Estava-se no dia 13 de Novembro de 1986 quando o então Presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, traçou um cenário pessimista relativo à intervenção militar do seu país no Afeganistão. “Estamos a lutar há anos e se não mudarmos de estratégia estaremos aqui mais 20 ou 30”, disse o líder durante uma reunião do Politburo.
Corria então o sétimo ano de guerra e os 110 mil soldados soviéticos continuavam sem conseguir derrotar os mujahedin. Oito mil homens do Exército Vermelho já tinham morrido e 50 mil ficado feridos. Do lado afegão os mortos contavam-se às centenas de milhar.
Perante este cenário, Gorbachev acrescentou ainda: “Nós não estamos a conseguir aprender a forma de travar a guerra. Nós tínhamos definido um objectivo: promover um regime amistoso no Afeganistão. Mas, agora, temos que acabar com este processo o mais rápido que conseguirmos.”
Palavras que, de certa forma, se assemelham àquilo que o Presidente americano Barack Obama e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, disseram recentemente sobre o actual conflito no Afeganistão.
O Diplomata não gosta de comparações entre diferentes realidades históricas, no entanto, já ilações devem ser tiradas do envolvimento soviético no Afeganistão durante os anos 80.
O historiador Victor Sebestyen aconselha mesmo, num artigo de opinião na edição de Novembro da revista Prospect, que os actuais líderes americano e britânico analisem com atenção os mais recentes documentos disponibilizados por Moscovo a investigadores russos e americanos sobre os últimos anos da era soviética e o seu envolvimento no Afeganistão.
É certo que os contornos são diferentes e qualquer comparação arrisca-se a ser um exercício desvirtuado. Porém, há algo em comum entre estes dois conflitos no que respeita às motivações e dilemas das lideranças políticas.
Então, tal como hoje, Gorbachev era um líder recém-chegado ao poder e herdava nas mãos um conflito prolongado, oneroso e sem fim à vista, tal como aconteceu com Obama e Cameron.
Quando em Março de 1985 ocupou o Kremlin, Gorbachev disse de forma convicta que a retirada do Afeganistão seria a sua prioridade. Uma declaração feita numa perspectiva política e dirigida à opinião pública, mas desligada da verdadeira realidade do conflito. Gorbachev rapidamente percebeu que a tarefa a que se propôs era praticamente impossível de concretizar sem que com isso a União Soviética “perdesse a face”.
Um dilema com o qual Obama e Cameron se viram confrontados mal chegaram aos seus gabinetes, obrigando-os a refrear os ímpetos de debandada do Afeganistão.
A retirada soviética do Afeganistão sem qualquer ganho no terreno teria sempre consequências desastrosas para o império. Quando em Fevereiro de 1989 os últimos soldados soviéticos abandonam o Afeganistão deixavam para trás 15 mil camaradas mortos.
Política ou estrategicamente a União Soviética nada ganhara com a intervenção no Afeganistão, tendo pelo contrário, sido humilhada e ferida de morte na projecção da sua imagem enquanto super potência militar.
Dois anos depois e algumas revoluções pelo meio dava-se a implosão do império soviético e o desmembramento da URSS. O desastre no Afeganistão não foi a única causa do fim da Guerra Fria, mas foi certamente o catalisador que precipitou a derrocada do Pacto de Varsóvia e da URSS.