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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

E da noite para o dia se deixa um país em direcção a outro

Alexandre Guerra, 20.11.12

 

Foto: Reuters/James Akena


Por mais dificuldades que alguns países ocidentais estejam a atravessar, nomeadamente Portugal, é importante nunca esquecer o que se vai passando nalgumas regiões do globo.

 

Na última noite, os rebeldes congoleses tomaram a cidade de Goma, capital da província de Kivu Norte, na parte leste da República Democrática do Congo (RDC), provocando de imediato o pânico em muitas famílias, que ainda hoje já começaram a abandonar aquela região em direcção ao vizinho Ruanda, como se pode ver na fotografia tirada ao início da manhã.

 

A história sangrenta do minério desconhecido que todos querem (3)

Alexandre Guerra, 31.08.10

 

 

A procura de coltan começou a acentuar-se no início dos anos 90, precisamente com o advento das novas tecnologias. De 1999 para 2000, registou-se um aumento de 38 por cento no consumo de coltan. Estimava-se então que o aumento do consumo anual daquele recurso fosse de 10 a 20 por cento.

 

Perante a importância deste recurso o Departamento de Defesa dos Estados Unidos classificou como “estratégico” aquele mineral.

 

Um pouco à semelhança do que aconteceu na Libéria, com este país a exportar para o mercado internacional os diamantes da Serra Leoa, também o Ruanda tem feito chegar a países como os Estados Unidos, Alemanha, Holanda ou Cazaquistão, o coltan extraído em território congolês.

 

Não deixa de ser curioso que o principal exportador e animador deste mercado seja o Ruanda, um país que não tem no seu território reservas de coltan (tal como a Libéria não tinha de diamantes). Todo este minério é trasladado do vizinho Congo pelas forças militares e milícias ruandesas em camiões até Kigali. Aqui, este material é tratado nas instalações da Somirwa, a Sociedade Mineira do Ruanda.

 

Posteriormente, o material é colocado no mercado através da Somigi (Sociedade Mineira dos Grandes Lagos), que tanto quanto o Diplomata conseguiu apurar, tem o monopólio da comercialização do coltan e conta com a participação de três sociedades (uma ruandesa, outra belga e uma sul-africana). Basicamente, o Uganda e o Ruanda vendem o coltan roubado da RDC.

 

A ocupação militar do território congolês pelas forças ruandesas com o apoio do Uganda desde 1998 é compreensível à luz deste estratégico e lucrativo negócio. Além disso, Kigali, através da Somigi, montou um esquema de pagamentos aos movimentos rebeldes apoiados pelo Ruanda que operavam em território congolês. Em vários sites da internet é possível ler-se declarações de então líder do Movimento para a Democracia Congolesa (RCD), Adolphe Onusumba, que o comprometiam de forma clara neste negócio: "Com a venda de diamantes ganhávamos cerca de 200.000 dólares ao mês. Com o coltan chegamos a ganhar mais de um milhão de dólares por mês."

 

Convém relembrar que o RCD chegou a controlar um terço do território congolês, sendo a influência de Onusumba recompensada em 2004 com a nomeação de Ministro da Defesa no Governo de transição da República Democrática do Congo (RDC). 

 

A própria líder da Somigi, Azazi Gulamani Kulsum, tida como uma contrabandista e outrora próxima dos hutus, passou a apoiar e a fornecer armas às forças militares ruandeses que continuam a perseguir hutus nalgumas regiões congolesas, como Kivu Norte.

 

Um estudo levado a cabo pelo IPIS (Serviço de Informação para a Paz Internacional) estabelecia uma teia complexa de contrabandistas e uma relação ilegal entre algumas empresas e países importadores com o negócio do coltan e, consequentemente, com o financiamento da guerra na RDC. Também o presidente ruandês, Paul Kagame, assim como pessoas próximas do chefe de Estado do Uganda, Yoweri Museveni, são tidas como envolvidas neste negócio.

 

Tanto estas relações comprometedoras como a violência que deflagrou na República Democrática do Congo continuam a fazer parte do quotidiano daquele país, apesar de formalmente a guerra ter terminado em 2003. Precisamente há um ano, a Global Witness referia que várias multinacionais estavam a aproveitar-se dos vastos recursos nas regiões congolesas de Kivu Norte e Sul.

 

Não é por isso de estanhar que ainda há dias a revista TIME se tenha interrogado se os “laptops” ou telemóveis utilizados por milhões de pessoas não estariam também "manchados" de sangue, numa analogia aos "diamantes de sangue".

