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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

The Wall

Alexandre Guerra, 22.03.11

 

 

Poucos meses depois da queda do Muro de Berlim, com o ano de 1990 já a decorrer, mais concretamente a 21 de Julho, aquela cidade acolhia um dos mais memoráveis e históricos concertos. Entre as Portas de Brandenburgo e a Praça de Potsdam, Roger Waters recriava o famoso The Wall, álbum conceptual dos Pink Floyd lançado em finais de 1979, perante uma assistência no local de mais de 350 mil pessoas e uma audiência televisiva de muitos milhões em 52 países. O The Wall não podia ser mais actual naquela conjuntura.

 

O Diplomataaqui tinha escrito e ontem à noite, no Pavilhão Atlântico, Waters voltou a erguer o “muro” para, de forma apoteótica e sublime, voltar a derrubá-lo, mas desta vez reconciliado com o público e consigo próprio. Mais comunicativo e divertido, Waters tem esgotado todos os concertos desta tournée mundial, iniciando agora em Portugal a etapa europeia. 

 

O concerto, que hoje se repete, consubstancia a perfeição técnica e o esplendor da arte. Musicalmente, o The Wall é magistral, com um argumento denso, mas hipnotizante. Sem dúvida, o The Wall é daqueles concertos raros, que se torna um privilégio para quem assiste, porque, mais do que a música e os efeitos, as pessoas sentem que se tornam parte da história.

 

Aquele espectáculo tinha sido montado apenas 31 vezes entre 1980 e 1981, o número de concertos repartidos por quatro cidades. A tournée acabou por revelar-se um projecto demasiado ambicioso e grandioso, dando prejuízo. No entanto, o The Wall já estava gravado na história.

 

O álbum tinha sido lançado em finais de 1979, para se tornar uma das referências dos Pink Floyd. Foi sobretudo um projecto pessoal de Roger Waters, seu criador, reflectindo o seu distanciamento com o público, os seus medos e angustias perante a indiferença da sociedade e a opressão do poder instituído. Um espelho da sua própria vida, muito marcada pelo papel austero da mãe e pela morte do pai na II GM.

 

O The Wall viria em 1982 ser adaptado para cinema pela mão de Alan Parker que, numa entrevista publicada ontem no jornal i, confessou a dificuldade de trabalhar com Waters. Seja como for, o filme viria a tornar-se uma referência cinematográfica, ficando na memória os brilhantes e provocatórios desenhos animados de Gerald Scarfe, conceituado cartoonista político britânico, e recuperados nos concertos da actual tournée.

 

O The Wall é um autêntico canal de comunicação para fortes mensagens políticas e sociais, que se mantém actual nos dias de hoje, de tal forma que foram feitas algumas alterações nas imagens projectadas durante o concerto e que têm provocado bastante polémica. Além dos políticos e governos, outro dos alvos tem sido as empresas, com a Shell e a Mercedes a serem fortemente visadas. Instituições financeiras e  companhias de área da área do grande consumo são igualmente bafejadas com a ironia e a sátira de Waters.

 

Como ainda ontem se lia no Público, Waters disse em comunicado que os seus medos pessoais de há 30 anos resultaram numa obra que funciona como "alegoria" para conceitos como o "nacionalismo, racismo, sexismo, religião". Waters dedica os concertos "a todos os inocentes mortos nos anos que se passaram".  

 

*Texto publicado originalmente no PiaR.

 

Depois do concerto celebrativo da Queda do Muro, Waters vai recriar o histórico The Wall

Alexandre Guerra, 13.06.10

 

Há 20 anos, mais concretamente a 21 de Julho de 1990, a cidade de Berlim assistia a um dos mais míticos e cénicos concertos rock para celebrar a Queda do Muro, que ocorrera a 9 de Novembro de 1989. Na altura, Roger Waters, já há muito afastado dos Pink Floyd, reunira-se então aos restantes membros da sua antiga banda para recriar o concerto The Wall, que tinha sido tocado ao vivo apenas algumas vezes no início dos anos 80, dada a complexidade e os custos elevados de produção de um espectáculo daquele tipo.

