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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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NATO, 70 anos ao serviço da Europa

Alexandre Guerra, 18.01.19

 

A NATO está a celebrar 70 anos. A data exacta do aniversário é 4 de Abril, dia em que foi assinada a Declaração de Washington que instituiu a Organização do Tratado do Atlântico Norte e da qual Portugal faz parte desde o primeiro momento, enquanto membro fundador. A assinatura de tão importante documento coube ao ministro dos Negócios Estrangeiros de então, José Caeiro da Matta, e ao embaixador Pedro Teotónio Pereira, um acto que viria a ser da maior relevância político-diplomática para o nosso país durante a segunda metade do século XX. Poucos foram os momentos na sua História em que Portugal teve a oportunidade de integrar um núcleo duro de uma organização que seria basilar na construção de um novo paradigma nas relações internacionais. Estava-se em 1949, numa altura em se começavam a erguer os alicerces do novo sistema bipolar sobre os escombros da II GM, onde era já evidente que os aliados de outrora, eram agora inimigos. De um lado, os EUA, do outro, a União Soviética, e no meio, a Europa.

 

Com a herança trágica de duas guerras mundiais num espaço de menos de cinquenta anos, a NATO nasce com um propósito de estabilidade e não bélico, assumindo-se, desde o primeiro momento, como uma aliança política e não militar. Os líderes ocidentais afastaram a hipótese de mais um conflito militar em grande escala para combater o novo inimigo “vermelho” que se agigantava a Leste. A guerra era agora ideológica (mais tarde política e económica). Entre os anos de 1945 e 1949 registou-se uma sucessão de acontecimentos e de produção de pensamento dos Wise Man que ajudou a construir o paradigma no qual iria assentar a NATO e que, no fundo, perduraria até 1989/91.

 

Na base desse novo modelo do sistema internacional estava a doutrina de containment idealizada pelo diplomata George F. Kennan, que foi vice-chefe da missão americana em Moscovo logo a seguir à II GM (esteve também colocado em Lisboa durante a Guerra). Kennan, uma figura incontornável no estudo do realismo em qualquer curso de Relações Internacionais, foi o primeiro a perceber o comportamento e a natureza expansionista do regime comunista soviético do pós-Guerra. Primeiro, num long telegram enviado para Washington, em 1946, e depois num artigo que viria a ficar célebre, publicado em Julho de 1947 na Foreign Affairs. Assinado sob o pseudónimo de Mr. X., o artigo tinha como título The Sources of Soviet Conduct e tornar-se-ia num dos documentos doutrinários mais importantes das relações internacionais da segunda metade do século XX e que iria ser fundamental para definir as “regras” da Guerra Fria.

 

Kennan, ciente das perversidades e males do regime de Estaline, não acreditava, no entanto, na ideia de um conflito directo entre as duas super-potências. A sua doutrina acabaria por favorecer uma solução intermédia de estabilidade e de “contenção” perante o avanço do comunismo na Europa e em diferentes partes do mundo. O seu pensamento ajudou a forjar o sistema bipolar da Guerra Fria que, em parte, viria assentar na “contenção” e na “dissuasão”, privilegiando-se, assim, a estabilidade sistémica através da manutenção de um status quo de equilíbrio de poderes, com momentos de fricção, mas sem confrontação directa. A tal Guerra Fria que mais tarde o sociólogo realista Raymond Aron viria a caracterizar de forma sábia, como um sistema onde “a paz é impossível, a guerra é improvável”.

 

A criação da NATO surge precisamente no meio deste contexto, de definição do que viria ser o paradigma das relações internacionais nas décadas seguintes. Se, como referiu Lord Ismay, primeiro secretário-geral da NATO, o seu objectivo era to “keep the Russians out, the Americans in, and the Germans down”, rapidamente houve um esforço no sentido de fortalecer política e economicamente a Alemanha ocidental, como forma de combater a ideologia comunista. O Plano Marshall ou o Banco Mundial foram outros dos instrumentos criados dentro da nova lógica sistémica. É por isso que, mais do que a componente militar, é preciso olhar para a génese da NATO numa lógica geopolítica, concretamente de aliança política perante um inimigo comum. O célebre Artigo 5º é, na prática, a materialização dessa vontade de união numa defesa colectiva e reforça o tal efeito “dissuasor”, basilar no equilíbrio do sistema de Guerra Fria.