 

Se é verdade que a partir da segunda metade desta década muitas das empresas começaram a estar sensíveis à origem dos materiais, é igualmente certo que anda a circular no mercado internacional minério "manchado" de sangue. Além disso, é inegável que muitos dos aparelhos e dispositivos electrónicos que fazem parte do dia-a-dia de qualquer pessoa em Nova Iorque ou em Lisboa contêm no seu interior materiais cuja origem está marcada pelo sofrimento e pela morte de milhares de pessoas na região dos Grandes Lagos.

 

A história sangrenta do minério desconhecido que todos querem (2)

Alexandre Guerra, 30.08.10

 

 

O que se passou na Libéria e na Serra Leoa não foi um caso isolado. Também na década de 90 a região dos Grandes Lagos viveu um drama que encontra algumas semelhanças quanto ao seu enquadramento. No entanto, a sua dimensão e a espiral de violência foram de tal forma avassaladoras que há uns anos a antiga Secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, classificou aquele conflito como a “Primeira Guerra Mundial de África”.

 

Os contornos e os números do conflito justificam. Só entre 1998 a 2003 (a fase mais intensa do conflito) o território da República Democrática do Congo (RDC) foi palco de uma guerra que envolveu seis países e terá provocado a morte de mais de 5 milhões de pessoas, muitas delas devido a doenças e fome. Foi o conflito mais mortal desde a II Guerra Mundial.

 

Agora, a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas prepara-se para divulgar um relatório de 545 páginas, no qual levanta a possibilidade de se ter verificado um genocídio perpetrado pelas forças ruandesas, com o apoio do Uganda, ao longo dos anos 90 na República Democrática do Congo.

 

Convém relembrar que na base deste conflito estiveram divisões étnicas, remontando ao período compreendido entre Abril e Junho de 1994, quando hutus extremistas provocaram o genocídio de 800 mil tutsis e hutus moderados no Ruanda. Violência extrema com a maior parte das pessoas serem mortas à catanada.

 

Assim que os tutsis tomaram o poder em Kigali, em Junho desse ano com a eleição do Presidente Paul Kagame, encetaram uma política de vingança contra todos os hutus no país que, entretanto, já tinham fugido para o vizinho Zaire, receando as represálias do Exército ruandês, uma vez que estavam cientes de não iria ser feita qualquer distinção entre os hutus que foram responsáveis pelo genocídio e os restantes hutus, simples cidadãos ruandeses, agora em fuga.

 

Rapidamente o conflito se alastrou ao Zaire, com violentas incursões das forças ruandesas lideradas por tutsis em buscas das milícias hutus. O território do ainda Zaire tornou-se um palco de perseguições e de morte sistemática, onde desta vez os alvos eram os hutus e o próprio regime liderado pelo histórico Mobutu Sese Seko, que deu apoio aos hutus, nomeadamente abrigo aos mais extermistas envolvidos no genocídio de 1994.

 

As forças ruandesas no Zaire tiveram o apoio do Uganda, na tarefa de ajudar o congolês Laurent Kabila do AFDL a depor Mobutu. Este acaba por cair em 1997, e assim que Kabila chega ao poder, rebaptiza o país para República Democrática do Congo (RDC), mas rapidamente Kigali percebe que o novo Presidente não vai conseguir destruir as milícias hutus.

 

É então que o Ruanda inicia uma outra tentativa para derrubar pela segunda vez num espaço de pouco tempo um Presidente em Kinshasa. Mas desta vez, Kabila vai resistir e pede ajuda a Angola, à Namíbia e ao Zimbabwe.

 

Nos cinco anos seguintes, a RDC vai ter no seu território forças de seis países, que se vão digladiar num conflito brutal que vai ultrapassar as barreiras étnicas, para passar a assentar numa lógica de controlo de território e recursos minerais.

 

Além dos cobiçados diamantes ou outras riquezas, os países envolvidos no conflito sabiam que no subsolo congolês repousavam quase 80 por cento das reservas mundiais de um dos mais preciosos minérios para as sociedades pós-modernas, mas também um dos mais desconhecidos para lá de Silicon Valey ou da comunidade de alta tecnologia: o coltan. Estima-se que o Brasil tenha outros 5 por cento, tal como a Tailândia e a Austrália possua 10 por cento.

 

O coltan, neste momento muito mais cobiçado do que o ouro, é uma mistura de dois minérios, a columbita e a tantalita. Do primeiro é extraído o nióbio e do segundo o tântalo, ambos com características únicas para a produção de materiais utilizados em dispositivos tecnológicos de vanguarda e portáteis, tais como telemóveis, laptops, GPS, televisores de plasma, satélites, entre outros.

