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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A visão realista

Alexandre Guerra, 22.10.18

 

A propósito do anúncio feito por Washington sobre a retirada dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF), tão actual que é esta passagem daquele que foi um dos maiores pensadores realistas do século XX, Raymond Aron: 

 

"Os esforços para limitar, reduzir ou suprimir os armamentos têm sempre sido paralisados por uma contradição interna. Os Estados são soberanos por essência. O direito de tomar sozinhos as decisões mais importantes, aquelas de que dependem a paz, a guerra ou o estatuto dos cidadãos, foi sendo reivindicada sucessivamente pelas cidades, os Impérios ou os Estados nacionais, por todas as colectividade que se queriam autónomas, por todos os povos que aspiravam a uma existência política. As cidades democráticas não estavam menos ciosas da sua independência do que as cidades aristocráticas, e as nações que retomaram, na Europa, a herança das monarquias não foram menos ciosas das suas liberdades do que os reis o haviam sido da sua glória. Os Estados soberanos são espontaneamente rivais." 

 

Todos devem apoiar Trump

Alexandre Guerra, 12.06.18

 

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No sistema internacional, por vezes, as relações pessoais entre líderes contam muito/Foto: Evan Vucci/AP 

 

Por mais que custe a admitir aos opositores e detractores de Donald Trump, e independentemente do parco conteúdo da declaração conjunta da cimeira de Singapura e do inexistente “road map” a ser seguido nos próximos tempos, ao fim de várias décadas de gelo diplomático entre os EUA e a Coreia do Norte, seria sempre preferível ter um encontro amigável de alto nível, mesmo que inócuo, do que não ter nada e manter-se o clima instável e volátil que se vinha sentindo nos últimos meses entre Washington e Pyongyang. A guerra de palavras entre Trump e Jong-un tinha escalado para níveis nunca dantes vistos nas relações internacionais entre dois chefes de Estado, mas o problema maior tinha a ver com o processo nuclear norte-coreano que, apesar de tudo, foi fazendo o seu caminho, com testes atrás de testes e lançamentos atrás de lançamentos. Se a Coreia do Norte continuasse a seguir este caminho, seria muito provável que viesse a conseguir dotar-se de uma capacidade plena e eficaz nuclear, quer ao nível dos seus vectores de lançamento, quer na miniaturização das respectivas ogivas. Até ao momento, daquilo que se foi sabendo, ainda havia muito trabalho a fazer, mas algum dia esse percurso teria que ser travado… diplomática ou militarmente. Sendo a capacidade nuclear um factor de poder enormíssimo na hierarquia dos Estados no sistema internacional, uma coisa é Washington negociar com Pyongyang nesta fase, outra coisa seria um líder americano sentar-se à mesa com o seu homólogo norte-coreano numa altura em que este país já fizesse parte do exclusivo “clube” das potências nucleares. Aqui, as condições de negociação seriam certamente outras.

 

Trump deslocou-se a Singapura numa altura em que a Coreia do Norte ainda está longe de ser reconhecida como uma potência nuclear, com capacidade para militarizar a tecnologia até agora desenvolvida. Ainda não alcançou o estatuto de países como a Índia, o Paquistão ou Israel. Mas para lá caminha(va). Mais, Trump foi até Singapura com a certeza de que a Coreia do Norte está desesperadamente à procura de recursos financeiros (e outros) para colmatar a “falência” daquele país. Tudo na Coreia do Norte é uma ficção, uma ilusão, excepto a crise humanitária que aflige milhares de pessoas em proporções que, na verdade, não são verdadeiramente conhecidas.

 

Além disso (e isto em política internacional é muito importante), nota-se uma ânsia de diálogo e abertura por parte do líder Kim Jong-un. Não quer dizer necessariamente que seja uma vontade de suavizar o regime ou de “abrir” a sociedade, mas, para quem tem acompanhado com alguma atenção o percurso deste jovem líder, constata que há em si um ímpeto para ir além-fronteiras e estabelecer pontes com outros países e governantes. Às vezes quase que parece uma criança num loja de chocolates quando se confronta com a novidade. Parecem pormenores, mas, num regime unipessoal como é o da Coreia do Norte, estas matérias de personalidade podem fazer toda a diferença nos desígnios de uma nação.

