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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Do livro "Decadência"...

Alexandre Guerra, 15.01.20

 

"Um Jesus histórico teria posto na mesa aquilo que havia então na Palestina: um bulgur de lentilhas com pimenta e cominhos, cebolas e azeite, uma sopa de lentilhas com limão e acelgas, coentros e dentes de alho, folhas de malva e cebolas fritas, um quarto de borrego com um prato de arroz de beringela salpicado de pinhões e amêndoas descascadas, temperado com noz-moscada e canela, uma tajine de peixe com molho sésamo, faláfel (grão-de-bico, favas secas, cebola, alho, salsa, coentros, pimentos...), um kanafeh com sêmola e flor de laranjeira, um vinho de palma, uma cerveja local. Em vez de tudo isto, apenas os símbolos que conhecemos..."

 

Michel Onfray in "Decadência" (Edições70/Junho de 2019)

 

O opúsculo póstumo de Freitas do Amaral

Alexandre Guerra, 17.12.19

 

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O último livro de Freitas do Amaral foi publicado a título póstumo no passado mês. É um "opúsculo" sobre as ideias políticas e sociais de Jesus Cristo à luz dos quatro Evangelhos. Um ensaio muito oportuno numa altura em que se celebra o nascimento d'O homem que nunca quis ser político, mas que foi central na construção do pensamento político e social do mundo ocidental.

 

As primeiras notas sobre a biografia de Churchill

Alexandre Guerra, 28.10.19

 

Da leitura que estou a fazer da biografia de Andrew Roberts, "Churchill - Caminhando com o Destino" (Texto Editores, Gupo Leya), acabada de ser lançada em Portugal, retiro algumas ideias:

 

- Os cinco "elementos" que Churchill considerou como alicerces da sua grande oratória: "a escolha certeira das palavras; as frases cuidadosamente tecidas; a acumulação dos argumentos; o recurso à analogia; o recurso às extravagâncias".

 

- A religião esteve sempre presente no discurso político conservador anglo-saxónico. Mas veja-se isto: "Do total de cinco milhões de palavras que [Churchill] pronunciou nos seus discursos, nunca disse a palavra 'Jesus' e só uma vez proferiu a palavra 'Cristo' (...)."

 

- "[Churchill] Era o correspondente de guerra mais bem pago do mundo. Com esses proventos, mais dos livros e palestras correspondentes, em 1901 já tinha amealhado uma fortuna correspondente a um milhão de libras de hoje (...)."

 

- Lê-se na biografia que Churchill só aos 73 anos terá marcado um número de telefone pela sua própria mão. Não surpreende, se tivermos em conta o ambiente elitista em que viveu. Surpreende, sim, é haver políticos no século. XXI com práticas distanciadas do mundo real.

 

A ilusão

Alexandre Guerra, 28.10.19

 

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Brave New World (part two) by Marit Otto (2018)

 

A reler o "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley... "Oh, admirável mundo novo..." Disse o "selvagem" John quando reagiu ao convite do "civilizado" Bernard para regressar com este e sua companheira Lenina a Londres, capital da civilização, da utopia. John nunca tinha saído do pueblo Malpais, uma espécie de reserva indígena museológica de uma humanidade pré-civilizacional, localizada algures na região do Novo México e México. O "selvagem" nunca tinha visto nenhuma mulher como Lenina, para ele, um "anjo vestido de viscose verde garrafa, resplandecente de mocidade e de cremes de beleza, rechonchudo, sorrindo com meiguice", um ideal de perfeição e harmonia, um exemplo das "virtudes" da grande civilização de Ford, contrastando com o estádio primitivo do mundo renegado de Malpais. "Oh, admirável mundo novo, onde existem tais criaturas..." Dizia John deslumbrado com a civilização de Bernard e Lenina. Era um mundo novo, sim, mas desconhecia o jovem "selvagem" que em Londres o esperava uma sociedade sem alma nem humanismo, onde não havia vontade própria nem livre arbítrio. 

