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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A importância do segredo

Alexandre Guerra, 16.10.18

 

Para os saudosos da Guerra Fria, os tempos que se vivem actualmente no sistema internacional são de anarquia total ao nível da comunidade de intelligence militar e paramilitar, mergulhada numa lógica de far west, onde se dispara primeiro e se pergunta depois, mesmo que em plena luz do dia, à vista de todos. A arte do segredo está a perder-se, porque, para se defender os interesses do Estado, já não é preciso fazer o “trabalho sujo” no obscurantismo das relações internacionais. Não se temem as consequências e tudo pode ser feita às claras ou com um grau de displicência que envergonharia qualquer agente da "velha guarda" do KGB ou da CIA. Como referia Ferreira Fernandes na sua última crónica no DN de Domingo, “o mais interessante é a generalização dessa linguagem de mata e esfola”, protagonizada por alguns líderes mundiais, nomeadamente por aqueles que estão à frente da Rússia e dos EUA, as duas super-potências que outrora dividiram os desígnios do mundo.

 

Este tipo de discurso irresponsável e inconsciente, conivente com práticas imorais e ilegais que são concretizadas quase sob os holofotes da opinião pública, contribui para um sentimento de impunidade no seio das comunidades das “secretas” mundiais. Retomando as palavras de Ferreira Fernandes, “peguemos no caso dos dois espiões russos que foram a Inglaterra matar um ex-colega que se passara para o outro lado. Foram a casa dele em Salisbury, envenenaram o que tinham para envenenar e regressaram a casa. Não se importaram de deixar pistas. Suspeitos, aparecem na televisão russa oficial com historietas despudoradas de terem ido a Salisbury invocando dados turísticos que vinham na Wikipédia. Tão descuidados, deixaram que os seus nomes reais aparecessem: são agentes da inteligência militar russa (GRU). Entretanto, outros espiões russos são apanhados em Haia, Holanda. Com sofisticação dos aparelhos faziam pirataria informática a partir de um carro estacionado frente à OIAC, organização que combateu as armas químicas. Fora a OIAC que provara a origem russa do veneno usado em Salisbury. Ora, os espiões russos de Haia eram um livro aberto: até faturas de táxis eles tinham de corridas apanhadas à porta da sede moscovita do GRU”.

 

Esta passagem da crónica de Ferreira Fernandes é elucidativa do que se passa hoje em dia no sistema internacional, onde as “covert operations” deram lugar a acções semi-clandestinas, sem que haja particular preocupação de se evitar embaraços político-diplomáticos. As estas duas histórias, outras tantas podíamos aqui referir que foram identificadas nos últimos tempos, sendo que a mais recente é de tal maneira inverosímil pelo seu grau de descuido e de incompetência, que custa a acreditar que tenha acontecido como tem sido noticiado. Caso se confirmem as notícias que têm vindo a público e a tese avançada pelo Governo de Ancara, o assassinato de Jamal Khashoggi, jornalista crítico do regime de Raide, dentro do consulado árabe na capital turca, sob o ponto de vista realista e maquiavélico, é um dos maiores desastres da história dos serviços de intelligence. Por um lado, além da óbvia questão moral, colocará um problema muito complicado a Washington e, por outro, expõe o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (e líder “de facto”) ao julgamento público de ter “ido longe demais” no silenciamento dos seus opositores.

 

No sistema bipolar de Guerra Fria, as regras vigentes no sistema internacional eram claras e seguidas à risca pelos diferentes actores estatais. Dificilmente haveria espaço para “rogue killers” actuarem por sua conta e risco. Ninguém aprovaria uma operação com impacto sistémico sem que Moscovo ou Washington soubessem. Era impensável que serviços secretos de um qualquer país ousassem dar luz verde a uma “covert operation” sem que estivesse enquadrada nos interesses do “tabuleiro” sistémico bipolar (Israel foi sempre uma excepção na arquitectura da espionagem internacional).

