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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Agora, já é tarde para se chegar à conclusão que a Primavera Árabe nunca chegou

Alexandre Guerra, 29.04.14

 

Henrique Monteiro (mas podia ser outro qualquer cronista) impelido pela mais recente condenação massiva proferida por um tribunal egípcio parece, à semelhança de tantos outros comentadores, ter agora "acordado" para uma realidade há muito previsível, para quem, claro está, tivesse um conhecimento mínimo da história dos Estados e das Relações Internacionais.

 

Escreve agora no Expresso, e só agora, depois de todo o mal estar feito, que "a primavera árabe está a tornar-se num pesadelo sangrento onde os mais elementares direitos humanos são espezinhados, de forma a parecer que as anteriores ditaduras não seriam piores". Ora, já há muito tempo que a Primavera Árabe se revelou uma criação perversa das chancelarias ocidentais.

 

A 15 de Maio de 2011, já o Diplomata escrevia o seguinte: "De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que tudo ia ser como na Tunísia, com as pessoas a virem pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus 'ditadores', e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de 'vivas' ao Exército.  Uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta 'febre' revolucionária repentina podia acabar mal para alguém. É então na Líbia que estala um verdadeiro processo revolucionário e reaccionário e com tudo o que isso acarreta. Para quem ainda não tenha reparado, a NATO está com um verdadeiro problema em mãos e não sabe como resolvê-lo. Na Síria, os contornos ameaçam ser ainda mais sangrentos, começando a vislumbrar-se situações aterradoras."

 

A verdade é que na altura da eclosão da Primavera Árabe, a imprensa internacional (e todos os henriques monteiros desta vida) e a opinião pública embarcaram na ideia de uma onda revolucionária pacífica e ordeira, fruto da vontade comum e do interesse geral, que ia da Tunísia ao Egipto, e, quem sabe, espalhando as sementes revolucionárias por outros países árabes e do Médio Oriente. 

 
Em Junho de 2011, e citando um relatório das Nações Unidas sobre a Tunísia, o Diplomata voltava a escrever que "o entusiasmo da opinião pública internacional e a ingenuidade dos líderes políticos ao acolherem imprudentemente as revoluções na Tunísia e no Egipto, sem pensarem realisticamente nas suas consequências internas e no sistema internacional, passou rapidamente ao embaraço quando as coisas começaram a correr mal na Líbia, no Iémen e na Síria".

 

As consequências nefastas e concretas dessa euforia viriam a ser sublinhadas pelo autor destas linhas em Fevereiro do ano passado, ao referir que a "'Primavera' tunisina, à semelhança do que tem acontecido noutros países do Magreb e do Médio Oriente, está a transformar-se num 'Inverno' manchado com sangue". Entre Maio e Agosto, o Diplomata escreveria ainda mais três textos sobre o assunto: Para os idealistas da Primavera ÁrabeA Primavera que nunca chegou ao EgiptoUm tsunami previsível

 

Agora, e perante a evidência da hecatombe da "Primavera Árabe", ouvem-se finalmente as vozes chocadas, como a de Henrique Monteiro. Não deixam de ter razão, mas já vêm tarde. E o problema é que foram essas mesmas vozes que deram força aos governos ocidentais para abraçarem irresponsavelmente as revoluções nos vários países árabes.       

 

Na altura, foram poucos os que alertaram para as consequências de tal euforia. O Diplomata escreveu desde 2011 alguns textos nesses sentido e que, basicamente, se limitaram a fazer uma análise partindo de pressupostos realistas. Não recorreu a qualquer fonte privilegiada e muito menos a informação secreta. Limitou-se a observar os factos à luz do paradigma das Relações Internacionais. 

 

Não se tratava de um exercício complexo e estava ao alcance de decisores e comentadores. Mas, como já aqui foi dito, na altura poucos o fizeram e agora já pouco importa, porque a história já seguiu o curso mais espinhoso. 

