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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Israel admite operação secreta sob o manto da "doutrina Begin"

Alexandre Guerra, 21.03.18

 

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Um dos F-16 israelitas da Esquadra 253, momentos antes de levantar voo na noite de 5 de Setembro de 2007, com destino ao complexo de Al Kibar em Deir Ezzor na Síria/ Foto:IDF

 

Em relação ao programa nuclear iraniano, tive sempre a convicção de que estaria muito longe de representar qualquer ameaça imediata para a região do Médio Oriente. Mesmo quando este tema estava no topo da agenda das preocupações de Washington, poucas dúvidas tinha de que os esforços de Teerão se limitavam a pouco mais do que a instalação de centrifugadoras em cascata. Esta quase certeza não tinha como base qualquer fonte privilegiada de “intelligence” junto do regime dos ayatollahs, mas apenas um facto muito simples, embora revelador: se houvesse o menor indício de ameaça a curto ou a médio prazo por parte do Irão, os caças-bombardeiros israelitas não perderiam tempo na destruição de qualquer alvo suspeito. Porque, a partir do momento em que os serviços de “intelligence” israelitas reunissem informação que colocasse o Irão na iminência de alcançar a bomba atómica, Israel atacaria cirurgicamente as várias instalações nucleares iranianas, sem qualquer aviso prévio, incluindo a Washington, que só deveria ter conhecimento da operação quando aquela já estivesse em curso.

 

Este princípio tanto se aplica ao Irão como a qualquer outro país da região, nomeadamente a Síria e o Iraque. A Mossad está sempre atenta a tudo o que se passa à sua volta, tal como sempre esteve em relação aos programas nucleares da Síria e do Iraque, tendo no passado agido preventiva e militarmente contra estes dois países a partir do momento em que se sentiu, efectivamente, ameaçada. Esta Quarta-feira, como forma de aviso ao Irão, o Governo israelita admitiu uma dessas operações secretas, ocorrida em 2007.

 

Na noite de 5 para 6 de Setembro de 2007, o primeiro-ministro, Ehud Olmert, pôs em prática a “doutrina Begin”, através de uma operação que Israel sempre negou, até hoje. Recordo que há uns anos, o New Yorker explicava como Israel tinha bombardeado secretamente o suposto reactor nuclear de Al Kibar sem que ninguém desse por isso e o assumisse posteriormente. “O ataque resultou de uma operação da Mossad em Viena, em Março de 2007, na qual recolheu 'intel' na casa de Ibrahim Otham, o director da Comissão Síria de Energia Atómica. As provas recolhidas, incluindo fotos do local do reactor, eram conclusivas. Washington foi informado, mas o Presidente George W. Bush não ficou muito convencido. Olmert, por seu lado, tinha poucas dúvidas e a 5 de Setembro, pouco antes da meia-noite, quatro F-15 e quatro F-16 levantaram voo de bases israelitas com destino à Síria.  Através de mecanismos electrónicos, os israelitas “cegaram” o sistema de defesa anti-aéreo sírio, entre as 00:40 e as 00:53, o suficiente para entrarem no espaço aéreo do inimigo sem serem vistos e lançaram várias toneladas de bombas sobre o alvo. Hoje, cinco anos depois, ninguém fala no assunto ou o reconhece, seja Israel ou a Síria”. Escrevi isto em Outubro de 2012, no entanto, este assunto nunca mais foi referido. Hoje, Israel assumiu este ataque, com as IDF a revelaram alguns detalhes, e avisou que nunca permitirá que qualquer país da região obtenha armas nucleares.  

 

Esta doutrina teve a sua origem em 1981, quando o primeiro-ministro Menachem Begin deu ordem para que oito caças F-16 destruíssem o reactor nuclear de Osirak, no Iraque, que Israel acreditava produzir plutónio para ogivas. Secretamente e contra a vontade de Washington, Begin não hesitou. Estava lançada a “doutrina Begin”, que assentava no seguinte princípio: “The best defense is forceful preemption." Para Begin, nenhum adversário de Israel deveria adquirir armas nucleares.

 

A agonia síria vista pela TIME

Alexandre Guerra, 12.03.18

 

Fiquei impressionado ao ler o artigo de capa da última edição da revista TIME, “Voices from the rubble”. São vários relatos de pessoas que têm vivido a “agonia” de Ghoutar oriental. Deixo aqui alguns excertos:

 

Eyad, 27, pai

“We were underground for six days, sharing a basement shelter with 70 other people. You feel the dampness in your bones. The smell of so many people is horrible. You don’t even know which smell belongs to you.”