 

Atendendo à conjuntura autoritária do regime de Salazar, cerceando os valores da liberdade e da democracia, é extraordinariamente irónico que Portugal, país provinciano e isolacionista, viesse a fazer parte de uma organização internacional, que se tornou num dos melhores exemplos do multilateralismo político entre nações. Desde o início que a relação entre Portugal e a NATO – quase sempre distante da atenção dos portugueses, exceptuando em momentos de conflito – tem-se pautado, maioritariamente, pela estabilidade e reciprocidade. É certo que houve períodos mais sensíveis nesse relacionamento, nomeadamente no auge dos movimentos independentistas das nações africanas e durante o PREC, mas nada que colocasse em causa a presença de Portugal na NATO. Aliás, é já num período de forte crítica internacional ao nosso país por causa da situação em África que, no início dos anos 70, Portugal reforça a sua ligação à NATO, com a instalação do comando regional de Oeiras. A vinda do comando IBERLANT para Portugal veio acentuar a relação de proximidade entre as forças armadas nacionais com as suas congéneres aliadas.

 

A entrada de Portugal na NATO proporcionou a modernização e actualização das Forças Armadas portuguesas. Ao longo das décadas, através da troca de informação e de exercícios militares regulares, Portugal incorporou as medidas necessárias para obedecer aos critérios NATO, adquirindo a capacidade de inter-operacionalidade com as diferentes forças aliadas. Não será exagerado afirmar que a excelência das forças nacionais em missões no estrangeiro se deve, em grande parte, à concretização dos compromissos assumidos com a NATO, onde o nível de exigência e prontidão é muito elevado.

 

Politicamente, a presença na NATO materializou a visão atlantista de Portugal e solidificou uma relação bilateral privilegiada com os EUA. É importante sublinhar que, em termos de estrutura militar, Portugal esteve, até há uns anos, integrado unicamente no comando estratégico atlântico (Allied Command Transformation – ACT), sedeado em Norfolk, EUA. Historicamente, esta estrutura teve sempre uma vocação de doutrina e de treino, sendo que a projecção de forças, propriamente dita, esteve sempre a cargo do comando estratégico europeu (Allied Command Operations – ACO), sedeado em Mons, Bélgica. Actualmente, e com as sucessivas reestruturações da estrutura militar da NATO, o importantíssimo Joint Analysis and Lessons Learned Centre (JALLC), localizado em Monsanto, mantém-se afecto ao comando atlântico, mas o Naval Striking and Support Forces (STRIKFORNATO), que pressupõe projecção de forças e sedeado em Oeiras, está debaixo do comando aliado europeu.

 

Ao longo destas décadas, e apesar da enorme competitividade entre nações aliadas para atrair comandos ou quartéis, Portugal tem conseguido manter relevância dentro da NATO e, nalguns casos, com upgrades, como se verificou com a vinda do JALLC para território nacional, um centro de enorme importância na produção de conhecimento e doutrina no seio da NATO. Para quem conhece minimamente a organização e a participação portuguesa nas suas estruturas militar e civil, constata que este é um activo político e diplomático que Portugal deve preservar, não apenas pelo posicionamento nas relações internacionais que lhe proporciona, mas também pelo papel único que a NATO tem entre as organizações multilaterais. 

 

A NATO foi-se construindo durante 70 anos, tornando-se numa das mais democráticas (funcionamento) e eficazes (projecção de forças) organizações internacionais, um património e know how que não devem (e não podem) ser desperdiçados por questões ideológicas de certas correntes políticas europeias ou por causa de uma “birra” de um residente transitório na Casa Branca. É certo que os EUA têm sido o principal financiador da NATO e que, sem o seu compromisso ou vontade, a organização enfrenta desafios importantes em termos de sustentabilidade, mas, seguramente, a visão irresponsável de Donald Trump não será perpetuada pelos seus sucessores, sejam democratas ou republicanos. Até porque quando, em diferentes momentos, administrações democratas ou republicanas apelaram aos líderes europeus para investirem mais na Defesa, nenhum alto responsável americano colocou em causa o papel da NATO no sistema internacional, mesmo depois da Queda do Muro de Berlim e da implosão da União Soviética.

