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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Os espiões sabem que os seus países não têm "amigos"

Alexandre Guerra, 31.07.14

 

 

Por definição, nas Relações Internacionais não há países amigos, apenas aliados ou inimigos. Não é por isso de estranhar que mesmo as relações entre agências de "intelligence" de países aliados sejam marcadas por alguma desconfiança e opacidade. Por exemplo, são muitas as histórias de engano e de dissimulação entre a CIA e a ISI (serviços secretos paquistaneses) e vice-versa. O mesmo se pode dizer na dinâmica comunicacional entre a Mossad e a CIA (e vice-versa).

 

Há um caso dos tempos da Guerra Fria bem demonstrativo da desconfiança instalada entre as secretas americanas e israelitas. A determinada altura, Washington queixa-se que os seus colegas espiões israelitas não estariam a passar a informação necessária sobre um determinado assunto e, como tal, exigiram uma maior cooperação. Os homens da Mossad não querendo, por um lado, desrespeitar o pedido da CIA e, por outro, abrir o "jogo" todo com os seus homólogos americanos, optaram por uma solução cínica, mas engenhosa: passaram a enviar montantes gigantescos de informação, atulhando de tal forma os analistas da CIA que os impossibilitava de se focarem com atenção em áreas sensíveis para Israel.      

 

SIS, uma história secreta nunca revelada e agora contada pelo Diplomata

Alexandre Guerra, 03.08.11

 

 

 

Por motivos diferentes, é recorrente, de tempos a tempos, surgir na agenda mediática e no debate político português alguma história (ou talvez estória) relacionada com os serviços secretos. Seja os Serviços de Informação de Segurança (SIS) ou os Serviços de Informação Estratégicas de Defesa (SIED), trata-se sempre de um tema aliciante, embora na maior parte das vezes o assunto surja devido às suas ramificações políticas e não necessariamente a temas relacionados com a actividade, propriamente dita, daquelas entidades.

 

O Diplomata confessa que pouco ou nada sabe sobre a actividade e os métodos do SIS ou do SIED. O que não será propriamente anormal, tendo em conta a natureza secreta daquelas organizações.

 

Ao contrário do que se passa com outras agências do género noutros países, tais como a CIA, a Mossad, a ISI, o FSB, o MI5 ou o MI6, no caso do SIS ou do SIED a literatura existente é escassa, as informações rareiam e as duas organizações são bastante fechadas, não permitindo olhares indiscretos sobre as suas estruturas, orgânicas e acção.

 

É também por isso que o Diplomata estranha aquilo que algumas vozes opinativas, que andam pelos jornais e televisões, têm dito sobre a importância e actividade dos serviços secretos, a propósito da mais recente polémica em torno dos e-mails enviados pelo ex-director do SIED, Jorge Silva Carvalho, para a Ongoing, empresa para a qual passou a trabalhar poucas semanas depois de ter deixado as secretas.

 

Brasão comemorativo dos 25 anos do SIS (1985-2010)

 

Num dos textos que o Diplomata leu, o seu autor, director de um jornal, portanto alguém com responsabilidades acrescidas e dever de objectividade, tecia uma série de considerações que ridicularizava o papel das secretas em Portugal, relegando-as para uma brincadeira de alguns senhores. O tom chegava a ser ofensivo.

 

Ora, este não é um discurso isolado e há quem tenha esta opinião em Portugal sobre os seus serviços secretos.

 

A questão principal, e sobre a qual todos deveriam reflectir, deveria passar por tentar perceber-se o papel das secretas nas sociedades modernas. E aqui as pessoas devem abstrair-se daquilo que sabem e ponderar sobre aquilo que não sabem. Devem ter em consideração não os atentados que vão ocorrendo por esse mundo fora, mas aqueles que já foram evitados devido à acção dos serviços secretos.

 

Mas ainda em relação ao trabalho dos serviços secretos portugueses, o autor destas linhas talvez até saiba um pouco mais do que aqueles que sem hesitação desvalorizam a actividade das agências de “intelligence” nacionais.

 

A história nunca foi contada publicamente, mas vários anos volvidos, poderá ser um contributo elucidativo para que os leitores deste espaço tenham um vislumbre sobre a actividade das agências nacionais.

 

Alguns dias depois do 11 de Setembro, o estado de alerta e de pânico era global. Agências de “intelligence”, forças armadas, polícias, e outras entidades em todo o mundo estavam empenhadas em procurar pistas, rastos e informação sobre a al Qaeda e eventuais novos ataques.

 

Na altura, o autor destas linhas vivia ainda os seus tempos de jornalista no Semanário, estando precisamente a trabalhar sobre este assunto, desde o primeiro embate do avião numa das torres do World Trade Center.

 

Algunas dias depois a seguir aos atentados, o autor destas linhas, que estava na redacção a “fechar” o jornal para sair na Sexta, recebeu uma “dica”, já ao final da tarde de Quinta, informando que Osama bin Laden teria estado ou passado em Portugal. A “fonte” era credível, já que a informação vinha de alguém ligado à Embaixada americana.

 

Com o tempo a escassear, uma vez que o jornal estava praticamente fechado, o autor destas linhas tentou por todos os meios confirmar a veracidade desta informação, numa altura em que a confusão era bastante no que diz respeito à clarificação de inúmeros dados que iam chegando de todos os lados.

 

Com poucas opções para confirmar a veracidade aquela “dica”, e estando excluída a via da embaixada americana, porque este autor não tinha acesso directo à “fonte”, foi tentada uma última possibilidade. Bater directamente à porta do SIS.

