no início dos anos 90 viveu-se uma euforia europeia, com alguns dos principais líderes europeus da altura, com destaque para Helmut Kohl e Francois Miterrand, a “acelerarem” o projecto europeu para um nível de integração absolutamente inédito. Maastricht é precisamente o resultado, mas também o símbolo, dessa vontade política. Na prática, e até pela realidade ainda bem presente dos traumas de uma Europa dividida, todos eles estavam a lutar pelo mesmo. E isto veio facilitar (e de que maneira) o trabalho de quem estava nas instâncias comunitárias e, ao mesmo tempo, criar uma onda de entusiasmo junto dos cidadãos europeus.

 

Hoje, a euforia deu lugar a algum descontentamento no seio dos Estados-membro. Os europeus não parecem ver na Europa um projecto aliciante, mas sim uma entidade burocrática, dominada por tecnocratas que se limita a emitir directivas. A juntar-se a esta ideia, muitos dos intervenientes políticos nos vários países tecem duras críticas e enveredam por discussões bizantinas sobre questões que, com alguma arte política e inspiração, podiam ser ultrapassadas, tendo sempre presente que este mesmo projecto europeu já passou por períodos bem mais complicados da sua história. A diferença é que nessas alturas lá estavam os líderes carismáticos, a meterem de lado as suas diferenças e egoísmos e a pensarem no bem comum, e, desta forma, a inspirarem os seus povos.

 

Texto publicado originalmente na revista BICA (edição nº4/Primavera 2018)

 

É quase tudo uma questão de inspiração

Alexandre Guerra, 15.09.16

Um dos passatempos preferidos dos actuais governantes do Velho Continente é criticar o projecto europeu e reduzi-lo a um monte de burocracia, que está em decadência e que pouco ou nada faz pelos seus povos. Com mais ou menos intensidade, esta é a tónica dominante da retórica de praticamente todos os líderes dos vinte e oito Estados-membros. Seja por convicção, seja para agradar ao seu eleitorado interno, seja até por razões válidas (porque há muitos erros que devem ser corrigidos), são diárias as críticas e os ataques feitos ao projecto de construção europeia. No meio de tudo o que se vai ouvindo, é recorrente o lamento sobre a falta de liderança política na Europa. Ao nível dos Estados-membros, não existem figuras carismáticas que possam assumir esse designio comum e inspirador de levar isto por diante e, no âmbito das instituições comunitárias, percebe-se que as figuras que têm sido escolhidas para assumir tais cargos nos últimos anos não têm gerado o efeito de mobilização e de alavancagem que se precisava. De certa maneira, hoje em dia, fica-se com a sensação de que a construção do edifício europeu entrou em piloto automático a partir do início dos anos 90, acrescentando-se andares sobre andares em cima de "pilares" frágeis, mas sem qualquer farol que apontasse um porto seguro.

 

Não se estranha, por isso, que uma certa ideia romântica de Europa unida e solidária se tenha perdido lá atrás, com a saída de cena de homens como Delors, Kohl, Miterrand, Soares ou González, apenas para dar alguns exemplos. No entanto, se é verdade que Jacques Delors é e será sempre uma figura de referência na construção europeia, tal evidência não deve distorcer a análise comparativa entre os seus dois mandatos na Comissão e os que se lhes seguiram. Porque, de certa maneira, no final dos anos 80 e no início dos anos 90 viveu-se uma euforia europeia, com alguns dos principais líderes europeus da altura, com destaque para Helmut Kohl e Francois Miterrand, a “acelerarem” o projecto europeu para um nível de integração absolutamente inédito. Maastricht é precisamente o resultado, mas também o símbolo, dessa vontade política. Na prática, e até pela realidade ainda bem presente dos traumas de uma Europa dividida, todos eles estavam a lutar pelo mesmo. E isto veio facilitar (e de que maneira) o trabalho de quem estava nas instâncias comunitárias e, ao mesmo tempo, criar uma onda de entusiasmo junto dos cidadãos europeus.