 

Nivin, 28, professor

“I left all the news groups that circulate updated lists of those who have been killed. My heart couldn’t take it anymore. But in spite of myself, I read the names of Najah and Lina. I refused to believe that those were my students.”

 

Taaqi, 30, trabalhador humanitário

“I volunteer for a group called Molham Team. One day a woman came to me, but she was so shy that she wouldn’t make eye contact. She told me that her husband was injured and they hadn’t eaten for two days. Her son was so hungry that she caught him eating his own feces.”

 

Hamzi, 24, paramédico

"When you’re rescuing someone, you have two minutes max. The regime usually bombs the same area twice in a row, aiming to hit rescue workers with the second strike.Most of our medical facilities are no longer operating. We’re running out of crucial things, like anesthetics. We aren’t able to do much for deep wounds, so we end up amputating entire limbs. Last September, a tiny 3-year-old came into the emergency room with an acute outbreak of herpes. He needed a certain medication that we didn’t have. We sent his name to the Red Cross, which asked the government to permit his immediate evacuation from Ghouta. There was no response. I’ll never forget the day that he passed away."

 

Cessar-fogo em part time

Alexandre Guerra, 26.02.18

 

Dois dias depois do Conselho de Segurança ter aprovado por unanimidade uma resolução que prevê um cessar-fogo de 30 dias em toda a Síria (com algumas excepções), Moscovo – cujo seu embaixador na ONU também votou favoravelmente aquela medida – vem agora dizer que vai implementar uma “pausa humanitária” diária das 9h00 às 14h00 na parte oriental de Ghouta. É uma espécie de part-time de cinco horas para ajudar a população em fuga. Dirão uns, que é melhor do que nada... Provavelmente, mas o espírito da resolução que Moscovo também aprovou, deveria ser muito mais do que isso e os 400 mil sírios que estão a viver "o inferno na terra", como disse António Guterres, mereciam um cessar-fogo a tempo inteiro. 

 

Um jantar no Muito Bey

Alexandre Guerra, 29.01.18

 

Jantar no Muito Bey, um (recomendado) restaurante libanês próximo da Praça de São Paulo, em Lisboa, acabou por ser mais do que uma experiência gastronómica, porque foi um pretexto para relembrar e contar histórias antigas dos tempos que passei na Palestina. Desde essa altura que não comia Homus, o célebre alimento árabe, que consiste em grão cozido moído, com mais alguns ingredientes e azeite. É comido com pão típico daquela zona do Médio Oriente e faz parte diariamente das refeições dos árabes do Líbano à Faixa de Gaza. No Muito Bey também é possível saborear molho de iogurte enquanto acompanhamento, um hábito enraízado na gastronomia palestiniana. No entanto, na Cisjordânia e Faixa de Gaza usa-se o iogurte simples e natural, sem qualquer ingrediente, para servir de "molho" no arroz branco ou noutros alimentos. Na carta de vinhos, apenas uma única marca libanesa, mas suficiente para o paladar ter uma sensual amostra de Bekaa Valley. Aquele vale fértil fica a poucas dezenas de quilómetros a leste de Beirute, que é a principal zona agrícola do Líbano, influenciada por condições climatéricas específicas, com o tempero dos ares mediterrânicos. É uma zona conhecida pelas suas vinhas milenares, sendo o Domaine des Tourelles, o vinho que bebi no Muito Bey, uma das principais marcas de Bekaa Valley. Nesta zona habitam sobretudo libaneses xiitas, que convivem com as minorias cristã, sunita e drusa. E embora o ambiente daquele vale seja propício ao turismo e aos bons prazeres da gastronomia, nos últimos anos, milhares de sírios xiitas têm ali procurado refúgio, fugindo à guerra no seu país. Neste momento, o Líbano tem cerca de 1,5 milhões de sírios, muitos deles a viver em campos de refugiados em Bekaa Valley. Em Janeiro de 2015, o Governo libanês já tinha imposto restrições à entrada de mais sírios, no entanto, o sentimento contra aquela população tem aumentado. Ainda há dias, a revista The Nation escrevia que os refugiados sírios no Líbano encontram-se entre aqueles que não os querem e o cenário de regresso ao seu país de origem em guerra. Reflexões de um jantar Muito B(om)ey.

 

Um assunto que devia incomodar...