 

Lançado em 1979, algumas das músicas do The Wall acabaram por se tornar num símbolo para várias causas, nomeadamente, políticas e sociais. Das muitas imagens históricas associadas à Queda do Muro de Berlim e aos acontecimentos seguintes que culminaram com a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990, o concerto The Wall, ao qual assistiram no local mais 300 mil pessoas e com transmissão em directo para mais de 50 países, faz sem dúvida parte desse registo.

 

O concerto de Berlim transformou-se num acontecimento de contornos históricos, realizado numa atmosfera política e social ímpar resultante de um dos períodos mais marcantes do século XX, compreendido entre 1989 – com os primeiros movimentos de massas de contestação ao regime soviético e “brechas” na Cortina – e finais de 1991 – com a desintegração da União Soviética.

 

Um período conturbado, mas social e politicamente fértil, e que representou uma ruptura sistémica, que viria a mudar drasticamente o paradigma das Relações Internacionais.

 

Duas décadas depois, Roger Waters anunciou que pretende recriar novamente o The Wall durante o próximo ano em 25 cidades europeias, sendo que Lisboa deverá ser uma delas.

 

Certamente que hoje não se respira a atmosfera política de há duas décadas, esvaziando, de certa forma, o significado político e social dos concertos que se perspectivam, mas, seja como for, Roger Waters não deixará certamente de fazer referência aos muitos “muros” que ainda são necessários derrubar nalgumas partes do mundo.

 

Washington e o Muro

Alexandre Guerra, 07.11.09

 

 

Perante a desconfiança de Londres e da Paris e o receio da União Soviética face à possibilidade do ressurgimento de uma Alemanha unificada, o então Presidente dos Estados Unidos, George H. W. Bush, desempenhou um papel fundamental, através de uma abordagem bastante pragmática à desintegração do Bloco de Leste.
 
Para Washington, a unificação alemã era o corolário de um percurso iniciado “nas ruas de Varsóvia, passando pelas praças de Praga e terminando em Berlim”, visto que a “revolução europeia transformaria a natureza e a expressão dos interesses e das preocupações americanas no continente”.
 
Washington estava ciente de que para obter uma solução satisfatória e que resolvesse um problema criado no pós-II GM teria que envolver Moscovo e o líder da ainda RFA, Helmuth Kohl.
 
Partindo dos pressupostos consignados na Carta das Nações Unidas e na Acta Final de Helsínquia na matéria que diz respeito à preservação das fronteiras, os Estados Unidos, tal como Paris e Londres, tinham a perfeita noção de que a nova Alemanha não poderia enveredar por “caminhos isolacionistas ou unilateralistas”, daí ser tão importante absorvê-la na arquitectura política e de segurança europeia, através da Comunidade Europeia e da NATO. Aliás, o famoso Tratado de Maastricht que vem institucionalmente criar a União Europeia e a revisão do conceito estratégico da Aliança são resultado dessa mesma dinâmica.
 
O problema é que o Kremlin não podia aceitar este quadro de forma totalmente pacífica, porque ao longo do ano de 1990 Gorbachev lutava internamente contra uma corrente mais conservadora no seio do Partido Comunista. Perante este cenário, o líder soviético não podia ceder sem obter antes qualquer tipo de contrapartida. Bush percebeu claramente esta realidade e, desde o início, que tentou apoiar Gorbachev e a sua perestroika, proporcionando todos os meios para uma “soft landing” do desmoronamento do império soviético.
 
Quando em Fevereiro de 1990 Gorbachev dá um passo importante, mas ainda insuficiente, e aceita a unificação da Alemanha sob a condição de neutralidade, ou seja, fora da NATO, a Casa Branca propôs ao Kremlin várias garantias, já que não podia aceitar a exclusão alemã da Aliança.
 
Entre as várias garantias propostas, destacam-se a aceitação da permanência de forças soviéticas no território da ex-RDA, a não extensão de forças da NATO a leste do Elba durante um período de transição, a não alteração das fronteiras da Alemanha e, claro está, ajudas económicas à União Soviética.
 
Além disso, na Cimeira de Londres da NATO, em Julho de 1990, o Pacto de Varsóvia deixava de ser considerado como um inimigo. Duas semanas mais tarde, seria o próprio Gorbachev a informar Kohl de que aceitava a permanência da Alemanha unificada na NATO. Estava assim vencido o último obstáculo para a reunificação alemã.
 

