Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Como foi possível que Londres deixasse a Escócia chegar à beira da independência?

Alexandre Guerra, 08.09.14

 

Os sinais de alerta soaram em Londres (e também na Europa) depois de conhecida a primeira sondagem a dar vantagem ao "sim" à independência da Escócia, divulgada este Domingo pelo Sunday Times. Motivo de grande satisfação para o primeiro-minstro escocês, Alex Salmond, que vê 51 por cento dos inquiridos a optarem por deixar o jugo de Sua Majestade no referendo do próximo dia 18.

 

Por outro lado, o trabalhista Alistair Darling, coordenador da campanha pelo "não", deve estar a pensar como é que foi possível Londres deixar que as coisas chegassem a este ponto. E, de facto, foi precisa muita inabilidade e falta de jeito por parte do Governo de David Cameron para permitir que Salmond esteja agora a levar dele por diante.

 

Porém, para quem tivesse acompanhado este processo desde o início, talvez conseguisse antecipar o que se está a passar neste momento. Quando em Novembro do ano passado Alex Salmond apresentou o "white paper" de 670 páginas com as linhas orientadores para o futuro Estado independente, Darling reagiu da pior forma possível, considerando aquele documento uma "obra de ficção", sem soluções credíveis. 

 

Logo na altura, o Diplomata referiu que as palavras de Darling podiam ser contraproducentes e iam contra os interesses que ele defendia. E perante isto, o autor destas linhas sublinhava o seguinte:

 

O Governo britânico não ganhará nada em polarizar o discurso entre o "sim" e o "não" à independência e, muito menos, em desvalorizar um documento que, bem ou mal, deverá ser levado a sério pelos escoceses na hora de votar e que poderá ter alguns contributos importantes na sua perspectiva, independentemente do seu voto. Além do mais, quanto mais agressivo for o discurso de Londres, mais hostis ficarão os escoceses que, numa situação limite e de revolta e não tanto pela condição da independência em si, poderão optar pelo voto de protesto contra o Reino Unido.  

 

Perante isto, o Governo britânico terá que reformular a sua estratégia de promoção e de campanha a favor da manutenção da Escócia sob a Coroa de Sua Majestade. E a primeira coisa a fazer é respeitar o documento apresentado por Alex Salmond, estudá-lo e identificar as suas vulnerabilidades. A partir daqui, Londres terá que convencer os escoceses das virtudes da União.

 

É certo que muitos escoceses poderão pensar que essas virtudes já eles conhecem bastante bem, fruto da sua vivência desde há muito no Reino. Mas é por isso que Darling vai ter que trazer qualquer coisa nova para esta campanha, uma espécie de recompensa, caso os escoceses optem pela manutenção no Reino Unido.

 

Ora, isto foi escrito há quase um ano, mas só agora Londres, através do seu ministro do Tesouro, George Osborne, parece estar a seguir a estratégia acima descrita, com a promessa de algumas medidas de maior autonomia para a Escócia caso se mantenha no Reino Unido. O problema é que agora pode já ser tarde demais e, pior do que isso, poderá ser visto como uma acção de desespero por parte de Londres. 

 

Sua Majestade em defesa da BP

Alexandre Guerra, 03.12.13

 

O Diplomata escrevia há uns meses, a propósito do acidente da plataforma petrolífera Deepwater Horizon, no Gofo do México, em 2010, onde morreram 11 trabalhadores, provocando o maior desastre ambiental nos Estados Unidos, que "a BP, tal como se conhece, poderia estar condenada". E acrescentava que, "efectivamente, os custos totais em perdas previstos pela companhia estarão acima de uns astronómicos 42 mil milhões de dólares". Notava-se ainda que "nem uma empresa como a BP poderá estar em condições de assegurar tão avultados encargos, sobretudo numa altura em que a empresa enfrenta outros desafios". Na altura, o Diplomata citou ainda o Daily Mail,  porque a "questão que se coloca é saber onde a BP vai buscar o dinheiro caso os custos continuem a aumentar". 

 

Desde então, a situação da BP não tem melhorado, levando agora a empresa a pedir ajuda ao Governo britânico para que intercedesse junto das autoridades americanas para que estas revoguem a proibição decretada pela Environmental Protection Agency (EPA), no ano passado, de qualquer contrato com aquela petrolífera nos Estados Unidos.

 

Londres alega que a medida decretada pela EPA terá sido exagerada e que pode colocar em causa empregos britânicos e fundos de pensões. No documento enviado para o tribunal de recurso contra a proibição, lê-se que o "o Governo de Sua Majestade" considera "excessiva" a medida da EPA e mostra-se "preocupado" com as "consequências económicas sérias e injustificadas".

