Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

"Boiling point", a questão jordana

Alexandre Guerra, 04.02.16

 

O gigantesco campo de refugiados Al Zaatari, na Jordânia, que acolhe refugiados sírios 

 

Nas últimas semanas, o Diplomata viu duas entrevistas do Rei Abdallah da Jordânia (uma na Euronews e outra na BBC News) a alertar para o problema que o seu país está enfrentar com o fluxo massivo de refugiados sírios, começando a provocar uma sobrecarga excessiva nos sistemas de saúde e educacional do país, já para não falar dos problemas acrescidos de segurança e integração. Mais do que um alerta, o monarca hachemita estava a fazer um sério aviso às potências com responsabilidades directas na procura de uma solução para o conflito sírio e para a questão dos migrantes. Ontem, à margem da conferência de dadores que se está a realizar em Londres, Abdallah teceu novas declarações, indo agora um pouco mais longe para dizer que o Jordânia está num "boiling point". Ou seja, o país está prestes a "rebentar".

 

Vejam-se os números: actualmente a Jordânia acolhe 600 mil sírios do total de 4,6 milhões que estão registados pela ONU. No entanto, o Governo jordano diz que existe mais de um milhão de refugiados sírios no país que não estão registados. Algo que não é muito difícil de acreditar. Tudo isto num país que tem uma população e área semelhantes à de Portugal. Além destes dados, é importante não esquecer que na composição de toda a sua população se encontram cerca de dois milhões de palestinianos com o estatuto de refugiado da UNWRA. Durante décadas, a Jordânia tem sido uma espécie de "segunda casa" para os palestinianos, num processo que, naturalmente, foi evoluindo e estabilizando ao longo dos anos. Ou seja, a questão dos palestinianos na Jordânia normalizou-se e deixou de ser um "issue" particularmente preocupante. O mesmo já não se pode dizer do que está a acontecer com a chegada de milhares de sírios à Jordânia num curto espaço de tempo, colocando novos problemas e ameaças ao reino hachemita.

 

Um desses problemas tem a ver com a ameaça à segurança, porque é importante lembrar que a Jordânia tem sido um dos poucos (senão o único) países do Médio Oriente que tem conseguido garantir estabilidade interna e apresentar-se como uma referência moderada na região. Tem sido um interlocutor de confiança com Washington, tem um tratado de paz com Israel, ao mesmo tempo que faz a ponte com vários estados árabes e, naturalmente, com a Palestina. A isto acresce o facto do Rei Adballah ter o seu território perfeitamente controlado no que diz respeito a grupos terroristas. Pelo menos até agora. E é esse um dos principais pontos de preocupação do Rei jordano, perante a chegada descontrolada de milhares de sírios ao seu país, uma realidade que pode comprometer o seu actual quadro de referência e estabilidade.  

 

Abdallah já percebeu o potencial problema e daí os vários alertas que tem lançado às potências internacionais: ou estas começam a olhar com atenção para a questão jordana ou então corre-se o risco daquele país ficar numa situação fragilizada e propícia à emergência de focos terroristas. O aviso está feito. 

 

A luz do "farol" europeu está cada vez mais esbatida

Alexandre Guerra, 27.01.16

 

syria-refugees-journey-through-europe.jpg

 Refugiados em direcção à Macedónia (Dan Kitwood/Getty Images)

 

Numa das suas deambulações nocturnas em que se entregava à reflexão, o personagem principal de uma das obras primas de Hermann Hesse problematizava sobre o que era ser europeu naquele presente. Estava-se nos anos 20 e o "lobo das estepes" estava angustiado com o esbatimento das referências culturais e sociais herdadas da "antiga europa". Questionava-se ele se os valores de outrora não estariam esquecidos: "Será que aquilo que consideramos 'cultura', aquilo que consideramos espírito, alma, belo, aquilo que consideramos sagrado, não era senão um espectro, estava morto há muito e já só por nós, um punhado de tolos, era tomado por verdadeiro e como estando ainda vivo?" 

 

Uma pergunta que, certamente, todos aqueles que se dedicam a estas matérias filosóficas poderão fazer em diferentes momentos da História. Porque, a Europa política, cultural e social tem sido uma construção de séculos, assente nos pilares do conhecimento e da filosofia da antiguidade clássica, na paixão e fraternidade judaico-cristã. Foi essa herança que deu corpo a uma certa ideia de "união europeia", não apenas de Estados ou nações, mas de valores e princípios, que seriam um "farol" referencial no mundo contemporâneo, como o foi há séculos o Farol de Alexandria, cuja sua luz representava a proximidade ao progresso civilizacional e ao saber acumulado.  