 
Hoje, a euforia deu lugar ao descontentamento e cepticismo no seio dos Vinte e Oito. Os europeus não parecem ver na Europa um projecto aliciante, mas sim uma entidade burocrática, dominada por tecnocratas que se limita a emitir directivas. A juntar-se a esta ideia, muitos dos intervenientes políticos nos vários Estados-membros tecem duras críticas e enveredam por discussões bizantinas sobre questões que, com alguma arte política e inspiração, podiam ser ultrapassadas, tendo sempre presente que este mesmo projecto europeu já ultrapassou períodos bem mais complicados da sua história. A diferença é que nessas alturas lá estavam os líderes carismáticos, a meterem de lado as suas diferenças e egoísmos e a pensarem no bem comum, e, desta forma, a inspirarem os seus povos. 
 
Publicado originalmente no Delito de Opinião.
 

Dar valor ao que se tem

Alexandre Guerra, 01.07.16

 

O Reino Unido está de saída da União Europeia e algumas vozes mais populistas, nomeadamente, da senhora Marine Le Pen, dessa autêntica "personagem" dos Países Baixos chamada Geert Wilders ou do menos conhecido Matteo Salvino, líder da Liga do Norte em Itália, vieram agitar também a bandeira do referendo. No seio do edifício europeu só se passou a falar no início do fim da União e na possível saída de mais países, como se a organização de que actualmente fazem parte fosse a fonte de todos os seus problemas e não lhes tivesse proporcionado prosperidade e desenvolvimento. Normalmente, como noutras situações da vida, só se dá valor às coisas quando ficamos sem elas ou quando não as temos e as queremos ter.

 

Muitos parecem esquecer ou desconhecer que o espaço geográfico da União Europeia é um dos mais desenvolvidos e pacíficos do mundo, onde, apesar de todas as imperfeições, impera a democracia e a justiça social. E se entre os (ainda) 28 haja quem olhe para a União Europeia como um projecto iníquo e perverso, outros países, que estão do lado de fora, vêem na Europa um farol de esperança e progresso. E por isso, numa altura em que uns falam em sair, há outros que aprofundam a sua ligação à UE. Hoje, por exemplo, entraram em vigor em toda a sua plenitude os Acordos de Associação com a Geórgia e com a Moldávia, que permitirão aproximar aqueles países às realidades económica, política, social e cultural da União Europeia. 

 

E já agora, também hoje se assinalaram cinco anos do Acordo de Livre Comércio entre a UE e a Coreia do Sul, que permitiu inverter uma situação de défice para excedente a favor do bloco europeu no que diz respeito à balança das trocas comerciais. Desde 2011 que as exportações europeias aumentaram 55 por cento para aquele país asiático, ao mesmo tempo que as empresas do Velho Continente pouparam 2,8, mil milhões de euros em impostos e taxas alfandegárias. O valor das trocas comerciais entre a UE e a Coreia do Sul atingiu em 2015 o valor recorde de 90 mil milhões de euros. 

 

Notícias como estas há muitas, a questão é que são daquelas notícias que não aparecem nos jornais nem nas televisões e muito menos fazem parte do discurso dos políticos e do racional dos jornalistas, analistas e comentadores que por aí andam. Muitos deles, na verdade, nem sequer sabem do que falam ou escrevem, limitando-se a reproduzir banalidades e distorções sobre o projecto europeu, aquilo que ele é e aquilo que ele representa. 

 

A luz do "farol" europeu está cada vez mais esbatida

Alexandre Guerra, 27.01.16

 

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 Refugiados em direcção à Macedónia (Dan Kitwood/Getty Images)

 

Numa das suas deambulações nocturnas em que se entregava à reflexão, o personagem principal de uma das obras primas de Hermann Hesse problematizava sobre o que era ser europeu naquele presente. Estava-se nos anos 20 e o "lobo das estepes" estava angustiado com o esbatimento das referências culturais e sociais herdadas da "antiga europa". Questionava-se ele se os valores de outrora não estariam esquecidos: "Será que aquilo que consideramos 'cultura', aquilo que consideramos espírito, alma, belo, aquilo que consideramos sagrado, não era senão um espectro, estava morto há muito e já só por nós, um punhado de tolos, era tomado por verdadeiro e como estando ainda vivo?" 