 

Trump poderá estar certo quando diz que sentiu da parte do seu interlocutor vontade genuína para negociar. Resta saber o que será negociado e em que condições. Para já, pouco se sabe, mas presume-se, caso a cimeira tenha sido bem conduzida os seus protagonistas bem assessorados, que tenham sido estabelecidas as metas, os grandes objectivos políticos a serem alcançados. É para isso que servem estes encontros. Depois a forma de como lá se chega, concessão aqui, concessão ali, é um trabalho de bastidores, de muita paciência e, sobretudo, confiança entre as partes.

 

Se for verdade aquilo que Trump tem anunciado nestas últimas horas, então o mundo deve congratular-se pelo facto de aqueles dois líderes terem definido a “desnuclearização da Península da Coreia” como o principal objectivo. Provavelmente, os EUA terão que pagar um preço muito elevado como contrapartida, mas, a médio e a longo prazo, quem sabe se Washington não terá na Coreia do Norte um gigantesco receptor de ajuda financeira, à semelhança do Egipto e da Jordânia, países que, apesar das suas diferenças religiosas, culturais e políticas, se mantiveram sempre como preciosos aliados da Casa Branca.

 

Para já, e por mais disparates e erros que Trump tenha feito nos últimos meses e ódios que suscite, este esforço diplomático merece ser reconhecido e é por isso que ainda esta semana o insuspeito Nicholas Kristof escrevia que os democratas no Congresso não deveriam adoptar a mesma atitude dos republicanos e criticar por criticar a iniciativa do Presidente americano. Porque, neste momento, é do interesse de todos que esta jogada arrojada de Donald Trump se revele certeira.

 

Até quando as potências mundiais aceitarão passivamente os testes da Coreia do Norte?

Alexandre Guerra, 06.03.17

 

A Coreia do Norte lançou/testou esta Segunda-feira mais quatro mísseis balísticos de médio alcance, que acabaram por cair no Mar do Japão. É um cenário que se tem repetido vezes de mais e tem toda a razão o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao classificar aquela acção como "extremamente perigosa". Três daqueles mísseis despenharam-se na Zona Económica Exclusiva nipónica, ou seja, numa área até ao máximo de 200 milhas náuticas da sua linha de costa. Inicialmente, as primeiras notícias falavam em mísseis de curto alcance que, podem ir até aos 500 quilómetros, mas mais tarde percebeu-se que se tratava de projécteis que alcançaram, pelo menos, os 1000 quilómetros de distância. E é por causa disto que os alarmes em Tóquio e em Seul estão a soar, porque o regime norte-coreano tem vindo a fazer testes consecutivos, sendo notórios os progressos que têm sido alcançados por Pyongyang. O regime norte-coreano não esconde o objectivo de vir a desenvolver um míssil balístico intercontinental (ICBM), cujo alcance vai para além dos 5500 quilómetros, ou seja, capaz de atingir território dos Estados Unidos. É certo que o desenvolvimento da tecnologia de mísseis, por si só, constitui uma ameaça diminuta, mas o problema é que, paralelamente, Pyongyang tem continuado a envidar esforços no seu programa nuclear, suspeitando-se que já possa ter conseguido, com sucesso, construir ogivas suficientemente pequenas para serem transportadas numa cabeça de míssil. E é nesta conjugação terrível que surge a ameaça à paz internacional. 

 

Entre 2006 e 2016, a Coreia do Norte efectuou cinco testes nucleares e, de acordo com o que se vai sabendo, o poder destrutivo dos engenhos tem vindo a aumentar. As ondas de choque detectadas pelos sismógrafos japoneses no último teste subterrâneo norte-coreano de Setembro do ano passado, revelaram uma explosão com a potência de 10 a 30 quilotoneladas. Dada a escassez de informação relativa ao programa nuclear da Coreia do Norte, os especialistas não conseguem ter a certeza quanto ao tipo de bomba de que se está a falar. Se é de hidrogénio, as chamadas bombas termonucleares, as mais potentes, que assentam num processo de fusão de isótopos de hidrogénio (na verdade é um duplo processo, já que tem uma fissão inicial), ou se é uma bomba atómica (fissão). Apesar do regime de Pyongyang ter anunciado que os dois testes realizados em 2016 foram de bombas de hidrogénio, os especialistas duvidam deste alegação, uma vez que não tiveram suficiente potência para se enquadrarem nessa categoria.

 

Apesar destes sinais de preocupação, o grau de desenvolvimento da tecnologia nuclear e dos respectivos vectores de lançamento ainda não atingiu aquele patamar dramático, em que a Humanidade se vê perante a iminência de ter um regime esquizofrénico na posse de um engenho capaz de aniquilar milhões de pessoas. No entanto, se a Coreia do Norte continuar a ter esta "liberdade" para manter em curso o seu programa de armas de destruição maciça (como parece que está a ter, apesar de todas as restrições), é apenas uma questão de "quando" (e não "se") terá um míssil balístico nuclear pronto a ser disparado, capaz de atingir países vizinhos inimigos, como a Coreia do Sul e o Japão ou até mesmo os EUA.  