 

A história sangrenta do minério desconhecido que todos querem (1)

Alexandre Guerra, 29.08.10

 

 

Por razões que serão explicadas adiante, o Diplomata lembrou-se de uma conversa tida há uns anos com um engenheiro de minas angolano que estava então a trabalhar para a De Beers enquanto consultor de projectos na África do Sul. Na altura, esta pessoa alertava o autor destas linhas para as riquezas desconhecidas do grande público, depositadas no subsolo africano, que iam muito para além daquelas mais óbvias, tais como o petróleo, o ouro ou os diamantes.

 

Sem dúvida que estes recursos são extremamente valiosos e muito procurados, de tal forma que são capazes de sustentar governos corruptos, de forjar alianças nefastas, de inflamar conflitos, de provocar guerras civis atrozes.

 

Os “diamantes de sangue” são um bom exemplo da maldição que alguns países e povos africanos têm de carregar por causa dos seus subsolos terem sido abençoados com a abundância de minérios vorazmente consumidos sobretudo pelos países ocidentais e economias emergentes.

 

Países como a Serra Leoa e a Libéria demonstram como um recurso mineral, neste caso os diamantes, pode trazer tanta destruição e morte aos seus povos durante tantos com a complacência e a passividade da comunidade internacional.

 

Perante esta situação, a ONU procurou implementar um processo de certificação de origem das pedras que colmatasse algumas das falhas de controlo nos países exportadores. O “Processo Kimberley” está longe de ser eficaz, mas é uma importante ferramenta preventiva.

 

Seja como for, os “diamantes de sangue” passaram a ser demasiado incómodos em Amesterdão ou em Nova Iorque para continuarem a ser vendidos e comprados sem que a comunidade internacional se sentisse na obrigação de tentar “esvaziar” algumas das fontes dos conflitos africanos relacionados com este problemática.

 

Efectivamente, nos primeiros anos deste século o mundo começou a olhar com outra sensibilidade para a questão dos diamantes e, de uma maneira ou de outra, o controlo é hoje maior, nomeadamente na Serra Leoa. Também no Zimbabwe, várias organizações não governamentais parecem estar atentas à exploração mineira dos diamantes, porém, o Presidente Robert Mugabe continua a exercer um poder autoritário no país, dificultando a implementação de medidas de controlo.

 

Violação em massa "debaixo do nariz" dos soldados da ONU

Alexandre Guerra, 26.08.10

 

Região do Kivu Norte, República Democrática do Congo

 

O assunto já aqui foi referido, mas novas e preocupantes informações merecem uma análise mais atenta por parte do Diplomata à violação massiva perpetrada por rebeldes hutus a mais de 150 mulheres nalgumas aldeias da região de Kivu Norte na República Democrática do Congo (RDC).

 

Em apenas quatro dias, de 30 de Julho e 3 de Agosto, entre 200 a 400 homens pertencentes às Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda fizeram uma incursão na região congolesa de Kivu Norte, violando e espancando cerca de duas centenas de mulheres, muitas das vezes na presença dos seus maridos e filhos.

 

Uma das informações agora avançada refere que a ONU tinha conhecimento das movimentações dos rebeldes hutus naquela área, no entanto, “não havia qualquer referência em particular a um ataque, e muito menos a violações”, sublinhou Roger Meece, representante na região do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

 

Meece informou que a força da ONU na RDC, a MONUSCO, tinha sido avisada da actividade rebelde na área há já algumas semanas, mas só no dia 12 é que receberam os primeiros alertas de violação por parte de organizações humanitárias.

 

Uma informação desmentida à CNN por Margaret Aguirre, porta-voz dos International Medical Corps, uma ONG que opera na região, que disse que a ONU tinha sido informada dos casos de violação a 6 de Agosto, no próprio dia em que voluntários daquela organização visitaram as aldeias afectadas.

 

A confirmar-se esta informação constata-se que a MONUSCO demorou muito tempo a reagir a este assunto, além de se questionar sobre o tipo de intervenção militar, já que a MONUSCO tem uma base situada num raio de sensivelmente 30 quilómetros da região onde se encontram as aldeias em que aconteceram as violações.

 

Apesar da ONU garantir que foram realizadas patrulhas regulares na região, a verdade é que estes trágicos acontecimentos aconteceram “debaixo do nariz” dos homens da MONUSCO, fazendo relembrar alguns casos menos felizes ocorridos noutros contextos de intervenção ao longo dos últimos anos, marcados pela passividade e complacência dos “capacetes azuis” perante crimes e atrocidades.