 

Uma pergunta que, certamente, todos aqueles que se dedicam a estas matérias filosóficas poderão fazer em diferentes momentos da História. Porque, a Europa política, cultural e social tem sido uma construção de séculos, assente nos pilares do conhecimento e da filosofia da antiguidade clássica, na paixão e fraternidade judaico-cristã. Foi essa herança que deu corpo a uma certa ideia de "união europeia", não apenas de Estados ou nações, mas de valores e princípios, que seriam um "farol" referencial no mundo contemporâneo, como o foi há séculos o Farol de Alexandria, cuja sua luz representava a proximidade ao progresso civilizacional e ao saber acumulado.  

 

Esse projecto da construção europeia veio permitir um tempo de paz e de progresso no pós-II GM sem paralelo na sua história e apesar das dificuldades económicas e sociais que têm assolado alguns países europeus ao longo destas décadas, os valores e princípios têm sido o sustentáculo desta ideia comum de Europa. Mas são precisamente estes valores e princípios que sofrem agora um rude golpe, cometido por um dos "seus"  e que nos leva a questionar sobre a solidez daquilo que herdámos no que diz respeito aos direitos elementares do Homem enquanto ser social e que no quadro europeu estão consignados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. As recentes medidas aprovadas pelo parlamento da Dinamarca, que permitirão confiscar os bens de refugiados acima dos 1340 euros e impossibilitam a reunião familiar de refugiados num prazo de três anos, fazem lembrar outros tempos trágicos, onde milhões de pessoas foram despojadas daquilo que tinha para contribuir para o esforço de guerra. 

 

De notar que o pacote legislativo agora aprovado na Dinamarca está num nível de gravidade bem mais acima do que aquilo que foi adoptado na Hungria e na Polónia recentemente, porque, embora estas medidas polémicas tenham violado o direito comunitário, no caso dinarmaquês estamos perante ofensas claras à dignidade humana, aquilo que, até agora, parecia ser inviolável nessa ideia de "união europeia" e que nos tornava o tal "farol" dos tempos modernos. É certo que os Estados devem ter uma visão realista e pragmática para atenuar o impacto da chegada insustentável de milhares de refugiados à Europa, mas o caminho não é seguramente este.

 

Crise dos refugiados? O melhor é Bruxelas começar a ligar para o Kremlin

Alexandre Guerra, 19.09.15

 

Enquanto os líderes europeus estão sem qualquer estratégia comum para fazer face à crise dos migrantes/refugiados, deixando transparecer um lamentável espectáculo de vazio político para o resto do mundo, optando por uma táctica de "cada um por si", Moscovo percebeu há bastante tempo que qualquer solução para este assunto terá sempre que passar por Damasco e não por Berlim, Budapeste, Roma, Atenas ou Zagreb. O que estas chancelarias europeias estão neste momento a fazer é a colocar "pensos rápidos" numa ferida profunda a céu aberto.

 

O líder russo Vladimir Putin tem aproveitado a distracção europeia para ir reforçando a sua presença política e militar na Síria, tornando-se num actor incontornável em qualquer futuro processo negocial entre a União Europeia e o regime de Damasco. Aliás, nos últimos dias, Moscovo tem surgido como o interlocutor privilegiado do Departamento de Defesa norte-americano, tendo Washington já percebido que, mais uma vez, não pode contar com a União Europeia para qualquer acção concertada mais afirmativa. O melhor mesmo é a Casa Branca ligar directamente para o Kremlin. 

 

A pergunta que os europeus têm que fazer a si próprios

Alexandre Guerra, 01.09.15

 

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Uma família de migrantes descansa perto da vedação na fronteira da Sérvia com a Hungria/Foto: Saba Segesvari/AFP/Getty Images 

 

Quem por estes dias andar por Itália e estiver minimamente atento às notícias é confrontado com o drama dos migrantes ilegais, que ocupa a maior parte do tempo dos noticiários e as primeiras páginas dos jornais. A Itália, à semelhança da Grécia e da Hungria, vive um autêntico estado de emergência. É desta forma que as autoridades italianas estão a encarar o problema. E o caso não é para menos.