As primeiras “brechas” na Cortina de Ferro

Alexandre Guerra, 06.11.09

 

Lech Walesa, principal rosto da revolta polaca nos anos 80

 

Um dos homens que mais directamente esteve relacionado com a queda do Muro de Berlim foi Egon Krenz, secretário-geral do comité central do partido comunista e líder da RDA entre o curto período de 18 de Outubro a 3 de Dezembro de 1989. Krenz foi o responsável pela abertura de várias fronteiras da RDA, como forma de aliviar a pressão que se começava a abater sobre o regime comunista daquele país. A autorização de passagem nalguns pontos do Muro de Berlim inseria-se nessa lógica.
 
Aliás, foi precisamente devido à pressão da opinião pública que o histórico líder comunista Erich Honecker teve que se demitir da liderança dos desígnios da RDA a 18 de Outubro de 1989, sugerindo o nome de Krenz para seu sucessor. 
 
Aquelas horas de 9 de Novembro precipitariam um efeito dominó que iria culminar na implosão da União Soviética no Natal de 1991 e, consequentemente, no enterro do sistema de Guerra Fria. Em poucos meses, todo um paradigma de relações internacionais era remetido para as calendas do tempo, naquilo que muitos viram como o “fim da História” ideológica.
 
A divisão física e ideológica da Europa, e a consequente aceitação por parte do Ocidente desta realidade, permitiu que durante sensivelmente quarenta anos o mundo ocidental e comunista vivessem separados por uma “Cortina de Ferro”, politicamente tolerada, e que tinha a sua expressão máxima no Muro de Berlim.
 
A queda do Muro foi assim vista pelo Ocidente como uma vitória da luz sobre as sombras que pairavam para lá da “Cortina”. Foi uma ruptura no sistema internacional e que pôs fim à ordem pós-II Guerra Mundial.
 
Por si só, a queda do Muro não foi uma causa, mas terá sido já uma consequência das “brechas” que o regime comunista ia revelando, quer na União Soviética, quer nos seus satélites. A queda do Muro de Berlim acabou, assim, por ter um efeito acelerador nas mudanças profundas que já se faziam sentir em vários países da Europa de Leste, sobretudo a partir dos anos 80.
 
Por um lado, a insustentabilidade económica do regime comunista para manter-se a si e aos seus satélites, por outro, as fissuras políticas e sociais que já começavam a ser muito incómodas para Moscovo. A Polónia e a Hungria são talvez os melhores exemplos da oposição e da emancipação política face ao Kremlin.
 
A Solidariedade de Lech Walesa foi a expressão mais visível da oposição ao Governo polaco, obrigando-o a 31 de Agosto de 1980 a firmar os históricos “acordos de “Gdansk”. Nas palavras de Lesourne e Lecomte foram acordos “efémeros, mas pelo menos revelaram-se como “a primeira grande brecha institucional no sistema comunista”.
 
Esta dinâmica de corrosão interna do regime comunista polaco, associada aos movimentos reformistas da perestroika e da glasnost protagonizados por Mikhail Gorbachev na União Soviética, conduziu à criação de uma mesa redonda entre o Governo de Varsóvia e a Solidariedade. A 5 de Abril de 1898 realiza-se esse encontro, que acabaria por iniciar um processo de democratização do poder, que viria a culminar nas eleições livres de Maio de 1990. Pelo meio, os acontecimentos de Berlim vinham apenas acelerar a “morte” do comunismo polaco.
 
Mas, quando se fala em brecha na “Cortina de Ferro” é obrigatório referir-se a Hungria enquanto país que, embora sob influência de Moscovo, conseguiu adoptar um pragmatismo político e económico que a conduziu para um estádio de desenvolvimento bastante acima de muito dos outros países do bloco comunista.
 
Uma espécie de “ocidentalização subterrânea”, que no final dos anos 80 começa a revelar-se à luz do dia, aproveitando as “aberturas” de Moscovo. Como resultado, a 11 de Fevereiro de 1989 o Partido Socialista Operário húngaro pronuncia-se a favor do multipartidarismo.
 
