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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Erdogan a caminho da entronização

Alexandre Guerra, 09.01.17

 

Recep Tayyip Erdogan inicia hoje a tramitação formal para a sua entronização no poder. O Parlamento da Turquia vai discutir durante as próximas duas semanas um pacote de reformas constitucionais que tem como objectivo presidencializar o sistema político daquele país, um processo que o chefe de Estado turco há muito vem ensaiando, com a adopção de inúmeras medidas, nomeadamente, ao nível da restrição de liberdades e garantias e do afastamento de milhares de funcionários públicos com ligações à oposição do regime. O fim das negociações entre Ancara e Bruxelas com vista a adesão à UE reforçaram ainda mais o distanciamento da Turquia em relação aos valores e princípios europeus. Erdogan já deu claros sinais do caminho que pretende seguir e, hoje, percebe-se que a Turquia vai desligar-se do seu lado mais europeu e cosmopolita para abraçar com mais entusiasmo o seu lado euroasiático.

 

O conjunto de reformas que começa agora a ser discutido vai reforçar, em muito, os poderes de Erdogan e espera-se que seja aprovado sem problemas pelo Parlamento, já que o AKP, partido do poder, conta com uma larga maioria naquela câmara. O vice-primeiro-ministro, Nurittin Canikli, disse esta Segunda-feira que, posteriormente, o projecto de alteração da Constituição deverá ser referendado em Abril. E será neste momento que os turcos, um povo dividido entre a modernidade ocidental e o medievalismo asiático, terão um teste muito importante para o futuro do seu país e das suas vidas. Se votarem favoravelmente às alterações constitucionais, Erdogan assumir-se-á como uma espécie de sultão moderno, mas, se rejeitarem as ambições de Erdogan, então a Turquia ainda poderá reencontrar o seu caminho em direcção à Europa.

      

Um país sem rumo

Alexandre Guerra, 11.12.16

 

No site da BBC News o correspondente em Istambul, Mark Lowen, escreveu a propósito dos atentados deste Sábado, sendo que aquilo que ele mais sentia era a raiva e o descontentamento dos turcos perante a violência crescente no seu quotidiano. 2016 foi um dos anos mais turbulentos desde a fundação da Turquia moderna por Kemal Ataturk. Neste ano tudo aconteceu naquele país. Foram os atentados do PKK e do Estado Islâmico, a crise dos refugiados, o reforço do pendor presidencial do regime e a tentativa de golpe de Estado que conduziu a um contra-golpe que cimentou, ainda mais, o poder do Presidente Recep Tayyip Erdogan e levou a um asfixiamento de alguns direitos e liberdades. Como resposta, a União Europeia praticamente condenou de "morte" o processo de adesão da Turquia. Por isto tudo, Lowen dizia que neste momento o sentimento entre os turcos é de raiva, desilusão, medo, uma "mistura tóxica" para um país que parece ter perdido o seu rumo.

 

Na Turquia moderna é a primeira vez que um Governo civil escolhe chefes militares

Alexandre Guerra, 01.08.11

 

Erdogan e o general Ozel, esta Segunda, no Supremo Conselho Militar (YAS)

 

Sinais interessantes, embora potencialmente preocupantes, aqueles que chegam da Turquia, onde pela primeira vez um Governo civil vai nomear os chefes militares.

 

Alguns analistas estão a ver neste gesto uma vitória do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que nos últimos tempos se vinha envolvendo num clima de conflito permanente com a instituição militar, por várias vezes acusada de querer interferir e até mesmo derrubar o actual poder político.

 

Na semana passada, os líderes dos três ramos das forças armadas não aceitaram que alguns oficiais fossem detidos sob a acusação de conspiração contra o Governo e, furiosos, pediram a sua demissão, abrindo, assim, caminho para Erdogan nomear novos chefes militares.

 

Também o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general Isik Kosaner, juntamente com alguns dos seus comandantes, pediu a sua demissão, apenas poucas horas depois de um tribunal ter acusado 22 generais e outros oficiais de terem encetado uma campanha subversiva na Internet para fragilizar o Governo.

 

Há já algum tempo que o Executivo tem acusado os militares de tentarem interferir no poder político, tendo a relação se deteriorado substancialmente, chegando ao actual momento, em que tudo indica que Erdogan terá conseguido criar as condições para colocar novos líderes militares mais "próximos".