 

Os governantes italianos têm a noção de que o problema dos migrantes os atinge no "primeiro impacto" e, por isso, as suas entidades marítimas têm sido as principais protagonistas na intercepção e salvamento de cententas de pessoas, todos os dias, nas águas do Mediterrâneo. 

 

Os dois canais televisivos noticiosos da Rai e da Mediaset (equivalentes à RTPI e à SICN) têm estado a fazer "directos" permanentes dos portos da Catânia e de Palermo, sempre que há a informação de que está a chegar mais um navio da marinha ou da guarda costeira italiana com refugiados a bordo. Só na última semana, quase todos os dias chegaram migrantes àqueles dois portos sicilianos, depois de terem sido salvos no Mediterrâneo, mais concretamente nas águas entre a Líbia e a ilha de Sicília.

 

A verdade é que o problema da migração não afecta da mesma maneira os diferentes Estados da União Europeia. A Itália, a Grécia e a Hungria estão hoje na "linha da frente" desta tragédia e, perante uma ausência de resposta concertada ao nível europeu, têm adoptado medidas de curto prazo para fazer face a um problema para o qual ainda não há resposta sustentável e douradora, digna dos valores humanistas que tanto o Velho Continetne apregoa. 

 

Naturalmente que países da União Europeia como a Alemanha, a Áustria, a França, a Suécia, a Dinarmca ou o Reino Unido têm de lidar com este problema num outro nível e, por isso, a chanceler Angela Merkel tem razão ao dizer o óbvio de que tem que se encontrar uma solução comum. A questão é saber se todos os Estados da UE estão dispostos a fazer parte dessa solução. E se estão, até onde estão dispostos a ir? Mas antes, é preciso encontrar um modelo, se se quiser, uma espécie de doutrina sobre a forma de como os europeus se querem relacionar com os seus "vizinhos" de África e do Médio Oriente. Porque, essa é a questão principal. E só com esse novo paradigma, interiorizado pelos lideres e respectivas opiniões públicas, se deve partir para medidas concretas.

 

Deste modo, ninguém pode ou deve criticar a actuação da Itália, da Grécia ou até mesmo da Hungria. Neste momento, estes países estão apenas a reagir a "quente", a fazer aquilo que podem e que acham que é o mais correcto.Trata-se de uma lógica de actuação imediata e sem qualquer perspectiva de alcançar uma solução duradoura. Essa, como já aqui foi referido, terá que ser pensada em termos políticos, históricos e até mesmo filosóficos. Pode parecer estranho, mas no fundo os europeus têm que perguntar a si próprios como vêem e sentem os "outros", aqueles que chegam à Europa vindos de outras paragens, muitas vezes em desespero, sem nada, apenas com a roupa que trazem no corpo.

 

O dramatismo habitual... nada de novo!

Alexandre Guerra, 23.11.12

 

Quem se habituou a acompanhar, desde há alguns anos, os processos negociais no âmbito do Conselho Europeu, sabe que esta cimeira europeia só podia acabar assim, inconclusiva.

 

Na verdade, sempre que estão em cima da mesa assuntos basilares para a União, tais como tratados, orçamentos comunitários ou alargamentos, o dramatismo impera e a solução final surge sempre à última hora do prazo limite.

 

É sempre assim e também o vai ser com as Perspectivas Financeiras 2014-2020. 

  

Os tempos da História e as suas "crises"

Alexandre Guerra, 06.12.11

 

No período em que José Manuel Durão Barroso, actual presidente da Comissão Europeia, andava pelos Estados Unidos a tirar o seu doutoramento em Georgetown e se prepara para vir a ser um dia primeiro-ministro de Portugal, o autor destas linhas chegou a ouvi-lo citar, por uma ou duas vezes, algumas estrofes da música Zooropa do álbum homónimo dos U2 (diga-se de passagem, repositório dos últimos resquícios da genial criatividade musical daquela banda que tinha atingido o corolário com Achtung Baby, dois anos antes).

 

Considerações artísticas à parte, Barroso lá dizia: “Zooropa… Don't worry baby, it's gonna be alright. Zooropa… Uncertainty can be a guiding light.” Disse-o, por exemplo, em Novembro de 1997, durante um colóquio com o nome de “Portugal na Transição do Milénio”.