O primeiro passo tinha sido dado e o aparelho comunista daquele país começava a soçobrar, com o poder governativo a ser tomado de assalto pelos mais reformadores que, a 2 de Maio de 1989, ordenam a abertura de um ponto de passagem na fronteira da Hungria com a Áustria. Este é o acontecimento que espoleta meses mais tarde a queda do Muro.
 
Após aquela decisão, rapidamente a brecha fronteiriça se transforma num buraco gigantesco, através do qual milhares de pessoas tinham a oportunidade de alcançar o tão prometido Ocidente.
 
A embaixada da República Federal Alemã (RFA) em Budapeste foi assolada por pedidos de vistos por parte de “turistas” da RDA ansiosos por “visitar” Berlim Ocidental. O processo repetiu-se nas embaixadas da RFA em Varsóvia e em Praga. Em apenas um fim-de-semana, milhares de alemães de Leste passaram para o Ocidente.
 
Daqui até a queda do Muro foi um instante, um acto que culminaria em termos políticos com a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990. O muro só viria ser totalmente desmantelado um ano mais tarde, ficando apenas de pé algumas secções para homenagear a História.
 

A queda do Muro de Berlim foi há 20 anos

Alexandre Guerra, 05.11.09

 

 

 

Em tempos, o autor destas linhas leu que os verdadeiros afortunados são todos aqueles que em determinado momento da sua vida presenciam um acontecimento de dimensões históricas, cujas consequências se perpetuam nas sociedades ao longo dos tempos. Uma visão algo poética, mas certamente partilhada pelas milhares de pessoas que a 9 de Novembro de 1989 assistiram e participaram num dos momentos mais marcantes dos tempos pós-modernos: a queda do Muro de Berlim.
 
Celebram-se agora 20 anos sobre aquele acontecimento, iniciado poucas horas após a conferência de imprensa do responsável pela comunicação do Governo da República Democrática Alemã (RDA), Guenter Schabowski, para anunciar que os cidadãos de Berlim Leste poderiam visitar a parte ocidental da cidade. Embora a sessão plenária do comité central do partido comunista (SED) tivesse acordado que a medida só devia entrar em vigor dias mais tarde, Schabowski desconhecia esse facto, acabando por dizer, erradamente, aos jornalistas que a mesma tinha efeitos imediatos.
 
Foi apenas uma questão de horas até que milhares de berlineses se juntassem dos dois lados do muro, vivendo momentos de festividade e de celebração, anunciando o fim de uma trágica história que se iniciara na manhã do dia 13 de Agosto de 1961, quando o Governo da RDA decidiu pôr cobro ao massivo movimento migratório de Berlim Leste para a zona ocidental, que se fazia sentir desde a chegada do Exército Vermelho a território alemão, em 1945.
 
Relembre-se que a “libertação” da Alemanha assumira rapidamente contornos de “ocupação”, através da “sovietização” de todo o território compreendido entre Berlim e Moscovo. A cidade alemã passou a ser a fronteira entre a Europa ocidental e o império comunista. O famoso Checkpoint Charlie, hoje um local de peregrinação turística, é o símbolo mais conhecido dessa barreira política e militar entre dois mundos, cujas visões das relações internacionais eram concorrentes e incompatíveis.
 
A queda do Muro de Berlim representou o desmoronar de uma Europa de Leste erigida sobre os escombros da II Guerra Mundial, e que à luz dos interesses do equilíbrio do sistema bipolar mantinha um conjunto de Estados sob o jugo do poder soviético.
 
Como escreveram o antigo director do Le Monde, Jaqcques Lesourne, e o jornalista francês, Bernard Lecomte, no seu livro “O Pós-Comunismo do Atlântico aos Urais” (Bertrand Editora), o “ano de 1989 permanecerá na História como o da queda dos regimes comunistas da Europa de Leste. De Varsóvia a Budapeste, de Berlim Leste a Praga, de Sófia a Bucareste.
 
Em poucos meses, todo o edifício erigido por Estaline entre 1945 e 1949 se afundará como um castelo de cartas”. Com isto, assistia-se ao fim de um confronto de ideias universais, defendidas por dois campos irreconciliáveis.