 

Ora, esta é a primeira vez que o Governo britânico intervem na defesa dos interesses da BP no âmbito deste processo, num claro sinal de que as coisas não estão bem, podendo especular-se sobre a hipótese da companhia estar numa situação bem pior do que aquela que publicamente se conhece. Aliás, o tom do documento enviado por Londres é bastante assertivo na forma como qualifica a decisão da agência federal norte-americana.

 

Um tsunami muito previsível

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

A anarquia reina nas ruas do Cairo/Foto: K. Desouki (AFP)


Sem grande surpresa, o Egipto está a ferro e fogo e ninguém parece ter mão na "rua". "Rua", essa, onde o poder caiu. Não agora, mas a partir do momento em que a eufórica Primavera Árabe se propunha, ingenuamente, levar a democracia aos povos. As chancelarias ocidentais embarcaram nesta aventura politicamente correcta, desprezando as lições da história e o realismo da Política.

 

Desde entao, ou seja, há mais de dois anos, que a Primavera se transformou num Inverno sangrento para muitos paises muçulmanos do Norte de África e do Médio Oriente. A Síria é o exemplo mais trágico. Foi uma espécie de tsunami que, ao contrário dos de origem natural, era bastante previsível. Aliás, o Diplomata, um simples observador das relações internacionais, já tinha alertado, mais que uma vez, para o potencial perigo desta caminhada para o "fim da História", em versão muçulmana. 

 

O resultado está à vista, certamente com Washington, Londres e Bruxelas comprometidas com o seu próprio fracasso, ao olharem para o Egipto numa situação de descontrolo inédito nas décadas mais recentes da história daquele País. 

 

Sinais dos tempos de mudança

Alexandre Guerra, 09.11.12

 

O Reino Unido vai deixar de providenciar ajuda financeira à Índia a partir de 2015, anunciou esta Sexta-feira a secretária do Desenvolvimento Internacional, Justine Greening. A partir dessa data, Londres passará a dar apenas apoio técnico àquele Estado asiático. 

 

Nos próximos dois anos está ainda prevista a doação de 319 milhões de dólares, mas depois disso Londres considera que já não faz sentido continuar com este tipo de política, tendo em conta o crescimento económico e de estatuto da Índia.

 

Uma posição certamente partilhada pelo Governo indiano que, orgulhosamente, vê o seu país assumir um papel cada vez mais preponderante no sistema internacional. Aliás, o correspondente da BBC News em Nova Deli referia que esta decisão não tinha causado qualquer surpresa às autoridades indianas.

 

Cameron pede desculpa depois de ter falhado retirada dos seus cidadãos da Líbia

Alexandre Guerra, 24.02.11

 

O Governo britânico enfrentou vários problemas na evacuação dos seus cidadãos da Líbia, acabando por atrasar a sua retirada daquele país, o que causou enormes críticas à forma como o processo foi gerido.

 

Ao contrário do que tem sucedido em Portugal, onde os casos de incompetência na gestão da "coisa pública" se vão sucedendo sem uma assumpção de culpa por parte do chefe do Governo, no caso britânico, o primeiro-ministro, David Cameron, "desfez-se" em desculpas sinceras e explicações detalhadas sobre o sucedido. 

 

É verdade que o mal está feito, mas fica sempre bem a um chefe do Governo assumir os seus erros e mostrar-se solidário com os seus cidadãos num momento de crise particularmente difícil.

     

Mais uma cena (repetida) do filme sobre o dossier nuclear iraniano

Alexandre Guerra, 07.02.10

 

 

O chamado "dossier" iraniano assemelha-se cada vez mais a um filme entediante, cheio de clichés e composto por uma sucessão de cenas repetidas.

 

Nos últimos anos, o processo negocial em redor da questão nuclear iraniana tem sido um "repeat" constante, com uma cascata de propostas do "Ocidente" e respectivas recusas do Irão. Pelo meio, normalmente, existe um período em que os intervenientes tentam passar a ideia de que acreditam verdadeiramente na virtude de tal processo, mas efectivamente, já todos sabem que o desfecho é mais do que prevísivel, ou seja, totalmente inócuo. 

 

Mais uma recusa de Teerão, e consequente contra-ataque, e lá volta o "Ocidente" a demonstrar os seus receios e apelar à comunidade internacional que não ceda às "chantagens" do regime iraniano. 

 

Na imprensa internacional, as notícias vão-se repetindo ciclicamente.

 

Veja-se, por exemplo, o artigo deste Domingo da BBC News: Iran makes new uranium enrichment challenge. Quantas vezes o Diplomata já leu este título em diferentes jornais e em diferentes momentos. 

