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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A leviandade jornalística

Alexandre Guerra, 07.06.18

 

Lia-se esta Quinta-feira um título no Observador que dizia o seguinte: “Militares portugueses acusados de ‘crimes contra a humanidade’ na República Centro Africana.” Uma informação destas, pela sua gravidade, levou-me a ler a notícia de imediato e, curiosamente, constatei que, afinal, aquele título, além de enganador, é pouco condizente com o que está, efectivamente, escrito no texto. Por um lado, ainda bem, já que mantém intacta a reputação de elevado profissionalismo que os militares portugueses têm demonstrado nas várias missões internacionais que têm desempenhado, seja sob a badge da ONU, da NATO ou da UE. Por outro lado, não percebo a razão que levou o jornalista a optar por um título que, de certa maneira, está muito pouco (ou nada) “defendido” e que poderia afectar, injustamente, a reputação daqueles soldados ao serviço da MINUSCA, e que não reflecte o espírito daquilo que a notícia objectivamente diz. Além disso, ao enfatizar em título “crimes contra a humanidade”, está-se a empolar um dos mais hediondos crimes que pode ser praticado por um ser humano.

 

Mais à frente no texto percebe-se de onde vem o “crimes contra humanidade”. Vou limitar-me a transcrever a passagem, porque vale a pena perceber a “credibilidade” (ou falta dela) da “fonte” e a leviandade com que se propagam estas coisas: “Nas imagens postas a circular nas redes sociais são visíveis largas centenas de pessoas (os testemunhos diretos falam em 20 mil) que participam numa marcha, algumas das quais empunhando bandeiras da RCA e de França. À frente do cortejo, numa faixa branca, lê-se: 10 de abril de 2018 no PK5 (Bangui) e 30 de maio de 2018 em Bambari, os contingentes ruandês e português da MINUSCA [a missão das Nações Unidas no país] cometeram graves crimes contra a humanidade”. Sim, o leitor leu bem. A “fonte” é o que está escrito numa faixa durante um cortejo de contestação de populares e daí parte-se, imprudentemente, para o título: “Militares portugueses acusados de ‘crimes contra a humanidade’ na República Centro Africana.”  

 

É verdade que no já longo histórico das missões militares internacionais, sobretudo aquelas sob comando da ONU, têm acontecido alguns episódios poucos dignos e, nalguns casos mesmo, de atrocidades e violações de direitos humanos. Por vezes, por acção, noutras situações, por omissão. Situações que têm afectado em particular a reputação da ONU e que o Secretário-Geral Antonio Guterres definiu como prioritárias no seu mandato. Perante isto, qualquer pessoa conhecedora minimamente do que tem sido as missões dos "capacetes azuis", sejam elas de “ peace enforcement” ou de “peacekeaping”, terá sempre que admitir a possibilidade de existirem eventuais abusos no terreno por parte das forças internacionais estacionadas em determinado palco de operações.

 

Ora, a questão é que dificilmente se acredita que os militares portugueses possam ter cometido os crimes de que são acusados na tal “faixa” e replicados no título da notícia do Observador. Na verdade, e atendendo à complexidade do teatro de operações na República Centro Africana, e ao que se vai sabendo, a actuação das forças portugueses tem sido de enorme competência e profissionalismo, à semelhança, aliás, do que tem acontecido noutros palcos de conflito. Daquilo que se lê (e vê) na própria notícia do Observador, e também do conhecimento teórico que se tem daquele conflito e das dinâmicas vis da região, mais facilmente se acredita na manipulação e instrumentalização das populações indefesas, através da intimidação (prática muito comum nestes cenários) e da contestação artificial, servindo interesses de determinados grupos. As reacções oficiais do Estado-Maior General das Forças Armadas e da ONU vão nesse sentido.

 

É claro que este tipo de notícias remete-nos para uma outra questão que tem a ver com a “morte” da reportagem de guerra. Porque, na verdade, tendo em conta a presença de um contingente significativo de militares portugueses num palco tão complicado, como é a República Centro Africana, o que as redacções já deveriam ter feito era ter enviado jornalistas para o “terreno”, de modo a fazerem reportagem a sério, trabalho de investigação e apuramento de factos.

 

Mais um conto africano

Alexandre Guerra, 24.03.13

 

Rebeldes do movimento Séléka/Foto:Sia Kambou/AFP/Getty Images 

 

A República Centro Africana (CAR) caiu finalmente nas mãos dos rebeldes, ou seja, a capital Bangui foi tomada pelo movimento Séléka, obrigando o Presidente François Bozizé a fugir do país para a vizinha República Democrática do Congo (RDC). O acordo alcançado em Dezembro e que instituiu um Governo de unidade nacional durou pouco tempo. 

