Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Memória

Alexandre Guerra, 21.08.15

 

20080711_2049974940_amf_ps.jpg

 Entrada do campo de concentração Auschwitz I com a tristemente célebre frase forjada em metal: "O trabalho liberta"

 

Quando Steven Spielberg realizou o filme A Lista de Schindler, em 1993, estava a prestar uma homenagem emotiva aos seis milhões de judeus que perderam a vida no Holocausto (este número tem sido motivo de acesa discussão entre historiadores), mas também estava a despertar consciências (ou a relembrá-las) para uma realidade específica daquele genocídio, que se viveu nos campos de concentração de Auschwitz (eram três), no sul da Polónia. As célebres imagens recriadas por Spielberg, também ele judeu, em que se vêem comboios compostos por vagões apinhados de judeus a chegarem a Auschwitz II-Birkenau, veio relançar o interesse do público por aqueles acontecimentos dramáticos da História recente da Humanidade.

 

O campo de Auschwitz II-Birkenau, que ficou genericamente conhecido por Auschwitz, o campo de extermínio, era o maior e o único que tinha acesso ferroviário, no entanto, havia mais dois campos, o Auschwitz I e o Auschwitz III - Monowitz. Em Birkenau terão sido mortos cerca de um milhão de judeus e ciganos (também aqui não há consenso quanto ao número), embora, tenha sido no primeiro campo que começaram as experiências de extermínio numa câmara de gás construída propositadamente para o efeito, com o respectivo crematório anexado.

 

Sensivelmente três anos após a libertação dos campos de Auschwitz, a 27 de Janeiro de 1945, as autoridades polacas decidiram fazer um museu e um memorial de homenagem às vítimas, que engloba Auschwitz I e Birkenau e, por isso, é denominado de Auschwitz-Birkenau. Este complexo foi considerado Património Cultural da Humanidade pela UNESCO, sendo que em Birkenau houve maior dificuldade em restaurar os edifícios originais (devido aos materiais de que eram feitos) do que no complexo de Auschwitz I (ambos estão separados por apenas 3 km) que, para quem já teve o privilégio de visitar, apresenta um bom, mas arrepiante, estado de conservação. 

 

Ao cruzar-se o portão de entrada de Auschwitz I (onde a dimensão da tragédia não foi tão massiva, estimando-se que ali tenham sido exterminados 60 mil judeus) tem-se sobre a cabeça a célebre frase forjada a metal: "Arbeit macht frei" ("O trabalho liberta"). Lá dentro, o visitante é confrontado com uma realidade física impressionante, onde tudo parece estar como era dantes. Aliás, fazendo-se uma comparação do que se vê hoje em dia com os registos fotográficos da época, percebe-se como Auschwitz I mantém praticamente intacto o seu espaço. O Muro da Morte onde eram feitos os fuzilamentos, as celas do Bloco 11, o Bloco 10 onde se faziam as experiências médicas, tudo está lá, igual. Ainda mais impressionante é visitar a única câmara de gás existente naquele campo, que foi a primeira a ser construída a título experimental. Birkenau viria depois a acentuar o extermínio dos judeus com as outras câmaras (em Birkenau restam apenas algumas ruínas).

 

No que diz respeito à preservação da memória histórica das milhares de pessoas que ali pereceram nas mãos do regime nazi, nada é tão chocante como entrar numa sala de um dos blocos de Auschwtiz preparada para o efeito museológico e ver uma vitrine com cerca de 30 metros cheia até cima de cabelo humano, cortado aos prisioneiros antes de irem para a câmara de gás. Noutro espaço pode-se ver ainda pertences pessoais, como roupa, óculos e outro tipo de objectos e utensílios. Muito perturbador. 

 

Embora Auschwitz I não tenha tido a dimensão trágica de Auschwitz II-Birkenau, como objecto histórico é provável que ofereça uma perspectiva mais cruel e realista do que aconteceu, atendendo ao seu estado de conservação é à forma como está organizado em termos museológicos. Por outro lado, Birkenau oferece aquela vista aterradora que Spielberg projectou no cinema, do caminho de ferro a entrar directamente nas portas daquele campo, e imagina-se o que terá sido aqueles comboios a conduzir milhares de pessoas literalmente para a morte. Por isso mesmo, os responsáveis do Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau aconselham que os visitantes conheçam os dois campos para melhor compreenderem a dimensão de toda a tragédia.

