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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Três questões vitais onde Israel nunca cederá

Alexandre Guerra, 06.04.18

 

O conflito israelo-palestiniano voltou a escalar nos últimos dias. Já morreram 16 pessoas e ficaram feridas quase trezentas. Tem sido assim nas últimas décadas, na verdade, desde a criação do Estado de Israel a 14 de Maio de 1948. Até aqui, nada de novo e muito menos de surpreendente. O que surpreende verdadeiramente é como que, ao fim destes anos todos, políticos e analistas internacionais ainda olham para isto com algum idealismo e não tenham percebido que há três questões vitais sobre as quais Israel nunca cederá, sabendo que no dia em que o fizer, é o dia em que sobrevivência do seu Estado fica em causa. Aqui fica uma explicação muito simplificada:

 

1.A primeira questão prende-se com o acesso à água doce, um recurso escasso naquela região do planeta e que Israel tratou de assegurar. O controlo israelita dos Montes Golã, mais do que a sua importância estratégica enquanto “zona tampão” com a Síria, é vital pelo facto daqueles aquíferos montanhosos alimentarem o Rio Jordão. Toda aquela zona é muito verde e propícia à agricultura. É importante notar que um terço da água consumida em Israel vem dali. Sobre este assunto, muito há para dizer, mas o importante é ter-se a noção de que Israel nunca abdicará de qualquer controlo sobre as fontes de água doce na Cisjordânia, exercendo uma espécie de “hidro-hegemonia”, impedindo que a Autoridade Palestiniana desenvolva infraestruturas de fornecimento de água, criando-se, assim, um regime discriminatório com efeitos perversos.

 

2.A segunda questão vital tem a ver com o estatuto de Jerusalém (na verdade, o problema coloca-se com a Cidade Velha de Jerusalém). Por mais pretensões (e razões) que os palestinianos possam ter, Israel nunca permitirá que a Cidade Velha de Jerusalém fique sob domínio palestiniano e se torne a capital do Estado Palestiniano. De pouco servem as pressões internacionais, o facto é que são as Forças de Segurança Israelitas (IDF) que controlam todas as entradas e saídas do lado oriental da cidade, assim como o acesso à Esplanada das Mesquitas dentro dos muros da histórica cidade. No que diz respeito à defesa do seu território e da sua capital, Israel já deu provas de lidar bastante bem com a anátema de ser uma potência ocupante. E apesar de existir uma certa opinião pública israelita que contesta a política de ocupação hebraica, pouca força tem quando se trata de mudar o curso da História

 

3. A terceira questão vital está directamente relacionada com o famoso direito de retorno de todos os palestinianos refugiados. Este estatuto tem origem na primeira guerra de 1948, sendo depois aplicado a todos os palestinianos que foram sendo obrigados a sair das suas casas e terras no seguimento da ocupação israelita dos territórios da Cisjordânia ao longo das décadas. Nas vésperas do 70º aniversário da criação do Estado de Israel, ou da Nakba ("catástrofe"), na perspectiva palestiniana, milhares de pessoas da Faixa de Gaza iniciaram a “Grande Marcha do Retorno”, uma marcha que marchou pouco, porque, para todos os efeitos, está parada em vários pontos da vedação fronteiriça que separa aquele enclave de Israel. Realisticamente falando, trata-se de um acto mais simbólico do que consequente, sendo que as únicas consequências se traduzem em mortos e feridos. Por mais apelos internacionais e campanhas de sensibilização, Israel nunca irá contemplar com aquele movimento e a marcha não sairá dali, nem hoje, nem nunca. Ou pelo menos, enquanto o Estado hebraico existir. Se, por um lado, os palestinianos reclamam por um direito histórico válido, a posição de Israel é compreensível, porque, a julgar pelos dados oficiais da UNRWA, devem haver mais de cinco milhões de refugiados espalhados pela Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano, etc. Ora, a partir do momento em que Israel reconhecesse o “direito de retorno”, era o dia em que iniciava uma guerra que nunca iria ganhar: a da demografia.

 

Há uns anos, um ilustre académico palestiniano de Nablus, e que chegou a candidatar-se contra Yasser Arafat nas eleições presidenciais, dizia-me que o grande problema daquele líder histórico foi ter assinado os Acordos de Oslo, porque foram uma armadilha. Explicava-me esse professor e activista que aqueles acordos nunca contemplaram as matérias vitais acima referidas, essenciais para a criação de um verdadeiro Estado palestiniano independente. O problema é que comprometeram a Autoridade Palestiniana num acordo que definia um status quo favorável a Israel.

 

Na altura, achei que poderia seria uma análise algo exagerada, mas hoje não tenho qualquer dúvida de que Israel nunca formalizará um acordo onde tenha que ceder numa destas três questões. Quem acreditar nisso ou apelar a isso não estará seguramente a fazer um favor à paz. Aliás, é de uma ambição desmedida querer alcançar-se paz entre palestinianos e israelitas, quando aquilo que os líderes internacionais deveriam primeiro pensar era na conquista da estabilidade entre dois povos, dois estados, mas isso só se alcança com realismo e algum cinismo, porque, infelizmente, é assim nas relações internacionais e na História das nações.