Alexandre Guerra, 18.12.16

 

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O que se está a passar em Aleppo é já um drama humanitário, mas tem todas as condições para se tornar numa tragédia sangrenta (é bom nunca esquecer acontecimentos como o de Srebrenica em Julho de 1995). Há uns dias, as Nações Unidas alertaram para o facto de cerca de 100 mil pessoas estarem encurraladas em pequenas áreas na zona oriental de Aleppo. Supostamente, está em curso um plano de evacuação, mas os poucos relatos fidedignos que nos chegam do terreno é de que está o caos instalado, com as forças governamentais sírias de um lado, apoiadas pela Rússia e milícias xiitas (que vieram do Irão, Paquistão, Líbano e Afeganistão), e os rebeldes sunitas do outro, que contam com a ajuda da Arábia Saudita, Turquia e EUA. Pelo meio, ainda estão vários grupos islamistas radicais, que não hesitarão em derramar sangue se a situação se precipitar em violência. Esta é uma daquelas alturas em que uma força de interposição multinacional, fosse da ONU ou da NATO, faria todo o sentido.

 

Estas duas fotos foram tiradas nos últimos dois/três dias e dão que pensar. As imagens que têm chegada de Aleppo são de uma intensidade tocante, numa altura em que as pessoas neste nosso mundo civilizado andam na normalidade das suas compras natalícias para os familiares, filhos e amigos. E é assim que devia ser em qualquer parte do mundo, mas, infelizmente, o contraste é brutal com algumas regiões e isso devia incomodar cada vez mais as lideranças mundiais. Mas pelos vistos...

 

Ontem, todos se comoveram. Hoje, já ninguém quer saber

Alexandre Guerra, 19.08.16

 

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Mais uma vez o mundo ocidental lá se consternou e emocionou perante o olhar vazio e desalmado de Omar Daqneesh, uma criança de 5 anos que, num estado letárgico quase catatónico, esperava pacientemente pelo salvamento do resto da família (felizmente todos sobreviveram, mas outras cinco crianças morreram), depois do seu prédio, localizado num bairro de Aleppo conotado com os rebeldes, ter sido atingido por um raide aéreo da aviação russa ou síria. Nem um choro ou lamento de Omar, apesar do seu rosto estar coberto de sangue e o seu corpo todo sujo de terra, como quem foi literalmente arrancado das entranhas da terra. Os jornais e as televisões, com o seu tom teatral do costume, mas sem qualquer eficácia na prossecução e pressão para uma solução política-militar, propagaram a fotografia de Mahmoud Raslan, o fotojornalista que estava no local e que captou o momento. As "redes sociais", sempre prontas para apanhar a onda da solidariedade internacional, também se indignaram e, claro está, o tema tornou-se "viral". As sociedades civis comoveram-se e a comunidade política indignou-se. Mas, tudo isto foi ontem, porque, hoje, já passou, a vida continua e já ninguém quer saber.

 

Recordo que há uns meses, em Setembro, esse mesmo mundo ocidental, sempre confortável no seu quotidiano, esses mesmos jornais e televisões, com a sua queda para o dramatismo, essas mesmas redes sociais, sempre voluntaristas, essa mesma sociedade civil, sempre predisposta para a comoção, essa mesma comunidade política, sempre indignada, reagia com lágrimas à chocante fotografia de Aylan Kurdi, um rapazinho de 3 anos, jazido de barriga para baixo, nas areias de uma praia da Turquia. Era um refugiado que, juntamente com a sua família, fugia do conflito da Síria. Na altura, por exemplo, a CNN escrevia: "Some said they hoped the images of the boy lying on the beach and his limp body being scooped up by a rescue worker could be a turning point in the debate over how to handle the surge of people heading toward Europe." O que foi feito desde então? Pouco, muito pouco mesmo, para quem se dizia tão chocado e indignado com tal barbárie.

 

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Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

"Boiling point", a questão jordana

Alexandre Guerra, 04.02.16

 

O gigantesco campo de refugiados Al Zaatari, na Jordânia, que acolhe refugiados sírios 

 

Nas últimas semanas, o Diplomata viu duas entrevistas do Rei Abdallah da Jordânia (uma na Euronews e outra na BBC News) a alertar para o problema que o seu país está enfrentar com o fluxo massivo de refugiados sírios, começando a provocar uma sobrecarga excessiva nos sistemas de saúde e educacional do país, já para não falar dos problemas acrescidos de segurança e integração. Mais do que um alerta, o monarca hachemita estava a fazer um sério aviso às potências com responsabilidades directas na procura de uma solução para o conflito sírio e para a questão dos migrantes. Ontem, à margem da conferência de dadores que se está a realizar em Londres, Abdallah teceu novas declarações, indo agora um pouco mais longe para dizer que o Jordânia está num "boiling point". Ou seja, o país está prestes a "rebentar".