 

Os tempos de Guerra Fria já lá vão e o Pacto de Varsóvia está arrumado nos livros de História e, por isso, a NATO, hoje em dia, não deve ser vista com qualquer carga ideológica. Pelo contrário, deve ser encarada como uma ferramenta (a única do género) fundamental ao serviço da estabilidade e da promoção de valores democráticos, porque vai muito além da componente militar. Basta conhecer os seus programas civis, científicos, de investigação ou de educação (ainda há umas semanas, uma equipa da Universidade de Aveiro ganhou um concurso lançado pela NATO, no qual especialistas em Informática e Sistemas Inteligentes criaram um sistema capaz de combater mensagens extremistas na Internet).

 

Setenta anos depois, a NATO acabou por ser aquilo que outras iniciativas políticas preconizaram, mas nunca concretizaram, ou seja, uma aliança maioritariamente de Estados europeus, capaz de projectar forças multinacionais com toda a eficácia e inter-operacionalidade na defesa de interesses comuns, sempre na sequência de um processo de decisão por unanimidade. Na verdade, e apesar dos vários esforços ao longo das décadas para a criação de uma estrutura exclusivamente europeia, como a Comunidade Europeia de Defesa (CED) ou a União da Europa Ocidental (UEO) – conhecida nos meandros diplomáticos como “Sleeping Beauty” por causa da sua inactividade –, a NATO acabou por prevalecer perante algumas tentativas políticas que se moviam mais por interesses isolados e de desconfiança para com os EUA do que propriamente pelo racionalismo dos meios e objectivos.

 

Qualquer organização europeia que fosse criada, para todos os efeitos, seria redundante e recorreria aos mesmos meios disponibilizados para a NATO. Em Dezembro de 1998, em mais uma dessas entusiasmadas mas infrutíferas iniciativas das chancelarias europeias, Londres e Paris, pelas mãos de Tony Blair e Jacques Chirac, assinaram a Declaração de Saint-Malo, com vista à criação de um “exército europeu”. Uma decisão que, mais uma vez, não tinha consistência nem articulação com a arquitectura de segurança e defesa existente, cujos seus pilares estavam fixados na NATO, da qual o Reino Unido e França faziam parte. Perante isto, Madeleine Albright, na altura secretária de Estado de Bill Clinton, não deixou de sublinhar o empenho de Washington no reforço da então European Security and Defence Identity (ESDI), desde que fosse dentro da NATO, evitando-se a duplicação de recursos e a secundarização de todo o “trabalho feito”. Por isso, definiu três critérios que ficariam conhecidos como os Three Ds: De-linking (evitar a separação da ESDI da NATO); Discriminating (evitar a discriminação de aliados da NATO que não fizessem parte da União Europeia); Duplicating (evitar a duplicação de meios já existentes).

 

Historicamente, criou-se sempre o equívoco de que o que estava em causa nestes projectos seria a construção de uma espécie de exército europeu único e comum. Ora, tal coisa nunca poderia ser concretizada, pelo menos no estádio de evolução da CEE/UE. O que realmente estaria em cima da mesa era a contribuição de forças nacionais em determinado momento, com capacidade de mobilização quase imediata e inter-opercional. Realisticamente falando, a construção de um “exército europeu” não seria mais do que um comando europeu sem a presença dos países que não integrassem a CEE/UE, nomeadamente os EUA e a Turquia. A esse propósito, é importante sublinhar que quando se fala nas forças da NATO, na prática, está-se a falar de soldados e recursos bélicos nacionais que, ao serviço daquela organização, mais não fazem do que responder a uma cadeia de comando multinacional. Além de quartéis, pessoal e alguns AWACS, a NATO pouco mais meios próprios tem. Como há uns anos dizia um operacional daquela organização, com muito simplismo e ironia, quando uma determinada missão passa da NATO para a cadeia de comando da ONU ou da UE, basicamente, trata-se apenas de trocar os badges dos soldados.