 

Estranhamente, a comunidade internacional parece estar bastante permissiva perante esta ameaça, dando muito mais atenção a outros assuntos (importantes, é certo), mas que não têm a gravidade do que se está a passar na Coreia do Norte. Admito que o perigo não esteja ao virar da esquina, mas é muito provável que, se nada for feito, poderemos chegar ao dia em que terão que ser tomadas medidas dramáticas para evitar um mal maior. A História recente tem alguns episódios de acções "preemptivas" e "preventivas", nomeadamente executadas por Israel, que levaram à destruição de complexos militares de desenvolvimento de armas de destruição maciça. Em 1981, o primeiro-ministro hebraico Menachem Begin deu ordem para que oito caças F-16 destruíssem o reactor nuclear de Osirak, no Iraque, que Israel acreditava produzir plutónio para ogivas. Secretamente e contra a vontade de Washington, Begin não hesitou. Estava lançada a “doutrina Begin”, que assenta no seguinte princípio: “The best defense is forceful preemption." Para Begin, nenhum adversário de Israel deveria adquirir armas nucleares. Em 2007, seria a vez de Ehud Olmert pôr em prática a “doutrina Begin”, desta vez contra a Síria. Anos mais tarde, a New Yorker explicava como Israel tinha bombardeado secretamente o suposto reactor nuclear de Al Kibar sem que ninguém desse por isso e o assumisse posteriormente.

 

Estes exemplos devem ser tidos em conta quando se analisa a ameaça do programa nuclear norte-coreano, porque, por mais violentos que tenham sido os regimes de Saddam e de Hafez al-Assad, nunca chegaram ao grau de loucura e de insanidade das lideranças de Pyongyang. Bem sabemos que qualquer acção militar contra a Coreia do Norte contaria, quase de certeza, com a oposição da China, no entanto, não deixa de ser preocupante a atitude contemplativa que as principais potências têm tido em relação à forma como Pyongyang tem desenvolvido o seu programa de armas de destruição maciça. Por muito menos, mas muito menos mesmo, os EUA invadiram o Iraque em 2003.

  

Uma brincadeira cada vez mais séria

Alexandre Guerra, 09.09.16

 

O mundo ocidental acordou hoje com a notícia de que a Coreia do Norte fez mais um teste nuclear, com os registos de actividade sísmica a indicarem poder tratar-se de um engenho de 20 a 30 quilotoneladas de potência, ou seja, superior à bomba que os EUA lançaram sobre Hiroshima. Mas o problema já nem é só este, o da bomba em si, é o facto do regime de Pyongyang ter aparentemente conseguido desenvolver os vectores de lançamento para transportar essas ogivas, nomeadamente, os mísseis balísticos de médio alcance. E é sobretudo esta questão que torna a ameaça norte-coreana cada vez mais perigosa e imprevisível. A julgar pelas informações que vão chegado, neste momento parecem começar a estar reunidas condições para que um qualquer lunático em Pyongyang carregue no botão e lá dispare um míssil com ogivas nucleares com capacidade para atingir a Coreia do Sul, o Japão e até mesmo território americano no Pacífico.

 

Algumas notas sobre o acordo com o Irão

Alexandre Guerra, 15.07.15

 

Ao fim de 12 anos, com avanços e recuos, momentos de muita tensão, foi finalmente alcançado um acordo entre o Irão e as seis potências mundiais envolvidas (Reino Unido, França, Rússia, EUA e a Alemanha). É de facto um acordo histórico, uma grande vitória política para o Presidente americano, Barack Obama, e um grande mérito para o secretário de Estado, John Kerry. Depois da reconciliação histórica com Cuba, os EUA aproximam-se do Irão, algo que vem inflectir toda a dinâmica nas relações entre os dois países desde a revolução dos ayatollas, em 1979. É nesta dimensão política que este acordo deve ser visto, ou seja, muito além da questão nuclear. E é, precisamente, por essa dimensão política que já há quem o compare aos acordos de Camp David, de 1978, entre Israel e o Egipto, ou à reconciliação entre os Estados Unidos e a China, em 1972.

 

A importância deste acordo não é tanto pelas questões técnicas que norteiam o dossier nuclear (também importantes), mas sobretudo pelas possibilidades que abre para a reconfiguração geopolítica daquela região. 

