O que se passou na Libéria e na Serra Leoa não foi um caso isolado. Também na década de 90 a região dos Grandes Lagos viveu um drama que encontra algumas semelhanças quanto ao seu enquadramento. No entanto, a sua dimensão e a espiral de violência foram de tal forma avassaladoras que há uns anos a antiga Secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, classificou aquele conflito como a “Primeira Guerra Mundial de África”.
Os contornos e os números do conflito justificam. Só entre 1998 a 2003 (a fase mais intensa do conflito) o território da República Democrática do Congo (RDC) foi palco de uma guerra que envolveu seis países e terá provocado a morte de mais de 5 milhões de pessoas, muitas delas devido a doenças e fome. Foi o conflito mais mortal desde a II Guerra Mundial.
Agora, a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas prepara-se para divulgar um relatório de 545 páginas, no qual levanta a possibilidade de se ter verificado um genocídio perpetrado pelas forças ruandesas, com o apoio do Uganda, ao longo dos anos 90 na República Democrática do Congo.
Convém relembrar que na base deste conflito estiveram divisões étnicas, remontando ao período compreendido entre Abril e Junho de 1994, quando hutus extremistas provocaram o genocídio de 800 mil tutsis e hutus moderados no Ruanda. Violência extrema com a maior parte das pessoas serem mortas à catanada.
Assim que os tutsis tomaram o poder em Kigali, em Junho desse ano com a eleição do Presidente Paul Kagame, encetaram uma política de vingança contra todos os hutus no país que, entretanto, já tinham fugido para o vizinho Zaire, receando as represálias do Exército ruandês, uma vez que estavam cientes de não iria ser feita qualquer distinção entre os hutus que foram responsáveis pelo genocídio e os restantes hutus, simples cidadãos ruandeses, agora em fuga.
Rapidamente o conflito se alastrou ao Zaire, com violentas incursões das forças ruandesas lideradas por tutsis em buscas das milícias hutus. O território do ainda Zaire tornou-se um palco de perseguições e de morte sistemática, onde desta vez os alvos eram os hutus e o próprio regime liderado pelo histórico Mobutu Sese Seko, que deu apoio aos hutus, nomeadamente abrigo aos mais extermistas envolvidos no genocídio de 1994.
As forças ruandesas no Zaire tiveram o apoio do Uganda, na tarefa de ajudar o congolês Laurent Kabila do AFDL a depor Mobutu. Este acaba por cair em 1997, e assim que Kabila chega ao poder, rebaptiza o país para República Democrática do Congo (RDC), mas rapidamente Kigali percebe que o novo Presidente não vai conseguir destruir as milícias hutus.
É então que o Ruanda inicia uma outra tentativa para derrubar pela segunda vez num espaço de pouco tempo um Presidente em Kinshasa. Mas desta vez, Kabila vai resistir e pede ajuda a Angola, à Namíbia e ao Zimbabwe.
Nos cinco anos seguintes, a RDC vai ter no seu território forças de seis países, que se vão digladiar num conflito brutal que vai ultrapassar as barreiras étnicas, para passar a assentar numa lógica de controlo de território e recursos minerais.
Além dos cobiçados diamantes ou outras riquezas, os países envolvidos no conflito sabiam que no subsolo congolês repousavam quase 80 por cento das reservas mundiais de um dos mais preciosos minérios para as sociedades pós-modernas, mas também um dos mais desconhecidos para lá de Silicon Valey ou da comunidade de alta tecnologia: o coltan. Estima-se que o Brasil tenha outros 5 por cento, tal como a Tailândia e a Austrália possua 10 por cento.
O coltan, neste momento muito mais cobiçado do que o ouro, é uma mistura de dois minérios, a columbita e a tantalita. Do primeiro é extraído o nióbio e do segundo o tântalo, ambos com características únicas para a produção de materiais utilizados em dispositivos tecnológicos de vanguarda e portáteis, tais como telemóveis, laptops, GPS, televisores de plasma, satélites, entre outros.