 

Desta vez, a notícia refere-se à "cena" mais recente: o Ocidente tinha feito em Outubro uma proposta ao Irão, igual a tantas outras, e que consistia na exportação do urânio enriquecido do Irão para outros países que o pudessem processar em combustível nuclear para depois ser devolvido ao Irão, de modo a ser utilizado em "fins pacíficos".

 

Ora, pela enésima vez, o regime de Teerão recusou mais esta proposta há uns dias, provocando as habituais reacções "inflamadas" das chancelarias ocidentais, que ameaçaram de imediato com novas sanções. Quanto a Moscovo e a Pequim, o mesmo registo de sempre, apelando à "paciência" de ambas as partes.

 

Teerão, seguindo o "guião" à risca, contra-ataca e o Presidente Mahmoud Ahmadinejad anunciou há poucas horas na televisão estatal que vai aumentar os índices de enriquecimento de urânio para 20 por cento. Relembre-se que para a utilização em fins pacíficos, como a produção de electricidade, basta apenas um enriquecimento de 3 por cento, enquanto que para a aplicação em fins militares os níveis situam-se nos 90 por cento.

 

No meio de tudo isto, os vários registos noticiosos vão escrevendo esta frase:

"Western countries fear Iran is trying to develop nuclear weapons. But Tehran insists its programme is peaceful." Esta frase, que também já foi lida por este autor alguma centenas de vezes, assume quase um registo de informação institucional, daquela que se pode encontrar no final dos comunicados depois de um entretítulo "Sobre o" ou "About the".

 

... E de repente todos se lembraram que havia um problema chamado Iémen

Alexandre Guerra, 10.01.10

 

Em Setembro último, o Diplomata escrevia neste espaço um texto sobre a sensível situação que se vivia no Iémen, um estado à beira de se fragmentar e de se tornar um santuário de terroristas. 

 

E já na altura, o Diplomata referia que o "Iémen tem sido um dos palcos mais activos nas movimentações terroristas e antiterroristas desde os atentados do 11 de Setembro. Foi aliás neste país que a CIA procedeu pela primeira vez a assassinatos selectivos no âmbito da "guerra ao terrorismo" lançada pelo ex-Presidente George W. Bush".

 

Mas o mais intrigante no meio disto tudo é que o Diplomata chegou a esta conclusão sem que tivesse acesso a toda a informação de "intelligence" que, certamente, Londres e Washington têm ou às fontes e recursos que os principais meios de comunicação social internacionais dispõem.

 

À excepção da BBC News, o Iémen tinha estado até há uns dias praticamente ausente das notícias internacionais, apesar se verificar uma agitação terrorista muito preocupante naquele país.

 

Atendendo à estranha repentina preocupação de Washington e de Londres com aquele país, após o atentado falhado no voo da Delta Airlines no dia de Natal, o Iémen ficou sob os holofotes da imprensa internacional.

 

Uma das falhas da "guerra ao terrorismo" iniciada após os atentados do 11 de Setembro, prende-se com o facto das atenções terem sido praticamente exclusivamente focadas nos palcos do  Iraque e do Afeganistão, remetendo, muitas das vezes, para o esquecimento alguns teatros secundários, sobretudo em África e na Ásia, que têm registado um aumento de actividade terrorista.

 

O próprio Paquistão, um actor preponderante na guerra ao terrorismo, não tem tido a merecida atenção por parte da imprensa internacional, embora neste caso Washington e Londres parecem estar muito atentos ao que se passa naquele país nuclear.

 

Blair: I would have invaded Iraq anyway

Alexandre Guerra, 12.12.09

 

“Blair: I would have invaded Iraq anyway”, lê-se este Sábado na versão impressa do The Guardian, antecipando a entrevista que vai passar amanhã na BBC1, na qual o antigo primeiro-ministro britânico, Tony Blair, reforça a sua convicção no apoio político e militar dado a Washington para a invasão do Iraque em 2003.

 

Ao ler isto, o Diplomata não pôde deixar de notar a oportunidade desta entrevista, já que há poucos dias aqui neste espaço tinha sido abordada precisamente a problemática do Iraque.

 

Nesse mesmo texto falava-se num processo decisório confuso e politicamente desonesto levado a cabo por um grupo restrito de pessoas em Londres e em Washington, sob pressupostos ideológicos, apesar de se ter criado um suposto “casus belli” assente num enredo chamado de “armas de destruição maciça”.