 

Seja como for, em termos concretos, este acordo tenta evitar que o Irão consiga obter uma bomba nuclear nos próximos dez anos. Mas, é preciso sublinhar que este acordo é temporário, já que não proíbe o Irão de ter acesso à tecnologia nuclear. Condiciona, sim, a sua capacidade para enriquecer urânio, ao reduzir em dois terços o número de centrifugadoras existentes actualmente no país, assim como o obriga a abdicar de 98% de todo o urânio enriquecido que tem em stock (para produzir electricidade não é preciso urânio enriquecido). Como contrapartida, são levantadas as sanções. Mas, volta-se a sublinhar, a questão principal são as potencialidades político-diplomáticas que este acordo proporciona entre Washington e Teerão. Para começar, no combate ao Estado Islâmico.

 

Mas há aqui um problema que é preciso ter em conta: este acordo vem de certa forma legitimar o Irão como Estado nuclear (algo que nunca aconteceu com o Paquistão e a Índia) e isto pode ser visto como um incentivo para países sunitas, como a Arábia Saudita. Além do mais, é importante sublinhar que se trata de um acordo político e não de um tratado e, como tal, estará sujeito às vontades políticas de futuros dirigentes.

 

Pyongyang aumenta a "parada" negocial

Alexandre Guerra, 12.02.13

 

O anúncio do terceiro teste nuclear norte-coreano (o primeiro foi em 2006 e o segundo em 2009) feito pela televisão estatal

 

No final do ano passado, e em jeito de previsão para a 2013, o Diplomata fazia a seguinte pergunta: "É possível que Pyongyang volte a fazer lançamentos de propulsores balísticos (foguetões) em 2013. Mas haverá algum teste nuclear?"


A resposta de Pyongyang veio mais cedo do que se esperava, com a realização, esta Terça-feira, de um teste nuclear, o terceiro do seu programa atómico. A Agência Internacional de Energia Atómica, sediada em Viena, informou que a explosão subterrânea teve o dobro da força do que o último teste realizado em 2009.

 

Trata-se, claramente, de uma posição de força do líder Kim Jong-un que, por um lado, alimenta o delírio colectivo em redor de uma certa iconografia de poder, e por outro, aumenta a "parada" negocial junto da comunidade internacional, demonstrando que tem uma "moeda de troca" muito valiosa.  

 

A bomba ainda está longe, mas o dossier iraniano serve os interesses de Netanyahu

Alexandre Guerra, 04.01.13

 

 

Em Outubro último, e já depois da intervenção cénica do primeiro-minisro israelita, Benjamin Netanyahu, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o Diplomata escrevia que "qualquer observador mais atento sabe que Israel jamais permitirá que Teerão chegue a um estádio próximo da bomba atómica". E acrescentava ainda "que se até aqui não houve qualquer acção militar israelita, isso deve-se não tanto às pressões de Washington para a contenção, mas sim ao facto de Israel ainda não se sentir verdadeiramente ameaçado com o poder nuclear iraniano".


O Diplomata continua acreditar nesta lógica, reforçada pelas declarações proferidas esta Quinta-feira por Netanyahu, durante o tradicional encontro anual com os embaixadores israelitas colocados no estrangeiro. "Bibi" disse que o Irão ainda não passou a tal "linha vermelha" traçada por Israel. 


Provavelmente, o Irão ainda estará longe de chegar a essa "linha vermelha" que, de acordo com Israel, será quando 90 por cento do processo já estiver concluído. Netanyahu tem dito que isso pode acontecer já na Primavera ou no Verão. O Diplomata dúvida, embora compreenda o "jogo" de Netanyahu, que vai gerindo o dossier nuclear iraniano em conformidade com os seus interesses.

 

Os cálculos atómicos iranianos

Alexandre Guerra, 27.11.12

 

This undated diagram was given to the AP by officials of a country critical of Iran's atomic program. The graph allegedly calculates the explosive force of a nuclear weapon, a key calculation in developing such arms. The diagram shows a bell curve and has variables of time in micro-seconds and power and energy, both in kilotons, which is the traditional measurement of the energy output, and hence the destructive power, of nuclear weapons. The curve peaks at just above 50 kilotons at around 2 microseconds, reflecting the full force of the weapon being modeled. The Farsi writing at the bottom translates "changes in output and in energy released as a function of time through power pulse."