 

Vejam-se os números: actualmente a Jordânia acolhe 600 mil sírios do total de 4,6 milhões que estão registados pela ONU. No entanto, o Governo jordano diz que existe mais de um milhão de refugiados sírios no país que não estão registados. Algo que não é muito difícil de acreditar. Tudo isto num país que tem uma população e área semelhantes à de Portugal. Além destes dados, é importante não esquecer que na composição de toda a sua população se encontram cerca de dois milhões de palestinianos com o estatuto de refugiado da UNWRA. Durante décadas, a Jordânia tem sido uma espécie de "segunda casa" para os palestinianos, num processo que, naturalmente, foi evoluindo e estabilizando ao longo dos anos. Ou seja, a questão dos palestinianos na Jordânia normalizou-se e deixou de ser um "issue" particularmente preocupante. O mesmo já não se pode dizer do que está a acontecer com a chegada de milhares de sírios à Jordânia num curto espaço de tempo, colocando novos problemas e ameaças ao reino hachemita.

 

Um desses problemas tem a ver com a ameaça à segurança, porque é importante lembrar que a Jordânia tem sido um dos poucos (senão o único) países do Médio Oriente que tem conseguido garantir estabilidade interna e apresentar-se como uma referência moderada na região. Tem sido um interlocutor de confiança com Washington, tem um tratado de paz com Israel, ao mesmo tempo que faz a ponte com vários estados árabes e, naturalmente, com a Palestina. A isto acresce o facto do Rei Adballah ter o seu território perfeitamente controlado no que diz respeito a grupos terroristas. Pelo menos até agora. E é esse um dos principais pontos de preocupação do Rei jordano, perante a chegada descontrolada de milhares de sírios ao seu país, uma realidade que pode comprometer o seu actual quadro de referência e estabilidade.  

 

Abdallah já percebeu o potencial problema e daí os vários alertas que tem lançado às potências internacionais: ou estas começam a olhar com atenção para a questão jordana ou então corre-se o risco daquele país ficar numa situação fragilizada e propícia à emergência de focos terroristas. O aviso está feito. 

 

Uma nota sobre Guterres

Alexandre Guerra, 22.01.16

 

Em Portugal é comum tecerem-se considerações acríticas altamente elogiosas sobre personalidades políticas que não "ameaçam" os alinhamentos da politiquice caseira, seja porque estão bem longe do país, a desempenhar funções no estrangeiro, ou porque estão...mortas. Almeida Santos foi um dos casos mais recentes que, de um momento para o outro, se tornou uma personagem amada e elogiada por todos (mas isso é outra história). O que o Diplomata quer aqui chamar a atenção é para a ideia generalizada que se instalou aqui no burgo de que António Guterres fez um trabalho irrepreensível enquanto Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Sendo certo que a vários níveis, nomeadamente em termos de ganho de peso político para aquele organismo, conseguiu importantes feitos, já quanto à sua capacidade de se deslocar no terreno e de gerir crises no imediato, o balanço já não é assim tão positivo. Na verdade, várias foram as críticas dentro da própria organização e de antigos responsáveis pela forma pouco hábil e enérgica como Guterres lidou com a crise dos refugiados. Uma das críticas que mais se tem ouvido (não aqui em Portugal) foi o de que Guterres nunca se deslocou à Síria desde que a guerra civil despontou há cinco anos. Por contraste, o seu sucessor desde 1 de Janeiro, o italiano Filippo Grandi, visitou ontem as instalações do Crescente Vermelho em Damasco. Será um sinal de mudança no estilo da liderança do ACNUR? Provavelmente.

 

Crise dos refugiados? O melhor é Bruxelas começar a ligar para o Kremlin

Alexandre Guerra, 19.09.15

 

Enquanto os líderes europeus estão sem qualquer estratégia comum para fazer face à crise dos migrantes/refugiados, deixando transparecer um lamentável espectáculo de vazio político para o resto do mundo, optando por uma táctica de "cada um por si", Moscovo percebeu há bastante tempo que qualquer solução para este assunto terá sempre que passar por Damasco e não por Berlim, Budapeste, Roma, Atenas ou Zagreb. O que estas chancelarias europeias estão neste momento a fazer é a colocar "pensos rápidos" numa ferida profunda a céu aberto.

 

O líder russo Vladimir Putin tem aproveitado a distracção europeia para ir reforçando a sua presença política e militar na Síria, tornando-se num actor incontornável em qualquer futuro processo negocial entre a União Europeia e o regime de Damasco. Aliás, nos últimos dias, Moscovo tem surgido como o interlocutor privilegiado do Departamento de Defesa norte-americano, tendo Washington já percebido que, mais uma vez, não pode contar com a União Europeia para qualquer acção concertada mais afirmativa. O melhor mesmo é a Casa Branca ligar directamente para o Kremlin.