 

Para já, o general Necdet Ozel foi escolhido como o novo Chefe do Estado Maior, devendo ser empossado pelo Presidente Abdullah Gul na Quinta-feira.

 

Entretanto, desde hoje e durante os próximos três dias, Erdogan, juntamente com Ozel, estará a presidir ao encontro anual do Supremo Conselho Militar (YAS), estando em agenda, precisamente, a reformulação da cúpula das forças armadas.

 

A instituição militar tem rejeitado veementemente quaisquer interferências na esfera do poder político, como aliás tem sido a sua tradição desde a fundação do Estado da Turquia.

 

Na verdade, as forças militares têm sido vistas com um garante de estabilidade e de equilíbrio entre a necessidade de progresso e de democratização e a tradição assente sobretudo no islão.

 

Apesar desta evidência, vários têm sido os momentos de conflito, com muitas detenções de militares e vários processos em tribunal. Tem sido assim nos últimos dois anos, provocando um desgaste entre militares e Governo sem paralelo na Turquia moderna.

 

Aliás, são tantos os detidos entre os oficiais de alta patente que se reflecte nas inúmeras ausências no YAS, um encontro que pela primeira vez na sua história não conta com a presença dos chefes dos vários ramos das forças armadas.

 

A Turquia fala em punição de Israel. Mas como e por quem?

Alexandre Guerra, 01.06.10

 

 

Primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan/Umit Bektas/Reuters

 

O assalto das comandos da Marinha israelita à frota turca composta por seis embarcações com fins humanitários em águas internacionais na madrugada de Segunda-feira, e que fez pelos menos 10 mortos e cerca de 30 feridos, é, infelizmente, apenas mais um trágico episódio no âmbito do conflito israelo-palestiniano, a juntar a tantos outros que se perpetuam ao longo dos anos, muitos dos quais em clara violação do Direito Internacional mas que ficaram sem explicações ou qualquer tipo de punição.

 

O Diplomata quase dá como certo que o mesmo vai acontecer neste caso, apesar das manifestações de repúdio por parte da comunidade internacional, com o Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, à cabeça, e das ameaças por parte das autoridades de Ancara. O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disse mesmo que a acção militar dos comandos israelitas à frota turca foi um “ataque sangrento” e que Israel devia ser punido.

 

A grande questão é saber quem vai assumir esse acto punitivo. Erdogan diz que Israel não deve testar a paciência turca e, efectivamente, foi bastante duro nas palavras. Mas, apenas com palavras de ameaça e com deliberações inócuas do Conselho de Segurança, Israel tem poucos motivos para se preocupar.

 

Uma atitude bem evidente no comportamento do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que se limitou a pedir desculpas pela morte de alguns inocentes, mas defendendo a acção dos comandos da Marinha hebraica e argumentado que actuaram em auto-defesa.

 

Se é verdade que a Turquia tem ao seu dispor alguns meios de pressão sobre Israel, nomeadamente ao nível de parcerias militares, resta saber até onde é que Ancara está disposta a ir.

 

Por outro lado, já se percebeu que Washington pouco ou nada deverá fazer. Aliás, o silêncio do Presidente Barack Obama sobre esta matéria começa a ser constrangedor. Washington limitou-se a juntar a outras nações no pedido de uma investigação "transparente".

 

Quanto à União Europeia nem vale a pena falar, e o mesmo se aplica ao Quarteto, liderado por Tony Blair.

 

Um papel mais interessante poderá ter a NATO a desempenhar a médio prazo, já que a Turquia é membro da Aliança e um dos principais aliados dos Estados Unidos. O próprio Secretário Geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, já interveio e exortou Israel a libertar os navios e activistas.

 

Perante a escalada de críticas, a situação na Faixa de Gaza poderá tornar-se insustentável para Israel, podendo haver aqui uma janela de oportunidade para a NATO assumir um papel de vigilância naquelas zonas do Mediterrâneo, onde aliás tem uma vasta experiência.

 

Seria uma medida interessante para a comunidade internacional e que poderia igualmente proporcionar uma saída airosa para Ancara que, assim, evitava uma escalada político-diplomática com Telavive e, ao mesmo tempo, contribuía para a resolução de um problema que aflige constantemente Gaza: o direito de navegação nas suas águas e o acesso ao seu porto. Claro está que esta medida seria sempre bem vista pelos palestinianos, mas rejeitada à partida por Israel.