 

Churchill - Caminhando com o Destino

Alexandre Guerra, 21.10.19

 

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Churchill - Caminhando com o Destino, acabou de sair em Portugal pela mão da Texto Editores (Grupo LeYa), com a edição de Duarte Bárbara (com quem já tive o privilégio de trabalhar na edição de um livro de um antigo dirigente político português). Esta nova biografia do historiador Andrew Roberts foi lançada no ano passado e mereceu elogios internacionais. Com mais de mil biografias escritas sobre Churchill, o The Guardian revela que esta obra tem a virtude de apresentar novo material, que, entre outras coisas, destapa o sentimentalismo e as lágrimas literais da vida privada do antigo primeiro-ministro. E apesar da admiração que o autor tem por Churchill, isso não o impediu de abordar os muitos erros desastrosos do antigo líder britânico. Já o The New York Times questiona-se se esta não será a melhor biografia do antigo primeiro-ministro britânico alguma vez publicada e destaca a sua autoridade e elegância na escrita. Voltarei a este tema em breve aqui neste espaço.

 

Lançado há dois anos

Alexandre Guerra, 15.11.18

 

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Faz esta Quinta-feira dois anos que lancei este livro. É um daqueles projectos que nos enche de satisfação e orgulho. Baseado na minha tese de mestrado, sob orientação dos já falecidos Hermínio Martins (St. Antony College, Oxford University) e João Bettencourt da Câmara (ISCSP), o livro apela à reflexão de novas temáticas fracturantes, muito longe das prioridades imediatas das agendas mediáticas e ausentes do pensamento quotidiano das pessoas. Mas que ninguém duvide, serão estes os temas de um futuro próximo que vão alterar a nossa própria concepção de Humanidade. É precisamente sobre isso que Durão Barroso, antigo primeiro-ministro português e presidente da Comissão Europeia, se questiona na contra-capa do livro: "O extraordinário progresso da investigação científica no domínio da genética e das biotecnologias suscita questões éticas essenciais. Como é que diferentes sociedades, ideologias, sistemas ou regimes políticos se posicionam diante de tão 'fracturantes' matérias?" 

 

A resposta não é fácil, perante uma temática complexa que nos leva pela primeira vez a questionar a condição do Homem enquanto ser biológico e não apenas social. Mas, como escreve Viriato Soromenho-Marques no prefácio do livro: "Não há respostas fáceis, perante a dificuldade e complexidade das quesões. É preciso estudar. Com coragem e espírito aberto. É esse o convite deste ensaio."

 

Histórias de quem viveu a guerra na sua plenitude

Alexandre Guerra, 24.10.18

 

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Quando estive há cerca de dois meses na Bósnia, conheci um jovem guia, que está a tirar o doutoramento numa universidade de Ancara e que tem estado envolvido no museu de Srebenica. Este projecto ocupa as antigas instalações do que foi o então quartel-general do tristemente célebre contingente holandês ao serviço da UNPROFOR, localizado em Potacari, a poucos quilómetros da vila de Srebrenica, que viu serem assassinados de forma sistemática mais de oito mil bósnios muçulmanos (bosniaks), entre 11 e 16 de Julho de 1995, sob os ordens militares do general sérvio Ratko Mladic. A meio de uma das conversas que tive com Jasko, fiquei impressionado com o conhecimento que detinha sobre a presença portuguesa nas missões da ONU e NATO. Apesar de ele não ter mais de 30 anos, tinha bem presente a boa prestação que o contingente português teve ao serviço da força de manutenção de paz da NATO (IFOR), em 1996, cujo objectivo era a “implementação” das linhas dos Acordos de Dayton (1995). Tratava-se da primeira projecção de forças militares nacionais em larga escala desde o fim da Guerra Colonial.

