Getz/Gilberto e The Imagine Project, duas "armas" da public diplomacy americana
Charlie Byrd Trio, cidade do México, 2 de Junho de 1961, durante uma tournée patrocinada pelo Departamento de Estado norte-americano
Eventualmente, pouco gente saberá, mas o Departamento de Estado norte-americano, no âmbito da sua estratégia de public diplomacy, é um forte apoiante da “exportação” da sua cultura erudita e “pop”, seja em que formato for. Não é algo novo, e remonta, pelo menos, aos primeiros
anos da Guerra Fria.
De uma forma muito sintética, pode-se dizer que a public diplomacy é a estratégia governamental de Washington para projectar o seu soft power no mundo, com vista a sensibilizar e aproximar outros povos aos valores, virtudes e estilo de vida americanos. O Public Diplomacy Council define a public diplomacy como uma “ferramenta” da política externa dos Estados, um “instrumento” de poder nacional, tal como o militar, o económico e outros.
Existem diversas formas de efectivar a public diplomacy com vista ao engagement de comunidades e nações estrangeiras, mas tem sido a vertente cultural uma das mais activas no Departamento de Estado.
Na verdade, artistas, mais concretamente músicos, são alguns dos “embaixadores” culturais que ao longo dos anos têm sido apoiados por Washington para promoverem os seus trabalhos um pouco por todo o mundo.
E não pense o leitor que se trata de algo camuflado, em que os artistas agem como uma espécie de espiões. Pelo contrário, são iniciativas que se querem bastante amplificadas, nas quais o Departamento de Estado assume o seu apoio e os artistas encaram com bastante profissionalismo. Porque, em muitos casos, estas plataformas de apoio por parte da diplomacia americana materializaram-se em autênticas tournées de bandas e de músicos mundialmente reconhecidas e das quais resultam autênticas preciosidades culturais.
Existem muitos exemplos que poderiam ser dados, mas uma das histórias mais interessantes relaciona o Departamento de Estado com o surgimento do fenómeno da bossa nova na cena cultural americana e ao nível internacional na década de 60. E foi também importante porque ajudou a criar "pontes" culturais entre o Brasil e os Estados Unidos.
Talvez o leitor considere isto uma nota de rodapé na história dos Estados, mas é importante não esquecer que daqui resultaria um dos álbuns mais famosos da história musical contemporânea. “Getz/Gilberto” foi lançado em 1964, tornando-se um dos discos de jazz mais vendidos de sempre, para um ano depois vir a ganhar o Grammy de álbum do ano, um feito para um trabalho deste género musical. Só em 2008, um outro álbum de jazz, com “River: The Joni Letters”, viria conquistar aquele Grammy e, curiosamente, da autoria de um músico muito activo no campo da public diplomacy, Herbie Hancock.
Mas, vale a pena voltar à bossa nova de Stan Getz (1927-1991) e de João Gilberto, acompanhados ao piano e na composição pelo gigante Tom Jobim (1927-1994). Foi o guitarrista Charlie Byrd (1925-1999) que, ao regressar de uma tournée na América do Sul apoiada pelo Departamento de Estado, no início dos anos 60, deu a conhecer a Stan Getz essa grande descoberta chamada de bossa nova. Getz, fascinado pelo som do Brasil, gravou com Byrd o álbum Jazz Samba, que se tornou em 1962 um sucesso nos Estados Unidos. Foi o primeiro álbum de bossa nova/jazz no cenário musical americano e mundial. Dois anos mais tarde, era lançado o álbum “Getz/Gilberto”, no qual estava a estrondosa Garota de Ipanema.
Uma vez que já foi aqui referido Hancock, o Diplomata dá outro exemplo, bem recente, do exercício de public diplomacy por parte de Washington. O álbum The Imagine Project, lançado no ano passado, é um autêntico apelo de Hancock à “colaboração global”, “um apelo à imaginação, mas também à sensibilização das sociedades pós-modernas para a necessidade de trilharem um caminho comum”, como o autor destas linhas já escreveu há uns tempos.
Sendo um projecto que contempla “diferentes culturas e línguas, povos e nações, tradições e raízes”, Hancock contou com o apoio do Departamento de Estado para ir à procura dessas diferentes realidades, percorrendo vários continentes, e gravando o álbum em 6 países, com artistas de origens e de estilos diversos.
*Mais um texto no âmbito da rubrica iniciada há umas semanas pelo Diplomata.