 

Faz por estes dias 20 anos que visitei Auschwitz I, num dia cinzento, que mais parecia de Outono. No entanto, estava nas minhas férias de Verão, ainda jovem, prestes a entrar no curso de Relações Internacionais, movido pela paixão que me suscitava (e suscita) essa disciplina. Apesar de chegar àquele local já com algum conhecimento sobre as atrocidades ali cometidas, percebi de imediato que nada é comparável ao exercício empírico na reconstrução dos factos in loco. Uma experiência enriquecedora e sobretudo inesquecível.

 

Leni Riefenstahl, a genialidade da propaganda política

Alexandre Guerra, 31.01.11

 

 

Poucos, como a cineasta alemã Leni Riefenstahl (Berlim, 1902-2003), terão utilizado de forma tão genial a sua arte ao serviço de um regime político. Riefenstahl veio encorpar o conceito de propaganda política para uma dimensão artística quase transcendente, tornando-a uma das maiores realizadoras femininas do século XX, embora as suas orientações políticas a tenham condenado a uma ostracização aos olhos da sociedade alemã.

 

Amiga pessoal de Adolf Hitler e figura proeminente no Terceiro Reich, Leni Riefenstahl enquadrou toda a sua obra durante este período na doutrina dominante do regime. E mesmo muitos anos mais tarde, o Diplomata recorda-se de ver um documentário, no qual Leni tinha alguma dificuldade na análise objectiva do que se tinha passado durante o regime Nazi na Alemanha. Chegou a confessar que se sentia fascinada pelo nacional socialismo, mas que desconhecia a política de extermínio dos judeus em curso, assim como a existência de campos de concentração.

 

A sua proximidade ao regime e, que este autor tenha conhecimento, a ausência de remorsos e de desculpas, fizeram dela uma personagem pouco “simpática”, apesar de muita da imprensa internacional lhe reconhecer o pioneirismo e a inovação das suas técnicas cinematográficas. Mesmo na Alemanha esse reconhecimento existiu.

 

Considerada a sua obra prima, Triumph des Willens (diz a Wikipédia que o nome foi atribuído por Hitler) projectou na tela a ideologia Nazi e, sobretudo, a visão que o Fueher tinha da sociedade.

 

Filmado durante um comício do Partido Nazi em Nuremberga, em Setembro de 1934, aquele filme, lançado um ano depois, ganhou vários prémios internacionais

 

Riefenstahl estudou pintura e iniciou-se na dança, tendo sofrido uma lesão no joelho que pôs fim, diz a sua biografia no site oficial, a uma carreira brilhante. Mas é a partir daí que encontra o seu caminho de sucesso enquanto actriz, realizadora e produtora.

 

Começa a trabalhar nos anos 30, granjeando prestígio e fama, que culmina com o Triumph des Willens.

 

Em 1938 surge Olympia, mais um instrumento grandioso de propaganda do regime Nazi. Um documentário sobre os célebres Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, que se tornou numa referência na cobertura fotográfica e cinematográfica desportiva. Por exemplo, foi a primeira realizadora a utilizar carris para colocar as câmaras de modo a que pudessem acompanhar os atletas. Entre os atletas filmados, estava um chamado Jesse Owens, que viria a protagonizar um dos momentos mais importantes em termos políticos e sociais no desporto do século XX.      

 

A genialidade de Riefenstahl acabou também por ser a sua condenação pública após o fim da II GM, jamais libertando-se da imagem de propagandista oficial do regime Nazi.

 

Seja como for, e depois de ter estado presa, Leni Riefenstahl conseguiu prosseguir a sua carreira com bastante sucesso, não só como cineasta, mas também como fotógrafa, acolhida na elite mundial com reportagens e trabalhos de grande valor artístico e técnico.   

 

Leni Riefenstahl manteve-se profissional e socialmente muito activa quase até ao fim da sua vida. A 8 de Setembro de 2003 morre com 101 anos, e deixou para a história um dos trabalhos artísticos mais geniais de propaganda política.

 

*Mais um texto do Diplomata no âmbito desta rubrica.