 

A NATO é, desde há muito, o tal pilar europeu de “defesa e segurança”. A História dá-nos essa evidência. A questão é saber se os líderes europeus querem aproveitar os setenta anos de experiência política e militar sob a bandeira da NATO, para reforçar o peso europeu no seio da organização, numa altura em que Washington, pelo menos temporariamente, parece “desinteressar-se” do eixo transatlântico. Uma coisa é certa, a Europa não pode ficar sem qualquer mecanismo comum dissuasor e de projecção de forças. Nesse aspecto, a NATO é insubstituível, até pelo papel que desempenha em zonas que vão para lá da geografia do Atlântico Norte. Talvez seja hora dos governantes europeus serem mais ambiciosos na assunção das “despesas da casa”, um apelo que tem sido recorrente nas várias administrações americanas.

 

No seio do clube europeu, Portugal tem uma condição única, a de ser atlantista por vocação e europeísta por convicção, e, por isso, tem desempenhado um papel fundamental na valorização do papel da NATO nas relações internacionais, ao mesmo tempo que enaltece o projecto de construção europeia. Essa tem sido uma virtude dos decisores portugueses ao longo dos anos, registando-se um raro mas louvável consenso entre os partidos de poder. Há muito que os nossos governantes, diplomatas e militares perceberam que existe uma complementaridade entre a NATO e a UE. Estas realidades não têm de ser rivais nem precisam de se anular mutuamente. Pelo contrário, a NATO poderá assumir, cada vez mais, a vertente europeia da “defesa comum” e a União Europeia poderá “puxar” mais para si a liderança desta organização. Claro que isso implicará vontade política e um maior investimento dos Estados-membros europeus, mas será sempre um preço muito menor do que aquele que teriam de pagar, caso deixassem a NATO definhar por causa de interesses políticos egoístas ou em função do desinteresse de Washington.

 

Publicado esta Sexta-feira no Público.

 

O dilema da NATO: ajudar os "amigos" ou confrontar a Rússia?

Alexandre Guerra, 04.12.18

 

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Vladimir Putin de visita à Crimeia dois dias antes dos incidentes no Estreito de Kerch/Foto: Reuters

 

As notícias desta Terça-feira dão conta de um certo desanuviamento no Mar de Azov, tendo as autoridades ucranianas informado que os portos de Berdyansk e Mariupol foram “parcialmente desbloqueados” e que os navios mercantes já estão a circular através do Estreito de Kerch. Estas notícias surgem no mesmo dia em que a Ucrânia, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Pavlo Klimkin, esteve reunido em Bruxelas com os seus homólogos da NATO, na esperança de obter o seu apoio militar, nomeadamente ao nível naval. No entanto, a organização liderada por Jens Stoltenberg não está disponível para ir além daquilo que neste momento está a fazer no Mar Negro, ou seja, um papel de mera monitorização.

 

E, na verdade, a NATO não tem condições políticas para assumir uma acção mais relevante naquela região, não havendo uma vontade unânime sólida por parte dos aliados em confrontar a Rússia. Além disso, qualquer atitude mais musculada por parte da NATO poderia provocar uma escalada num conflito que, para já, permanece num registo de baixa intensidade. Em termos de realismo político, e nas actuais circunstâncias, não é do interesse da NATO e da Rússia que a situação se descontrole.

 

De certa maneira, desde que a Rússia anexou a Crimeia em 2014, zona que historicamente considerou sempre sua, ficou óbvio que, numa perspectiva de “realpolitik”, Moscovo não teria intenção de abandonar aquela península, tendo a Europa e os EUA acabado por aceitar tacitamente essa redefinição de fronteiras na região do Mar Negro. A tal ponto que o Kremlin não perdeu tempo na construção de uma ponte a ligar a Rússia continental à península da Crimeia.