 

Um tsunami muito previsível

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

A anarquia reina nas ruas do Cairo/Foto: K. Desouki (AFP)


Sem grande surpresa, o Egipto está a ferro e fogo e ninguém parece ter mão na "rua". "Rua", essa, onde o poder caiu. Não agora, mas a partir do momento em que a eufórica Primavera Árabe se propunha, ingenuamente, levar a democracia aos povos. As chancelarias ocidentais embarcaram nesta aventura politicamente correcta, desprezando as lições da história e o realismo da Política.

 

Desde entao, ou seja, há mais de dois anos, que a Primavera se transformou num Inverno sangrento para muitos paises muçulmanos do Norte de África e do Médio Oriente. A Síria é o exemplo mais trágico. Foi uma espécie de tsunami que, ao contrário dos de origem natural, era bastante previsível. Aliás, o Diplomata, um simples observador das relações internacionais, já tinha alertado, mais que uma vez, para o potencial perigo desta caminhada para o "fim da História", em versão muçulmana. 

 

O resultado está à vista, certamente com Washington, Londres e Bruxelas comprometidas com o seu próprio fracasso, ao olharem para o Egipto numa situação de descontrolo inédito nas décadas mais recentes da história daquele País. 

 

A "Primavera" que nunca chegou ao Egipto

Alexandre Guerra, 08.07.13

 

Não é com surpresa que o Diplomata olha para os recentes e violentos acontecimentos no Egipto. Aliás, para quem siga com alguma atenção este blogue, já pôde constatar por diversas ocasiões a desconfiança manifestada por este autor em relação àquilo que ficou conhecido como "Primavera Árabe".

 

Um movimento idealista, apoiado pelas principais chancelarias ocidentais, mas totalmente desprovido de realismo e de cinismo, factores tão importantes e relevantes nas relações internacionais. Num primeiro momento, criou-se a ideia que uma vaga eufórica de democratização estava a chegar aos países do Médio Oriente. A 10 de Junho de 2011, o Diplomata escrevia que esta era uma "ideia em que a imprensa internacional e a opinião pública embarcaram, a de uma 'Primavera' revolucionária pacífica e ordeira, fruto da vontade comum e do interesse geral", nomeadamente na Túnisia e no Egipto. 

 

Porém,  esta era uma leitura que o autor destas linhas considerava "enublada". Porque, explicava então, "aos olhos do mundo, nas revoluções destes dois países só há a lamentar a violação da repórter norte-americana da CBS, Lara Logan (uma lamentável situação que, na verdade, resulta da lógica de multidão em fúria que poderia acontecer em qualquer parte do mundo). Não fosse este episódio de drama, a Tunísia e o Egipto teriam vivido revoluções 'limpas' 'arrumadinhas', como a opinião pública internacional gosta hoje de olhar para este tipo de movimentos, esquecendo-se que, normalmente, estes fenómenos contam sempre com dinâmicas reaccionárias".

 

Diplomata, mais perverso na sua análise, lembrou em Junho de 2011 "que as revoluções implicam quase sempre rupturas, choques, e com isso a violência, o derrame de sangue e os mortos. O que se passou na Tunísia e no Egipto não fugiu a esta lógica, apesar do deslumbramento primaveril com que líderes políticos e comunidade internacional olharam para aquelas revoluções".


E já na altura relembrava que de acordo com um relatório das Nações Unidas, a revolução da Tunísia provocara até então 219 mortos e 510 feridos. Números pouco lembrados pela imprensa internacional e praticamente desconhecidos pela opinião pública. Também no Egipto, poucos citaram o relatório divulgado em Abril de 2011 por uma comissão daquele país, no qual se falaram em quase 900 mortos e cerca de 6500 feridos durante a 'Primavera' egípcia".

 

Perante isto, o Diplomata tinha percebido há mais de dois anos que "o entusiasmo da opinião pública internacional e a ingenuidade dos líderes políticos ao acolherem imprudentemente as revoluções na Tunísia e no Egipto, sem pensarem realisticamente nas suas consequências internas e no sistema internacional, passou rapidamente ao embaraço quando as coisas começaram a correr mal na Líbia, no Iémen e na Síria".