 

Esse projecto da construção europeia veio permitir um tempo de paz e de progresso no pós-II GM sem paralelo na sua história e apesar das dificuldades económicas e sociais que têm assolado alguns países europeus ao longo destas décadas, os valores e princípios têm sido o sustentáculo desta ideia comum de Europa. Mas são precisamente estes valores e princípios que sofrem agora um rude golpe, cometido por um dos "seus"  e que nos leva a questionar sobre a solidez daquilo que herdámos no que diz respeito aos direitos elementares do Homem enquanto ser social e que no quadro europeu estão consignados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. As recentes medidas aprovadas pelo parlamento da Dinamarca, que permitirão confiscar os bens de refugiados acima dos 1340 euros e impossibilitam a reunião familiar de refugiados num prazo de três anos, fazem lembrar outros tempos trágicos, onde milhões de pessoas foram despojadas daquilo que tinha para contribuir para o esforço de guerra. 

 

De notar que o pacote legislativo agora aprovado na Dinamarca está num nível de gravidade bem mais acima do que aquilo que foi adoptado na Hungria e na Polónia recentemente, porque, embora estas medidas polémicas tenham violado o direito comunitário, no caso dinarmaquês estamos perante ofensas claras à dignidade humana, aquilo que, até agora, parecia ser inviolável nessa ideia de "união europeia" e que nos tornava o tal "farol" dos tempos modernos. É certo que os Estados devem ter uma visão realista e pragmática para atenuar o impacto da chegada insustentável de milhares de refugiados à Europa, mas o caminho não é seguramente este.

 

Uma nota sobre Guterres

Alexandre Guerra, 22.01.16

 

Em Portugal é comum tecerem-se considerações acríticas altamente elogiosas sobre personalidades políticas que não "ameaçam" os alinhamentos da politiquice caseira, seja porque estão bem longe do país, a desempenhar funções no estrangeiro, ou porque estão...mortas. Almeida Santos foi um dos casos mais recentes que, de um momento para o outro, se tornou uma personagem amada e elogiada por todos (mas isso é outra história). O que o Diplomata quer aqui chamar a atenção é para a ideia generalizada que se instalou aqui no burgo de que António Guterres fez um trabalho irrepreensível enquanto Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Sendo certo que a vários níveis, nomeadamente em termos de ganho de peso político para aquele organismo, conseguiu importantes feitos, já quanto à sua capacidade de se deslocar no terreno e de gerir crises no imediato, o balanço já não é assim tão positivo. Na verdade, várias foram as críticas dentro da própria organização e de antigos responsáveis pela forma pouco hábil e enérgica como Guterres lidou com a crise dos refugiados. Uma das críticas que mais se tem ouvido (não aqui em Portugal) foi o de que Guterres nunca se deslocou à Síria desde que a guerra civil despontou há cinco anos. Por contraste, o seu sucessor desde 1 de Janeiro, o italiano Filippo Grandi, visitou ontem as instalações do Crescente Vermelho em Damasco. Será um sinal de mudança no estilo da liderança do ACNUR? Provavelmente.

 

Números

Alexandre Guerra, 05.11.15

 

Os números não deixam margem para dúvidas: dos 160 mil (40 mil + 120 mil) refugiados que a UE decidiu distribuir por vários Estados-membro, apenas foram recolocados 116. Esta Quarta-feira saiu o primeiro avião da Grécia para o Luxemburgo com 30 refugiados. De Itália partiram 38 para a Suécia e outros 48 para a Finlândia. A este ritmo, vão ser precisos vários anos para resolver o problema, até porque, por exemplo, só no mês de Outubro, chegaram 210 mil refugiados à Grécia. Desde o início do ano, foram 610 mil.

 

Crise dos refugiados? O melhor é Bruxelas começar a ligar para o Kremlin

Alexandre Guerra, 19.09.15

 

Enquanto os líderes europeus estão sem qualquer estratégia comum para fazer face à crise dos migrantes/refugiados, deixando transparecer um lamentável espectáculo de vazio político para o resto do mundo, optando por uma táctica de "cada um por si", Moscovo percebeu há bastante tempo que qualquer solução para este assunto terá sempre que passar por Damasco e não por Berlim, Budapeste, Roma, Atenas ou Zagreb. O que estas chancelarias europeias estão neste momento a fazer é a colocar "pensos rápidos" numa ferida profunda a céu aberto.

 

O líder russo Vladimir Putin tem aproveitado a distracção europeia para ir reforçando a sua presença política e militar na Síria, tornando-se num actor incontornável em qualquer futuro processo negocial entre a União Europeia e o regime de Damasco. Aliás, nos últimos dias, Moscovo tem surgido como o interlocutor privilegiado do Departamento de Defesa norte-americano, tendo Washington já percebido que, mais uma vez, não pode contar com a União Europeia para qualquer acção concertada mais afirmativa. O melhor mesmo é a Casa Branca ligar directamente para o Kremlin. 

 

Números trágicos

Alexandre Guerra, 04.09.12

 

De acordo com a agência da ONU para os refugiados (UNHCR), só no mês de Agosto 100 mil pessoas abandonaram a Síria para fugir à guerra civil, uma "escalada significativa" desde que o conflito começou em Março de 2011. No total, 235 mil sírios já deixaram o país.

 

Syrian Observatory for Human Rights revela que o último mês foi dos mais sangrentos, com 5 mil mortos. De acordo com a UNICEF, só na semana passada morreram 1600 crianças.