 

E perante isto, como referia Jonathan Marcus, correspondente diplomático da BBC World, a NATO tem um dilema, que é saber como é que irá agradar aos seus “amigos” do Mar Negro sem hostilizar a Rússia. Sabendo-se que, para Moscovo, e atendendo ao seu comportamento histórico na gestão deste tipo de conflito, é de todo interesse que aquela situação “congele”.

 

Uma coisa é certa, a história da Guerra Fria demonstrou que, em matéria de estabilidade sistémica, optou-se quase sempre por sacrificar determinadas “amizades” em prol das necessidades cínicas do equilíbrio de poder entre as potências. Resta agora saber se a NATO, em nome da estabilidade entre blocos, aceita as novas fronteiras e regras impostas pela Rússia ou se assume uma posição de confronto aos avanços de Moscovo no Mar Negro.

 

JALLC, um centro NATO de produção de conhecimento cada vez mais importante

Alexandre Guerra, 27.02.18

 

A NATO tem duas estruturas: uma civil e outra militar. A civil, com o Quartel-General sediado em Bruxelas, dá corpo à natureza política da Aliança e apoia todo o aparelho burocrático. A militar, composta por dois comandos estratégicos, é responsável pela doutrina e pela projecção de forças no terreno. Esta é a forma mais resumida que encontro para definir a estrutura daquela organização. No âmbito da componente militar, Portugal tem a particularidade de estar integrado nos dois comandos, quer no Comando Aliado de Operações (ACO) sediado em Mons, Bélgica, de cariz mais operacional, quer no Comando Aliado para a Transformação (ACT), baseado em Norfolk, Virgina (EUA), mais vocacionado para a doutrina. O comando de Oeiras, actualmente denominado de STRIKFORNATO, responde ao ACO, já que tem como missão dar apoio de comando e controlo a operações de forças navais e à respectiva capacidade de defesa balística.

 

Mas o propósito deste texto é falar do JALLC, Joint Analysis & Lessons Learned Centre (JALLC), uma espécie de think tank da NATO, que tem como objectivo analisar e estudar todos os dados e informação operacional para produzir nova informação melhorada, “transformada”. As instalações semi-secretas do JALLC encontram-se dentro do perímetro da base da Força Aérea em Monsanto, mesmo à saída de Lisboa. O JALLC está dependente do ACO e tem pouco mais de 15 anos, tendo sido uma importante conquista para a valorização de Portugal no âmbito da NATO, já que daqui saem “lições” que depois podem ser aplicadas no terreno. Esta importância foi agora reiterada por Dennis Mercier, Comandante Supremo do ACT, que está em Lisboa de visita ao JALLC.

 

Numa entrevista ao DN, publicada esta Terça-feira, Mercier enaltece o trabalho deste centro e acredita que “vai ser ainda mais importante”. Palavras que não devem ser interpretadas meramente como de simpatia, até porque nestas coisas os militares, nomeadamente aqueles em comissão NATO, não perdem tempo com declarações irrelevantes. A verdade é que, num mundo em constante transformação e com ameaças cada vez mais difusas, o conhecimento é uma “arma” que ganha importância crescente, como forma de antecipação de cenários e de resposta eficaz a situações complexas.   

 

A próxima cimeira da NATO em Varsóvia

Alexandre Guerra, 03.06.16

 

A 8 e 9 de Julho vai realizar-se a Cimeira da NATO em Varsóvia. Em visita à Polónia esta semana, o secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, fez uma antecipação do que estará na agenda do encontro. Perante os desafios de segurança e também de valores aos fundamentos europeus, pretende-se que nesta cimeira a NATO reforce a sua presença nos países da parte Leste da organização e que se projecte estabilidade para lá das fronteiras da Aliança.

 

Quanto ao reforço da posição da NATO nesses países de Leste, um dos pontos que será discutido tem a ver com a colocação de vários batalhões em diferentes Estados daquela região, embora o secretário-geral da NATO tenha referido que esta medida não tem um carácter ofensivo contra a Rússia. Para já, sabe-se que os três países bálticos e a Polónia irão receber estes batalhões. Além disso, a Polónia anunciou hoje que vai criar uma força paramilitar de 35 mil civis que terão treino militar e que serão distribuídos por várias brigadas territoriais, com o objectivo de estarem preparados para um tipo de conflito como aquele que aconteceu no leste da Ucrânia.