 

Este gráfico foi divulgado esta tarde pela Associated Press e, supostamente, calcula a força de explosão de uma arma nuclear. Segundo aquela agência noticiosa, esta imagem foi cedida por uma fonte do programa nuclear iraniano e crítica do regime, sob condição de anonimato.

 

De acordo com as interpretações feitas a este gráfico, está-se a falar de um engenho nuclear com uma capacidade destrutiva três vezes superior à da bomba atómica de Hiroshima. Esta informação vem reforçar a ideia de que o Irão está a desenvolver armas de destruição maciça. 

 

A "doutrina Begin"

Alexandre Guerra, 01.10.12

 

 Caça F-16 israelita

 

Benjamin Netanyahu encenou, na passada semana, um espectáculo que terá agradado à maioria dos embaixadores presentes na Assembleia Geral das Nações Unidas. Foi certamente do agrado da imprensa internacional, a julgar pelo destaque que deu ao primeiro-ministro hebraico, que mostrou um desenho de uma bomba para exemplificar a “linha vermelha” que Israel não vai permitir que o Irão atravesse no que diz respeito ao seu programa nuclear.

 

Aquilo que Netanyahu disse não é uma novidade, já que qualquer observador mais atento sabe que Israel jamais permitirá que Teerão chegue a um estádio próximo da bomba atómica.

 

Se até aqui não houve qualquer acção militar israelita, isso deve-se não tanto às pressões de Washington para a contenção, mas sim ao facto de Israel ainda não se sentir verdadeiramente ameaçado com o poder nuclear iraniano.

 

Porque, a partir do momento em que os serviços de “intelligence” israelitas reunirem informação que coloque o Irão na iminência de alcançar a bomba atómica, Israel atacará cirurgicamente as várias instalações nucleares iranianas, sem qualquer aviso prévio, incluindo a Washington, que só deverá ter conhecimento da operação quando esta já estiver em curso.

 

A Mossad está atenta ao Irão, tal como sempre esteve em relação aos programas nucleares da Síria e do Iraque, tendo agido preventiva e militarmente contra estes dois países a partir do momento em que se sentiu efectivamente ameaçada.

 

Em 1981, o primeiro-ministro Menachem Begin deu ordem para que oito caças F-16 destruíssem o reactor nuclear de Osirak, no Iraque, que Israel acreditava produzir plutónio para ogivas. Secretamente e contra a vontade de Washington, Begin não hesitou. Estava lançada a “doutrina Begin”, que assenta no seguinte princípio: “The best defense is forceful preemption." Para Begin, nenhum adversário de Israel deveria adquirir armas nucleares.

 

Em 2007 seria a vez de Ehud Olmert pôr em prática a “doutrina Begin”, desta vez contra a Síria. Ainda recentemente, a New Yorker explicava como Israel tinha bombardeado secretamente o suposto reactor nuclear de Al Kibar sem que ninguém desse por isso e o assumisse posteriormente.

 

O ataque resultou de uma operação da Mossad em Viena, em Março de 2007, na qual recolheu “intel” na casa de Ibrahim Otham, o director da Comissão Síria de Energia Atómica. As provas recolhidas, incluindo fotos do local do reactor, eram conclusivas. Washington foi informado, mas o Presidente George W. Bush não ficou muito convencido.

 

Olmert, por seu lado, tinha poucas dúvidas e a 5 de Setembro, pouco antes da meia noite, quatro F-15 e quatro F-15 levantaram voo de bases israelitas com destino à Síria.

 

Através de mecanismos electrónicos, os israelitas “cegaram” o sistema de defesa anti-aéreo sírio, entre as 00:40 e as 00:53, o suficiente para entrarem no espaço aéreo do inimigo sem serem vistos e lançaram várias toneladas de bombas sobre o alvo. Hoje, cinco anos depois, ninguém fala no assunto ou o reconhece, seja Israel ou a Síria.

 

O Irão poderá ser o próximo alvo da “doutrina Begin”, embora Israel reconheça tratar-se de uma operação mais complexa do que as duas anteriores.

 

Uma coisa é certa, a encenação de Olmert na passada semana na Assembleia Geral poderá ter servido para sossegar a Casa Branca e dar mais algum tempo ao Presidente Barack Obama, numa altura em que está em plena campanha eleitoral. Mas que ninguém duvide, a partir do momento em que a Mossad tiver dados conclusivos que apontem para uma ameaça nuclear iminente vinda do Irão, os caças bombardeiros israelitas voltarão a levantar voo em segredo. A grande questão é saber se a Casa Branca será informada antes ou depois de descolarem em direcção ao alvo.