 

Como vem sendo habitual nestes conflitos africanos, e segundo as Nações Unidas, mais de 170 mil pessoas abandonaram as suas casas, sendo que muitas delas terão atravessado a fronteira para o Chade e para a RDC. Há relatos de mortes, torturas e violações.

 

Trágicos acontecimentos que vêm confirmar aquilo que o Diplomata tinha antecipado para este ano de 2013. Países como a CAR, a Nigéria, a RDC ou o Uganda vão continuar a ser fustigados pelos conflitos étnicos, inflamados por alguns movimentos religiosos, como é o caso do LRA de Joseph Kony.

 

Além disso, os conflitos naquela região africana têm uma tendência para se regionalizar, já que é comum a intervenção de vários estados, mesmo que esta possa ser camuflada. Por exemplo, o Presidente Bozizé contou sempre com o apoio do Chade, país que o ajudou a chegar ao poder em 2003 através de um golpe de Estado. 

 

Por outro lado, o Governo em Bangui tem acusado os rebeldes do movimento Séléka de terem nas suas trincheiras mercenários do Sudão, Nigéria e do próprio Chade. O que é perfeitamente plausível.

 

Quanto às implicações imediatas... O Chade liderado pelo Presidente Idriss Deby poderá ter uma situação grave para resolver, já que ficou sem o seu aliado, o que poderá criar problemas ao nível do controlo de fronteiras. A África do Sul, potência africana que tem tentado mediar aquele conflito, vê-se perante o falhanço da sua missão. A França, antiga potência colonial, já deu sinais que não terá uma intervenção tão enérgica na CAR, como teve no Mali, estando apenas a reforçar o número de soldados para assegurar a protecção dos cidadãos franceses naquele país africano.

 

As Nações Unidas devem ficar-se nos próximos tempos pela declaração deste Domingo do Conselho de Segurança, que basicamente demonstra a "preocupação" daquela organização pelos mais recentes acontecimentos na CAR e apela às "partes" que se entendam. Quanto muito poderá haver um reforço da força militar regional sob a égide da Comunidade Económica dos Estados da África Central (ECCAS). 

 

A médio e a longo prazo vai ser interessante ver os alinhamentos de países como a China, Rússia, França ou Estados Unidos, tendo em consideração que a CAR é um país com reservas consideráveis de ouro, diamantes e urânio.

 

O terror semeado em terras africanas pelos bárbaros do Lord's Resistence Army

Alexandre Guerra, 16.10.09

 

Uma criança a observar pessoas num campo algures no Norte da RDC

 

Por vezes, e sobretudo no mundo ocidental, é importante relembrar que existem zonas na Terra onde reina um "homem " no seu estádio mais primitivo e bárbaro, desprovido de qualquer sensibilidade para com o semelhante, para o qual actos como matar, violar e espancar fazem parte do seu quotidiano.

 

O grau de desumanização daqueles actos é tão brutal que é legítimo perguntar-se que tipo de "criaturas" circulam por locais tão distantes e recônditos da Terra. 

 

Mas, perante o distanciamento geográfico do mundo ocidental daquelas zonas e tendo em conta o pouco impacto daqueles micro-conflitos nas relações internacionais, a opinião pública mundial vai dando pouca atenção a estas tristes realidades.

 

Pierrete, uma jovem congolesa que não sabe ao certo a sua idade, é uma "esposa forçada"

 

Os Médicos Sem Fronteiras tentaram esta semana colocar na agenda mediática uma das maiores atrocidades que se têm cometido em África, mais concretamente no Norte da República Democrática do Congo (RDC). Aquela ONG alertou para o facto de milhares de pessoas estarem novamente em fuga das perseguições do Lord's Resistence Army (LRA).

 

O líder do LRA, Joseph Kony, que tem um mandado de captura internacional emitido em seu nome, está claramente a alargar o território de actuação, visto que há algum tempo que deixou a sua "base" no Uganda para estar presente na República Centro Africana (RCA) e para fazer incursões na RDC. E ainda segundo algumas informações, é muito provável que Kony esteja a dirigir-se para Darfur, de modo a aliar-se às milícias Janjweed.

 

Michel, 30 anos, foi obrigado pelo LRA a cortar um homem com um machado

 

Com esta estratégia, o LRA poderá vir a obter apoio militar por parte do regime de Cartum, como aliás já aconteceu no passado. O ainda frágil Governo autónomo do Sul do Sudão acusa o Executivo do país de querer desestabilizar aquela região. 

 

Perante isto, não é de estranhar que o LRA esteja a ser combatido pelas forças da RDC, do Uganda e também do Sul do Sudão. 

 

Os homens de Kony vão, entretanto, semeando o terror nas populações indefesas, matando, violando, mutilando, queimando casas e escravizando. Uma realidade que se prolonga há duas décadas.