 

Sobre a capacidade de projecção de estabilidade para lá das fronteiras da Aliança, Jens Stoltenberg adiantou que a NATO vai intensificar a cooperação e o treino conjunto com países do Médio Oriente e Norte de África, para que estas regiões possam fortalecer as suas instituições de defesa e forças militares com dois objectivos: reconquistarem território que tenham perdido para forças terroristas, como o Estado Islâmico ou a Al Qaeda; criarem condições mais favoráveis para facilitar a eventualidade de mobilização de tropas da NATO naqueles países.

 

Na próxima cimeira será também discutido o investimento do PIB que cada país faz na área da Defesa, com a meta de dois por cento sempre presente. Outro dos pontos que será também abordado é a cooperação entre a NATO e a União Europeia em matéria de ameaças híbridas, como a ciber defesa e a segurança marítima. 

 

Entretanto, dentro da NATO Response Force (NRF), que conta com 40 mil homens, foi activada há dias a Very High Readiness Joint Task Force (VJTF), que é uma espécie de “ponta de lança” composta por 5 mil homens com capacidade de mobilização em 48 horas em qualquer parte do mundo. Será anunciado, certamente, com entusiasmo e pompa na cimeira de Julho.

 

As movimentações silenciosas da NATO

Alexandre Guerra, 11.02.15

 

Em relação à crise que se vive na Ucrânia, é importante tentar perceber qual o papel da NATO no processo de decisão política. Oficialmente, a Aliança continua empenhada no reforço da parceria Nato-Rússia, no entanto, sabe-se que os mais recentes países da Aliança andam em manobras no Mar Negro e, no passado dia cinco, os ministros da Defesa aprovaram importantes decisões para reforçar uma eventual resposta no âmbito do famoso Artigo 5º. Uma resposta que está focada nas fronteiras oriental e a sul da Aliança, com a criação da “Spearhead Force”, uma brigada de activação rápida com 5 mil homens. Esta brigada terá apoio aéreo, marítimo e de forças especiais e poderá ser reforçada com mais duas brigadas. A NATO garante que a sua força de reacção rápida pode chegar aos 30 mil homens. Além disso, foram instaladas seis unidades de comando e controlo na Bulgária, Estónia, Lituânia, Letónia, Polónia e Roménia. Embora silenciosa, a NATO parece estar a movimentar-se no terreno, na antecipação de uma eventual intervenção militar na Ucrânia.

 

Para reflectir

Alexandre Guerra, 03.09.14

 

No Ocidente, as pessoas ficam chocadas com as barbaridades que se cometem por esse mundo fora, mas esquecem-se que apenas quatro países da NATO gastam, pelo menos, dois por cento do seu PIB em Defesa: os EUA, a Grécia, a Estónia e o Reino Unido.

 

Dos 28 membros da NATO, os EUA são o país que, de longe, mais investe em Defesa, com 4,4 por cento do seu PIB, o que representou no ano passado 735 mil milhões. Os outros 27 países da Aliança gastaram no seu conjunto 288 mil milhões, o que faz uma média de 1,3 por cento do PIB por Estado, um valor bem abaixo dos dois por cento pretendidos pela NATO.

 

Nestas circunstâncias é bastante conveniente que a Ucrânia não faça parte da NATO

Alexandre Guerra, 02.03.14

 

Nas actuais circunstâncias é bastante conveniente que a Ucrânia não faça parte da NATO, porque, caso o fizesse, neste momento os Estados Unidos e aliados tinham um grave problema em mãos: ao abrigo do artigo 5º da Aliança estariam obrigados a retaliar contra a Rússia. É sobretudo naquele artigo que assenta todo o conceito de "defesa colectiva" da NATO, ao enunciar que "um ataque contra um ou vários membros é considerado um ataque contra todos".