 

Esse secretismo contribuiu para um equilíbrio sistémico que, com mais ou menos desanuviamento, com mais ou menos crise regional, evitou um novo conflito mundial. Na defesa dos seus interesses, Washington e Moscovo agiram, muitas vezes, à margem do quadro legal internacional e dos princípios éticos e morais, refugiando-se no obscuro mundo da espionagem. Essas operações e acções ficaram longe dos olhares da opinião pública, a quem o que interessava mais era a manutenção dos estilos de vida das suas sociedades.

 

Tal como nas relações sociais entre pessoas, também nas dinâmicas entre Estados, se, por um lado, nem tudo deve ficar no secretismo, também não se deve (e pode) meter tudo às claras, correndo-se o risco de se fomentarem crises político-diplomáticas, e até mesmo militares, que comprometam o status quo e, em última instância, a paz e segurança das pessoas. É por isso que a gestão do segredo continua a ser um factor fundamental na estabilidade das relações internacionais, porque, a partir do momento em que se instala nas sociedades a percepção de que tudo vale, de que ninguém respeita uma certa ordem tácita, a sensação de insegurança aumenta, abrindo caminho para a penetração de ideias políticas que sustentem a chegado ao poder de lideranças mais musculadas e autoritárias. Ou seja, será a altura em que os cidadãos das democracias preferirão sacrificar as suas liberdades e garantias em prol da segurança.

 

2017, o ano do renascimento do Czar Putin

Alexandre Guerra, 02.01.17

 

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A eleição de Donald Trump veio colocar Vladimir Putin numa posição de enorme relevância no sistema internacional, talvez como nunca tenha tido antes, porque, pela primeira vez, tem em Washington um interlocutor que lhe parece reconhecer o seu poder czarista e autoritário sem qualquer constrangimento ou julgamento moral. Mais, Trump parece estar disposto a aceitar e a respeitar as regras do jogo definidas por Putin, naquilo que poderá ser um paradigma com algumas semelhanças ao sistema de Guerra Fria em matéria de delimitação de zonas de influência. Perante isto, e à luz daquilo que se tem vindo a saber, é muito provável que Putin venha novamente a estar num plano de igualdade com o seu homólogo norte-americano. Trump parece querer conceder-lhe esse privilégio, já que não o deverá fazer a mais nenhum chefe de Estado. Além disso, do que se vai percebendo, Trump acreditará que o mundo pode ser gerido novamente pelas duas potências, numa divisão de influências, onde a China e outros Estados emergentes não lhe merecem grande atenção (quantas vezes ouvimos Trump falar do Brasil, da Índia ou até mesmo do Reino Unido ou da Alemanha???). Hoje, mais do que nunca, é importante perceber quem é Putin, como pensa e como age.

Acompanho com atenção o percurso de Vladimir Putin ainda antes de ter sido eleito Presidente da Rússia pela primeira vez em 2000. Quando a 9 de Agosto de 1999 o então já falecido Presidente Boris Yeltsin demitia o seu Governo e apresentava ao mundo uma nova figura na vida política russa, poucos eram aqueles que conheciam Vladimir Putin. Aos 46 anos, Putin, ligado ao círculo de São Petersburgo, e antigo oficial do KGB (serviços secretos), assumia a chefia do novo Executivo, com a motivação manifestada por Yeltsin de que gostaria de vê-lo como seu sucessor nas eleições presidenciais de 2000. Segundo alguns registos, Putin nunca terá tido a intenção de seguir uma carreira política, no entanto, teve sempre um alto sentido de servidão ao Estado, como aliás fica bem evidente na recente biografia de Steven Lee Myers, "O Novo Cazar" (2015, Edições 70). Na altura, terá confessado que jamais tinha pensado no Kremlin, mas outros valores se erguiam: “We are military men, and we will implement the decision that has been made”, disse Putin. Muitos viram na decisão de Yeltsin o corolário de uma carreira recheada de erros e que conduzira o país a um estado de sítio. A ascensão de Putin era vista como mais um erro. Citado pelo The Moscow Times, Boris Nemtsov, na altura um dos líderes do bloco dos "jovens reformistas" na Duma e que viria a ser assassinado em Fevereiro de 2015, disse que Putin causou uma fraca impressão na primeira intervenção naquela câmara. "Não era carismático. Era fraco." Também ao mesmo jornal, Nikolai Petrov, do Carnegie Moscow Center, relembrava que Putin deixou uma "patética imagem", sendo um desconhecido dos grandes círculos políticos, e que demonstrava ter pouco à vontade com aparições públicas, chegando mesmo a ter alguns comportamentos provincianos.