 

Já antes, em pleno conflito nos Balcãs, Portugal teve uma participação muito limitada, mas importante, na missão UNPROFOR (United Nations Protection Force), destacando para a Bósnia e Croácia, entre 1992 e 1995, um pequeno grupo de “observadores militares” não armados de capitães e majores do Exército e Força Aérea. Esta operação acabou por ser uma extensão da missão europeia de verificação do cessar-fogo entre a recém-proclamada independente Eslovénia e a (ainda) Federação da Jugoslávia. Quando a Missão de Monitorização da CEE/UE deu lugar à força da ONU, os primeiros capacetes azuis portugueses chegaram no primeiro trimestre de 1992. Nesse primeiro momento, foram apenas cinco “observadores” integrados na United Nations Military Observation (UNMO), um ramo da UNPROFOR.

 

Entre 1992 e 1995, tempo do mandato da UNPROFOR, Portugal foi mantendo “observadores” no terreno, que iam desempenhando missões diárias que, embora não sendo de perfil militar puro e duro, se revelaram de enorme importância na criação de um clima de confiança no seio das populações tocadas pelos soldados nacionais. Como se pode ler na introdução do recente livro “A Guerra na Antiga Jugoslávia Vivida na Primeira Pessoa” (Colibri, Maio de 2018), coordenado pelos militares Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva, os observadores “viveram com a população em locais recônditos com quem partilharam o infortúnio. Sentiram o pulsar das comunidades onde estavam inseridos, conheceram os seus dramas em primeira mão. Pisaram minas, foram atingidos com estilhaços de granadas, tiveram acidentes de viatura, estiveram nas miras dos snipers, em zonas de morte, foram vítimas de ataques e assaltos, supervisionaram a troca de cadáveres e de prisioneiros de guerra. Foram testemunhas em primeira mão de violação de acordos. Sofreram a prisão e interrogatórios agressivos. Viveram em condições precárias, por vezes, sem electricidade, sem água corrente, aquecimento ou vidros nas janelas, oq eu se tornou numa minudência para que estava diariamente debaixo de fogo de morteiros de artilharia.

 

Foram ainda apanhados entre fogos cruzados, controlaram o tráfego aéreo, lidaram diariamente com as facções, pediram evacuações médicas, e tiveram de tomar decisões eticamente difíceis, algumas delas com consequências dramáticas. Testemunharam em directo o sofrimento. Viveram as agruras da guerra na sua plenitude.

 

São estes testemunhos que agora podem ser lidos num livro que reúne textos (em português e inglês) de militares que fizeram parte da UNMO. Com prefácio do embaixador José Cutileiro, este livro é um contributo inestimável para o conhecimento de quem se interessa pelo conflito da antiga Jugoslávia, que tantas marcas geopolíticas deixou naquela região da Europa. Mas é também uma janela para se perceber de que forma a “experiência jugoslava” marcou um novo período na projecção internacional das Forças Armadas Portuguesas no âmbito de nova ordem sistémica... Mais cosmopolita, interdependente e difusa.

 

O despacho...

Alexandre Guerra, 28.11.17

 

"Houve alguém que disse que o combate é 99 por cento de tédio absoluto e 1 por cento de terror absoluto. Mas quem disse isso não estava na Polícia Militar no Iraque. Sempre que andava na estrada, eu ficava aterrorizado. Talvez não fosse terror absoluto. Isso é quando explode uma bomba. Mas era uma espécie de terror em segundo grau misturado com tédio. Portanto, é 50 por cento de tédio e 49 por cento de terror normal, que é a sensação de que podemos morrer a qualquer momento e que toda a gente daquele país quer matar-nos. E, claro, depois há 1 por cento de terror absoluto, quando o coração dispara, deixamos de ver, ficamos com as mãos brancas e o corpo todo a tinir. Não se consegue pensar. Somos animais que fazemos o que nos treinaram para fazermos. E, depois, voltamos ao terror normal e voltamos a ser humanos e voltamos a pensar."

 

Palavras do personagem primeiro-cabo Suba no livro "Desmobilizados" (Elsinore, 2015) de Phil Klay, o "melhor já escrito sobre o que a guerra faz à alma das pessoas", segundo o The New York Times Book Review.