 

A afronta de Putin

Alexandre Guerra, 04.08.13

 

 

A decisão do Governo russo em dar asilo político a Edward Snowden não pode deixar ser vista como um "statement" do Kremlin dirigido a Washington. Não se tratou de uma decisão repentina e muito menos inconsciente. Pelo contrário, Moscovo teve muito tempo para ponderar sobre o que fazer com Snowden, enquanto este vagueava pelos corredores do Aeroporto de Sheremetyevo.

 

O Presidente Vladimir Putin (sim, porque a decisão última foi dele) sabia que ao permitir a entrada de Snowden em território russo estaria a afrontar directamente Washington, que fez daquele antigo consultor da NSA o homem mais procurada da América neste momento. Putin, à boa maneira da Guerra Fria, criou um incidente diplomático que vai ter consequências a médio e a longo prazo, tornando-se num dos "casos" que marcarão as relações entre os dois países nos próximos tempos.

 

Washington não vai esquecer a afronta de Moscovo e as consequências a curto prazo já se fazem sentir. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que a administração norte-americana estava "extremamente desapontada". Também vozes republicanas e democratas condenaram a atitude da Rússia e exortam o Presidente Barack Obama a tomar medidas retaliatórias contra Moscovo. Por exemplo, além do boicote diplomático a alguns encontros de alto nível e cimeiras, já há quem fale num novo impulso aos programas de defesa antimíssil na Europa e num novo alargamento da NATO a países contíguos à fronteira da Rússia, como é o caso da Geórgia.

 

A NATO celebra hoje o 62º aniversário

Alexandre Guerra, 04.04.11

 

Os doze ministros dos Negócios Estrangeiros dos países fundadores da NATO em Washington, a 4 de Abril de 1949

 

A 4 de Abril de 1949 os ministros dos Negócios Estrangeiros de doze países assinaram, em Washington, o Tratado do Atlântico Norte, acto fundador da NATO, uma organização intergovernamental política, assente num sistema de defesa colectiva.

 

Entre os países fundadores, estiveram os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a Itália, a França, a Noruega, a Dinamarca, a Islândia e Portugal.

 

Em cima lê-se o nome de José Caeira da Matta, o MNE português que assinou em Washington o Tratado do Atlântico Norte

 

Para relembrar a história desta importante organização, o Diplomata sugere uma visita ao site da Aliança, no qual se pode ver uma apresentação muito dinâmica e interessante. 

 

Não foi um "novo começo", mas a cimeira de Lisboa ficará na história da NATO

Alexandre Guerra, 23.11.10

 

Foto NATO

 

Na ressaca da cimeira da NATO, e depois de aprovado o terceiro Conceito Estratégico desde o fim da Guerra Fria (o primeiro em 1991 e o segundo em 1999), talvez ainda seja oportuno deixar aqui (mais) um contributo para o enquadramento do tema.

 

É inegável o sucesso, a vários níveis, da cimeira de Lisboa. Todo o “guião” foi cumprido, os tratados foram assinados, a liturgia diplomática funcionou e os líderes regressaram aos seus países com “boas novas” para anunciar.

 

Até mesmo o Presidente americano Barack Obama talvez tenha conseguido convencer os senadores republicanos a ratificarem o Novo Start, depois do seu discurso na conferência de imprensa de encerramento, no qual evocou uma das referências-mor do conservadorismo americano, o falecido Presidente Ronald Reagan, e apelou à responsabilidade dos Estados Unidos face aos compromissos assumidos com a Rússia, nomeadamente com o chefe de Estado, Dimitri Medvedev.

 

Não obstante ter sido uma cimeira muito importante, e apesar das declarações de entusiasmo e de enfatização do momento, nada disto deve retirar a capacidade crítica na análise ao seu enquadramento histórico.

 

Os acontecimentos de Lisboa não devem ser vistos como um “novo começo” ou uma revolução nos princípios da Aliança, e muito menos como um ponto de viragem na arquitectura do sistema internacional.

 

O que aconteceu em Lisboa foi o corolário previsível de um percurso doutrinário que começou com a alteração sistémica das relações internacionais imposta com o final da Guerra Fria e que, para muitos analistas, continua por definir (É preciso lembrar que noutros momentos de ruptura sistémica ao longo da História foram precisos longos anos até que se consolidasse o novo paradigma nas relações internacionais).