 

O agora líder da Comissão Europeia mostrava-se na altura desiludido com o rumo da Europa, em parte consubstanciado no então novíssimo Tratado de Amesterdão, assinado em Outubro de 1997.

 

Na sua intervenção por ocasião do debate na Assembleia da República para a aprovação do Tratado de Amesterdão, a 6 de Janeiro de 1999, Barroso dizia que “sem embargo de desenvolvimentos positivos, ele representa uma certa frustração e fica-se, sem dúvida, com um sabor a pouco em termos de ambição europeia”. Salientava ainda: “Ficamos com a impressão de reformas mais uma vez adiadas. Ficamos com a consciência de que a Europa continua à procura de um caminho. […] Não pode, pois, honestamente dizer-se que o Tratado de Amesterdão esteja à altura dos desafios que a Europa hoje enfrenta.”

 

Mais à frente dizia que na União Europeia não existia “uma vontade política proporcional à dimensão dos desafios que os europeus enfrentam”. Acrescentaria ainda que “actualmente [1999], os líderes europeus vão, na sua maioria, atrás das sondagens, em vez de procurarem ir à frente das respectivas comunidades políticas”. E já quase a concluir: “Que faremos com esta Europa? Para onde vamos? O que quer a Europa, se é que quer realmente alguma coisa? A verdade é que a União Europeia parece cada vez mais à deriva. Sem um propósito claro. Sem uma linha de rumo. Sem uma verdadeira visão estratégica.”

 

Ora, estes tempos de excepcional “crise” que se viviam no final dos anos 90 não eram afinal tão excepcionais quanto isso, bastando apenas recuar até ao início da mesma década e encontrar mais um momento de “crise” para a Europa.

 

Na ressaca do Tratado de Maastricht, mais concretamente em Julho de 1993, o mesmo Durão Barroso escrevia num artigo de opinião no Die Ziet seguinte: “Tenho para mim que é nos momentos mais difíceis que a validade dos projectos políticos pode ser de facto posta à prova. Ora justamente o projecto de construção vive numa fase marcada pela incerteza, pelo cepticismo e até pela desconfiança. De facto, é inquestionável que em muitos países europeus se nota hoje um pessimismo crescente.” E notava que “como pano de fundo, a recessão económica internacional tornou mais evidente a perda de competitiva em relação” aos concorrentes mundiais da Europa.

 

Enfim, certamente que se continuasse a regredir no tempo muitos seriam os discursos alinhados por este diapasão, porque a verdade é que poucos serão os períodos da construção do edifício europeu em que os tempos fossem de tranquilidade e de prosperidade, pelo menos à lupa dos políticos e dos líderes.

 

Tal como daqui a 20 anos, a autor destas linhas apostaria que a Europa, dirão então os seus governantes, estará numa crise de identidade, sem rumo, sem liderança ou qualquer coisa deste género.

 

Independentemente das conjunturas históricas, os homens têm uma tentação e tendência para assumirem a excepcionalidade do seu próprio tempo (isto dará um dia um texto interessante sobre Hegel, Marx, Fukuyama, Kojève, Políbio…) e, por vezes, esta assumpção poderá toldar a sua objectividade do pensamento e o seu espírito crítico em determinado momento.

 

Como aliás, actualmente acontece, na modesta opinião do autor destas linhas, onde os problemas são mais que muitos, é certo, mas a sua leitura e o respectivo enquadramento na linha da História não parece estar a ser feito de uma forma equilibrada e pragmática.

 

Mas, para isso acontecer é preciso, antes de mais, conhecer e ter a sensibilidade histórica, porque só assim se pode ter uma perspectiva verdadeiramente objectiva e focada no essencial, liberta das questões acessórias, que daqui a alguns anos não serão mais do que notas de rodapé da História.  

 

Nota: Durão Barroso foi aqui visado enquanto objecto de estudo, como poderia ter sido outro qualquer político ou líder. Tratou-se apenas de uma questão de maior disponibilidade no acesso à informação.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.