 
Na altura, foram vários os alertas e os avisos para os riscos de uma “aventura” no Iraque, vindos de todos os quadrantes, inclusive de pessoas próximas do então Presidente George W. Bush e de Tony Blair.
ger
Por exemplo, na notícia do The Guardian constata-se que o então Procurador-geral, Lord Goldsmith, tinha avisado o primeiro-ministro em Julho de 2002, oito meses antes da invasão, que não bastavam os critérios ideológicos para sustentar a posição de Blair para derrubar um regime. Tal argumentação não tinha sustentação jurídica.
 
No entanto, desde a denúncia do embuste das armas de destruição maciça, Blair justifica a sua acção, ainda com mais veemência, com base num “direito para remover Saddam Hussein do poder”. Assume o erro das armas de destruição maciça, mas adianta que este não era o único factor para justificar uma invasão. A percepção da ameaça e a necessidade de afastar um mal maior da liderança de um país são para si factores para afastar um homem como Saddam.
 
Uma visão que Sir John Sawers, antigo conselheiro de Blair para a política externa e actualmente chefe do MI6, não partilha. Citado pelo The Guardian, Sawers revela que o Iraque era apenas um dos vários países onde Londres gostaria de ver um “regime change”, mas isso não quer dizer que se estejam a delinear políticas activas com esse fim.
 

Dossier iraniano expõe divergências entre as "secretas" de Londres e de Washington

Alexandre Guerra, 02.10.09

 

Saeed  Jalili, chefe negociador iraniano, esta Quinta em Genebra/Ruben Sprich/Reuters

 

O reacendimento do chamado "dossier" nuclear iraniano nos últimos dias, após ter sido descoberta uma central secreta de enriquecimento de urânio instalada nas profundezas das montanhas próximas da cidade de Qum, veio expor algo muito interessante e até ao momento escondido, mas que é revelador das diferentes perspectivas que os aliados ocidentais têm em relação a esta questão, nomeadamente os Estados Unidos e o Reino Unido.

 

Perspectivas, essas, sustentadas pelas informações sobre o programa nuclear iraniano que os respectivos serviços de "intelligence" dos dois países têm fornecido aos seus governos ao longo dos últimos anos. E tem sido sobre esta informação que Londres e Washington têm construído a sua abordagem político-diplomática em relação a Teerão.

 

Se, durante os anos de mandato do ex-Presidente norte-americano, George W. Bush, pareceu existir um consenso entre Londres e Washington quanto àquilo que se pensava ser os reais intentos de Teerão face o seu programa nuclear, tendo inclusive a Casa Branca catalogado o Irão como membro do "eixo do mal", a verdade é que a eleição de Barack Obama veio alterar por completo essa harmonia. 

 

Londres e Washington, devidamente enquadrados pelos seus serviços secretos, não têm neste momento a mesma opinião quanto ao programa  nuclear iraniano. 

 

As secretas britânicas acreditam que o Irão tem estado a desenvolver um ogiva desde 2004/2005, num projecto impulsionado pelo próprio ayatollah Ali Khamenei, que terá ordenado o recomeço do programa nuclear após este ter sido aparentemente congelado em 2003. Esta informação foi avançada pelo Financial Times na Quarta-feira, mas tem sido igualmente veiculada por outros meios.

 

Os serviços secretos britânicos estão convencidos de que o Irão não estará muito distante de concluir a primeira arma atómica. Ora, esta posição entra em confronto com a tese da comunidade de "intelligence" norte-americana que há dois anos, através do National Intelligence Estimative, ao qual o Diplomata fez referência em Dezembro de 2007, afastou a possibilidade do Irão estar a desenvolver qualquer tipo de arma de destruição maciça, embora admitindo que o mesmo possa ter intenção de o fazer. 

 

Os britânicos nunca esconderam as suas reservas em relação ao National Intelligence Estimative que, entre outras coisas, revelava que o programa iraniano se manteve congelado a partir de 2003. Seja como for, esta questão nunca assumiu contornos particularmente divergentes durante o tempo de Bush, já que este teve sempre uma enorme desconfiança em relação ao regime de Teerão, independentemente das conclusões dos seus serviços de "intelligence". Uma posição que ia de encontro aos anseios de Londres. 

 

No entanto, Obama parece estar determinado fazer fé no National Intelligence Estimative e, como tal, querer privilegiar a via do diálogo com Teerão, afastando qualquer tipo de agravamento de sanções ou medidas mais duras. Londres não concorda com esta abordagem, uma vez que está convicta de que o programa nuclear iraniano está a avançar consideravelmente.

 

Uma ideia partilhada pelos serviços secretos alemães, embora estes considerem que o programa de construção de uma arma atómica terá sido descongelado apenas em 2007. A informação é avançada ao FT por David Albright, do Instituto para a Ciência e Segurança Internacional em Washington.