 

Foi o próprio secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, que na conferência de imprensa de encerramento falou em “reforço” da Aliança para torná-la mais eficaz e comprometida, num registo de continuidade. O “novo começo” de que falou Rasmussen foi em relação à Rússia e teve um carácter mais político, do que propriamente prático ou operacional.

 

E sobre esta questão é preciso ter em consideração dois factores: o início do processo de aproximação da Rússia à NATO tem quase 20 anos; não confundir o relacionamento da Rússia e da Aliança com o da Rússia e de Washington.

 

Em alguns momentos de crise não esteve tanto em causa o relacionamento da Rússia com a NATO em termos práticos, mas sim o diálogo político-diplomático entre Moscovo e Washington.

 

É importante relembrar que o Conselho NATO-Rússia foi estabelecido em 2002, tendo como base um acordo firmado em 1997, fruto de um processo iniciado com o fim da Guerra Fria.

 

É certo que as crises nos Balcãs nos anos 90 ou o conflito na Geórgia, em 2008, prejudicaram algumas áreas de cooperação entre a NATO e a Rússia, mas nunca colocaram em causa o eixo principal da parceria. Ou seja, o registo de conflito nunca foi tão “quente” entre a Aliança e Moscovo como aquele que se verificou ao nível bilateral entre Washington e Moscovo em diversas ocasiões.

 

Este “começar de novo” de que Rasmussen fala é na verdade mais dirigido à relação dos Estados Unidos com a Rússia do que propriamente deste país com a NATO.

 

A parceria entre a Rússia e a NATO, assim com outras áreas inerentes ao funcionamento e missão da Organização, têm tido um enquadramento doutrinário evolutivo, que tem evitado rupturas e momentos de indecisão.

 

Esta, aliás, tem sido uma das principais virtudes de NATO desde o fim da Guerra Fria. Uma dinâmica que não se tem verificado noutras organizações internacionais, nomeadamente a ONU.

 

Para quem conheça minimamente a Aliança, sabe que nos seus corredores, seja no NATO Headquarter, em Bruxelas, no SHAPE, em Mons, ou no Joint Headquarter em Oeiras, tem-se discutido e debatido ao longo dos anos possíveis abordagens e paradigmas para a Aliança responder às ameaças difusas e assimétricas, com o contributo de inúmeros militares e civis de diferentes países.

 

Embora seja no SACT, em Norfolk, que resida a função de elaborar a doutrina da NATO, algo que aliás ficou bem definido no Conceito Estratégico de 1999, a Aliança tem revelado bastante vivacidade em toda a sua estrutura, no que diz respeito à capacidade de produzir ideias e conceitos que possam responder aos desafios emergentes. Uma resposta que já vem de trás e reforçada agora em Lisboa.

 

Por exemplo, poucas pessoas saberão ou estarão recordadas que a primeira vez que a Força de Resposta Rápida da NATO (NRF) interveio de forma significativa, já num contexto de novos desafios e realidades, foi em Outubro de 2005 no apoio às vítimas do terramoto no Paquistão. E dois meses antes, através de aviões da NRF, foram distribuídos mantimentos doados por Estados-membros e parceiros para as vítimas do furacão Katrina no sul dos Estados Unidos.

 

E em 2004, elementos da NRF tinham ajudado a proteger os Jogos Olímpicos de Atenas e prestado apoio nas eleições no Afeganistão em Setembro desse ano.

 

Dotada de interoperacionalidade entre as várias forças militares, com capacidade de mobilização em poucos dias para qualquer cenário em diferentes partes do mundo, a NRF foi uma resposta às novas tipologias de conflitos e de crises.  

 

Algo que a União Europeia tentou implementar através da criação da Força Reacção Rápida (RRF), decidida em Dezembro de 1999, prevendo ter 60 mil homens, 400 navios, e 100 aviões, mas que só em 2007 se tornou formalmente operacional, embora longe de corresponder no terreno ao que foi inicialmente traçado.

 

Post publicado originalmente no Albergue Espanhol