 

E tinha sublinhado ainda que "os líderes ocidentais, numa euforia cega e desmedida, abraçaram aquilo que consideravam ser uma espécie de 'Primavera' árabe, esquecendo-se do realismo político e ignorando todos os ensinamentos da História dos povos. De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que as pessoas viriam pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus 'ditadores', e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de 'vivas' ao Exército". 

 

Como dizia o Diplomata na altura, "uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta "febre" revolucionária repentina podia acabar mal para alguém".

 

Para os idealistas da Primavera Árabe

Alexandre Guerra, 07.05.13

 

Desde a revolução egípcia em Janeiro de 2011 que a economia piorou, o tecido empresarial deteriorou-se e o desemprego aumentou, assim como o défice do país. A moeada desvalorizou e a insegurança acentuou-se dramaticamente. A falta de combustível é uma constante. Politicamente, não se pode dizer que o Egipto tenha obtido ganhos particularmente significativos, já que a lógica clientelar mantém-se e desta vez com a cobertura de eleições supostamente livres e justas.

 

Há quem diga que o Egipto está hoje muito pior do que no tempo de Hosni Mubarak. Uma afirmação compreensível, tendo em conta a forma precipitada como aquele país foi para a "rua" exigir reformas, com o apoio idealista e irrealista das chancelarias ocidentais, esquecendo-se que, num mundo que não é o ideal, por vezes, é preferível manter o status quo, assegurando a estabilidade e a previsibilidade, em vez de se acenar com um ideário democrático e liberal, muito bonito em tese, mas inconsequente na prática num país como o Egipto.

 

Nem a Tunísia manteve a sua "Primavera"

Alexandre Guerra, 07.02.13

 

A "Primavera" tunisina, à semelhança do que tem acontecido noutros países do Magreb e do Médio Oriente, está a transformar-se num "Inverno" manchado com sangue. Neste caso em concreto o de Chokri Belaid, um importante activista de 48 anos e destacado militante da aliança da oposição Frente Popular, assassinado à porta de sua casa, supostamente, por membros radicais islâmicos.

 

Chokri dedicou parte da sua actividade cívica e política a combater o antigo regime do Presidente Ben Ali e a denunciar o extremismo dos movimentos islamitas. Muitos tunisinos não hesitaram em atribuir a morte de Chokri ao Governo liderado pelo partido islamita Ennahda.

 

Os protestos têm sido de tal forma ruidosos que o primeiro-ministro tunisino foi obrigado a anunciar a dissolução do Governo e a formar um Executivo de salvação nacional composto tecnocratas e apartidários. Uma tensão que se instalou na sociedade tunisina a partir do momento em que a "Primavera Árabe" permitiu a emergência de movimentos mais extremistas na cena política do país. 

 

Os primeiros tempos ainda foram de relativa acalmia, como aliás o próprio Diplomata reconheceu, mas percebe-se agora que também na Tunísia os islamitas radicais têm conseguido alargar a sua autoridade nas estruturas do Estado, tal como aconteceu no Egipto.

 

A 15 de Maio de 2011, o Diplomata escrevia neste espaço que "os líderes ocidentais, numa euforia cega e desmedida, abraçaram aquilo que consideravam ser uma espécie de "Primavera" árabe, esquecendo-se do realismo político e ignorando todos os ensinamentos da História dos povos.

 

De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que tudo ia ser como na Tunísia, com as pessoas a virem pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus "ditadores", e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de "vivas" ao Exército.

 

Uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta "febre" revolucionária repentina podia acabar mal para alguém.

 

É então na Líbia que estala um verdadeiro processo revolucionário e reaccionário e com tudo o que isso acarreta. Para quem ainda não tenha reparado, a NATO está com um verdadeiro problema em mãos e não sabe como resolvê-lo. Na Síria, os contornos ameaçam ser ainda mais sangrentos, começando a vislumbrar-se situações aterradoras".

 

Ora, hoje constata-se que nem a Tunísia conseguiu resistir à degeneração daquilo que os mais ingénuos consideravam ser um inevitável caminho triunfante para a democracia.