 

O autor destas linhas não tinha qualquer contacto próximo no SIS, mas não deixou de tentar a sua sorte. E surpreendentemente, depois de devidamente identificado, lá foi possível chegar à fala com alguém daquela agência que se apresentou apenas pelo primeiro nome.

 

O autor destas linhas recorda que ainda tentou conseguir um segundo nome, mas o interlocutor limitou-se a reiterar apenas o primeiro nome, sempre num tom educado e muito prestável.

 

De forma aberta e frontal, foi colocada ao “homem” do SIS a questão. Este, num registo cordato, mas claramente conhecedor da situação, respondeu algo que o autor destas linhas nunca mais esqueceu.

 

À pergunta se Osama bin Laden teria estado ou passado por Portugal, o agente limitou-se a dizer num tom clarificador e de sincera ajuda o seguinte: “Olhe que a família de bin Laden é muito grande.” E mais não disse. Porém, a verdade é que já tinha dito muito. O autor destas linhas iria confirmar isso mesmo mais tarde.

 

Com esta resposta, percebeu-se de imediato que o SIS não teria provas ou indícios de que Osama bin Laden tivesse passado ou estado em Portugal. No entanto, a resposta do “homem” do SIS pressuponha que haveria algo a investigar e com interesse jornalístico.

 

A informação era boa, mas faltava a sustentação factual e com o jornal a fechar optou-se por não avançar com a matéria.

 

Dias depois, a Rádio Renascença avançava com a notícia de que familiares de bin Laden tinham uma fábrica de conservas no Algarve. Um investimento inofensivo, mas deveras interessante à luz daquilo que dias antes o autor destas linhas ouvira do SIS.

 

Perante isto, ficou claro que o SIS não “andava a dormir” e poucos dias depois do 11 de Setembro já tinha um rasto concreto de pessoas com ligações ao líder da al Qaeda.

 

Segredos diplomáticos e histórias de espiões

Alexandre Guerra, 03.12.10

 

 

Os muitos documentos da diplomacia americana revelados publicamente pelo Wikileaks, naquela que será a maior fuga de informação de sempre, trouxe à memória do autor destas linhas duas histórias de segredos e de espiões.

 

Duas histórias reveladoras dos diferentes níveis de importância quando se fala de segredos ou de “intelligence” recolhida nos corredores da diplomacia. Porque, se é verdade que muita da informação agora divulgada terá pouca relevância, mesmo em termos históricos, existe uma outra parte que deve ser analisada com todo o cuidado e devidamente enquadrada.

 

É preciso não esquecer que os telegramas têm uma longa tradição nos bastidores das relações internacionais, tendo estado muitas das vezes na base de importantes acontecimentos sistémicos.

 

E poucas missivas terão sido tão importantes como o “longo telegrama” enviado por George Kennan, em Fevereiro de 1946, da embaixada americana em Moscovo para Washington. Numa resposta ao Departamento de Estado, sobre algumas questões internas do regime comunista no pós-II GM, Kennan, na altura alto funcionário da missão americana em Moscovo, fez uma leitura profunda sobre as razões que estavam na origem do comportamento dos líderes comunistas e da sociedade em geral.

 

E começa assim: “I apologize in advance for this burdening of telegraphic channel; but questions involved are of such urgent importance, particularly in view of recent events, that our answers to them, if they deserve attention at all, seem to me to deserve it at once.”

 

Este documento confidencial ficou conhecido na História como The Long Telegram e acabou por influenciar o pensamento doutrinário e estratégico dos líderes americanos, contribuindo na moldagem do sistema de Guerra Fria.

 

Um processo que viria a consolidar-se em 1947 com a publicação de um ensaio chamado The Sources of Soviet Conduct adaptado do famoso telegrama publicado na revista Foreign Affairs, mas que foi assinado simplesmente por um misterioso X, com o intuito de proteger a identidade de Kennan.

 

O contributo informativo de Kennan iria estar na origem daquilo que viria a ser a visão realista dos Estados Unidos em relação à União Soviética e que, em parte, se iria materializar na famosa doutrina de contenção durante um longo período da Guerra Fria.

 

O The Long Telegram é um bom exemplo da extrema importância que as informações recolhidas pelas missões diplomáticas podem ter nas relações políticas entre as nações.

 

Por outro lado, este autor lembra-se de uma outra história que revela precisamente o contrário. Quando a informação confidencial passa a ser instrumentalizada num autêntico jogo de espiões, com o mero objectivo de confundir os actores que percorrem os corredores do poder.

 

Na ressaca dos sangrentos atentados dos Jogos Olímpicos de Munique, em Setembro de 1972, com a morte de 11 atletas e treinadores israelitas, a primeira-ministra hebraica, Golda Meir, declarou guerra à organização Setembro Negro, ordenando os agentes secretos da Mossad a perseguir e assassinar os terroristas envolvidos. Diz-se que nesta operação de retaliação, a Mossad terá eliminado 12 operacionais do Setembro Negro.

 

Durante toda esta operação as secretas israelitas não olharam a meios para alcançarem os seus fins, e como forma de “sossegarem” os seus aliados, criando a ilusão de que os mantinham informados, a Mossad “começou a alimentar os serviços secretos europeus e a CIA com tanta informação que eles nem sabiam já o que fazer dela. […] Esta inundação do mercado com informações era capaz de não ser boa para ninguém, se bem que pelo menos ninguém pudesse dizer mais tarde que não fora informado”.

 

Ao contrário da primeira história, onde o “report” feito por Kennan teve um objectivo genuíno de “intelligence”, neste último caso, a informação veiculada pela Mossad através dos canais diplomáticos visava meramente criar uma cortina de fumo sobre as actividades das secretas israelitas.

 

Post publicado originalmente no Albergue Espanhol