A Jordânia não deve ser colocada "entre a espada e a parede"
Os "amigos" Mike Pence e Abdallah, no Domingo, em Amã/Khalil Mazraawi/Agence France-Presse — Getty Images
O vice-Presidente dos EUA, Mike Pence, esteve no Domingo em Amã para se reunir com o Rei Abdallah. A Jordânia, quase despercebida no meio do caos geopolítico do Médio Oriente, é uma pedra angular na já muito frágil “ponte” de diálogo entre Washington e a Autoridade Palestiniana. A sua credibilidade advém, em minha opinião, de três factores: a estabilidade política e social do Reino Hachemita, o que faz daquele país um oásis naquelas paragens; Amã tem sido um parceiro moderado e fiável de Washington; a Jordânia é uma espécie de segunda casa para milhares de palestinianos que para ali foram rumando ao longo das décadas de conflito israelo-palestiniano. Este último factor é de extrema importância, porque imagine-se se um dia a Jordânia se lembrasse de “empurrar” para a Cisjordânia os milhares de palestinianos a viverem em campos de refugiados em território jordano. Ou pior, se Amã, cinicamente, incentivasse essas pessoas a regressarem à Cisjordânia de forma voluntária, numa lógica de efectivação do tão polémico e explosivo “direito ao retorno” dos refugiados. É verdade que muitas das gerações mais novas de palestinianos que vivem na Jordânia são cidadãos com nacionalidade jordana, no entanto, estima-se que haja mais de dois milhões de refugiados naquele país, muitos deles a viverem em campos de refugiados e dependentes do apoio das Nações Unidas, uma organização que deverá, entretanto, ver reduzida a contribuição dos Estados Unidos.
No que toca ao tabuleiro do conflito israelo-palestiniano, a palavra de Amã conta (e muito) e Washington tem bem essa noção. Pence esteve com Abdallah para o tranquilizar, afirmando que Washington continua comprometida com a reactivação do processo negocial e que continua a apoiar uma solução de dois Estados. O problema é que a decisão recente de Donald Trump em transferir a embaixada norte-americana para Jerusalém foi um acto ao qual a Jordânia não podia ficar indiferente. Embora Pence tenha definido a relação entre os EUA e a Jordânia como dois “amigos”, os relatos na imprensa dão conta de um encontro tenso. Na verdade, não podia ser de outra forma, tendo em conta as posições contraditórias no que à questão de Jerusalém oriental diz respeito.
A decisão de Trump veio colocar Amã numa situação delicada. Por um lado, tem de responder à sua população interna, que está a pressionar o Governo para ter uma atitude mais firme contra Israel e EUA, por outro, tem o Acordo de Paz com Israel de 1994 para cumprir. Além disso, a Jordânia é um dos países que mais ajudas recebe dos EUA. Segundo o New York Times, a Jordânia está actualmente a receber anualmente dos cofres de Washington cerca de mil milhões de dólares em assistência financeira. Àquele jornal, o analista político jordano, Amer Sabaileh, referia que Amã tem a perfeita consciência de que não pode ir contra Washington. Talvez, e até é bem possível que a Jordânia possa ser vista por esta administração de Trump como de interesse estratégico menor, contrariando a visão que os anteriores presidentes tiveram de apoiar aquele país, enquanto referencial de estabilidade numa zona de globo onde este atributo é um bem escasso, sobretudo com a anarquia em que se tornou o Iraque e a Síria.
É verdade que a Jordânia não pode, de um momento para o outro, meter em causa a aliança que tem com os EUA, mas Donald Trump e Mike Pence precisam de ter a noção de que os seus actos no processo israelo-palestiniano terão sempre consequências na “amizade” entre os dois países. Washington não pode colocar Abdallah “entre a espada e a parede”, porque o monarca hachemita poderá ver-se obrigado a tomar medidas cujas consequências podem ser muito nefastas para a região. Nunca esquecer que os mais de dois milhões de refugiados palestinianos não deixam de ser um “activo” explosivo. Além disso, Washington deve ter sempre em consideração que em matéria de alianças nas relações internacionais, nunca há vazios.