 

Face a estes acontecimentos, o Conselho de Segurança da ONU, reunido de emergência, exortou os "capacetes azuis" da MONUSCO a envidarem mais esforços para protegerem os "locais" dos rebeldes. Ban Ki-moon exigiu ainda às autoridades da RDC uma investigação exaustiva dos acontecimentos e que sejam encontrados os culpados desta atrocidade. 

 

Mais duas histórias de África

Alexandre Guerra, 24.08.10

 

Mulheres na região de Kivu Norte na República Democrática do Congo 

 

1. Pelo menos dois homens armadilhados com explosivos pertencentes à milícia islamista al-Shabab fizeram-se explodir hoje num ataque suicída no hotel Muna em Mogadishu, próximo do palácio presidencial, matando 32 pessoas, incluindo seis deputados da Somália.

 

O ataque, que não representa qualquer surpresa na dramática realidade daquela cidade somali, já foi reivindicado pela al-Shabab e surge no segundo dia de combates intensos entre aquele grupo e as forças governamentais apoiadas pelo contingente da União Africana (UA), que integra 6000 soldados.

 

Desde ontem que já morreram mais de 70 pessoas em Mogadishu. Mais um início de semana igual a tantos outros naquela cidade do Corno de África.

 

2. Durante quatro dias dois grupos armados violaram cerca de 150 mulheres na aldeia de Bunagiri na conturbada região de Kivu Norte na República Democrática do Congo (RDC). Este trágico acontecimento ocorreu no final do mês passado, mas só agora as Nações Unidas confirmaram o caso. Entretanto, as vítimas estão a receber tratamento médico e psicológico.

 

Esta é mais uma história violenta que vem da região dos Grandes Lagos e cujos autores são insurgentes hutus pertencentes às Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda.

 

Os membros mais extremistas da etnia hutu foram responsáveis pelo genocídio de 1994 no Ruanda, e desde então têm desestabilizado a região, nomeadamente através de incursões no território do Congo.

 

O terror semeado em terras africanas pelos bárbaros do Lord's Resistence Army

Alexandre Guerra, 16.10.09

 

Uma criança a observar pessoas num campo algures no Norte da RDC

 

Por vezes, e sobretudo no mundo ocidental, é importante relembrar que existem zonas na Terra onde reina um "homem " no seu estádio mais primitivo e bárbaro, desprovido de qualquer sensibilidade para com o semelhante, para o qual actos como matar, violar e espancar fazem parte do seu quotidiano.

 

O grau de desumanização daqueles actos é tão brutal que é legítimo perguntar-se que tipo de "criaturas" circulam por locais tão distantes e recônditos da Terra. 

 

Mas, perante o distanciamento geográfico do mundo ocidental daquelas zonas e tendo em conta o pouco impacto daqueles micro-conflitos nas relações internacionais, a opinião pública mundial vai dando pouca atenção a estas tristes realidades.

 

Pierrete, uma jovem congolesa que não sabe ao certo a sua idade, é uma "esposa forçada"

 

Os Médicos Sem Fronteiras tentaram esta semana colocar na agenda mediática uma das maiores atrocidades que se têm cometido em África, mais concretamente no Norte da República Democrática do Congo (RDC). Aquela ONG alertou para o facto de milhares de pessoas estarem novamente em fuga das perseguições do Lord's Resistence Army (LRA).

 

O líder do LRA, Joseph Kony, que tem um mandado de captura internacional emitido em seu nome, está claramente a alargar o território de actuação, visto que há algum tempo que deixou a sua "base" no Uganda para estar presente na República Centro Africana (RCA) e para fazer incursões na RDC. E ainda segundo algumas informações, é muito provável que Kony esteja a dirigir-se para Darfur, de modo a aliar-se às milícias Janjweed.

 

Michel, 30 anos, foi obrigado pelo LRA a cortar um homem com um machado

 

Com esta estratégia, o LRA poderá vir a obter apoio militar por parte do regime de Cartum, como aliás já aconteceu no passado. O ainda frágil Governo autónomo do Sul do Sudão acusa o Executivo do país de querer desestabilizar aquela região. 

 

Perante isto, não é de estranhar que o LRA esteja a ser combatido pelas forças da RDC, do Uganda e também do Sul do Sudão. 

 

Os homens de Kony vão, entretanto, semeando o terror nas populações indefesas, matando, violando, mutilando, queimando casas e escravizando. Uma realidade que se prolonga há duas décadas.