Apesar disso, a Duma acabaria por aprovar a sua nomeação para a liderança do Governo, embora por uma margem mínima. É preciso não esquecer que Putin reunia apoio nalguns sectores, nomeadamente naqueles ligados aos serviços de segurança, que o viam como um homem inteligente e com grandes qualidades pessoais. E, efectivamente, após ter assumido os desígnios do Governo, Putin começou de imediato a colmatar algumas das suas falhas, nomeadamente ao nível de comunicação, e a desenvolver capacidades que se viriam a revelar fundamentais na sua vida política. É o próprio Nemtsov que reconheceu o facto de Putin se ter tornado mais agressivo e carismático, dando às pessoas a imagem do governante que os russos prezam. Características que se encaixaram na perfeição ao estilo musculado necessário para responder às explosões que ocorreram em blocos de apartamentos de três cidades russas, incluindo Moscovo, em Setembro de 1999, vitimando sensivelmente 300 pessoas, colocando o tema da segurança no topo da agenda da vida política russa, para nunca mais sair de lá. Em Outubro desse ano, como resposta, Putin dava ordem para o envio de tropas para a Chechénia.

Nas eleições presidenciais de 2000, Putin obteve 53 por cento dos votos, contrastando com os 71 por cento conquistados quatro anos mais tarde. Por motivos de imposição constitucional que o impedia de concorrer a um terceiro mandato presidencial, Putin teve que fazer uma passagem pela chefia do Gvoerno entre 2008 e 2012, mas era claro que nunca teve verdadeiras intenções de deixar os desígnios da nação nas mãos do novo ocupante do Kremlin. Conhecendo-se um pouco da história política russa e da sua liderança, facilmente se chegaria à conclusão de que Putin era o homem por detrás do poder, enquanto o novo Presidente em exercício, Dimitri Medvedev, seria apenas um "fantoche". Medvedev compreendeu bem o seu papel nesta lógica de coabitação, remetendo-se praticamente a uma mera representação institucional, sem ousar discutir com Putin a liderança da política russa. Como na altura se constatou, a forma seria apenas um pormenor porque o que estava em causa era a substância da decisão. Ouvido pela rádio Ekho Moskvy, na altura, o analista russo Gleb Pavlovsky ia directo à questão central: "We can forget our favourite cliche that the president is tsar in Russia." E neste caso o Czar é Vladimir Putin que tanto o poderia ser na presidência, na chefia do Governo ou noutro cargo qualquer, desde que fizesse as devidas alterações constitucionais e que continuasse acompanhado dos seus "siloviki".

Aparentemente, Putin tem em Washington um parceiro que não o recriminará e que respeitará a sua liderança, desde que o Presidente russo não mexa com os interesses norte-americanos que, diga-se, nem será assim um exercício tão difícil de aplicar. Actualmente, Moscovo joga algumas das suas prioridades geoestratégicas e geopolíticas em tabuleiros que Trump já deu a entender não estar interessado. Agora, é ver a partir de dia 20 de Janeiro como o Czar Putin e o populista Trump se vão entender.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Da Rússia, Hillary pode esperar tudo menos amor

Alexandre Guerra, 27.07.16

 

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Até que ponto Vladimir Putin detestará Hillary Clinton? É díficil dar uma resposta com total objectividade, mas existem alguns indícios de que, efectivamente, o Presidente russo não "morrerá de amores" pela candidata presidencial democrata. Será uma animosidade política e até pessoal que já vem de longe, mas que se terá intensificado nos últimos meses de campanha, com as palavras cada vez mais duras que Clinton foi dirigindo a Putin. Ao mesmo tempo, o Kremlin foi ouvindo da boca de Donald Trump autênticas odes às virtudes do líder russo.

 

Quando na passada Sexta-feira, em vésperas da Convenção Nacional do Partido Democrata, foram divulgados e-mails comprometedores para a campanha de Hillary Clinton, que terão sido enviados a cerca de 20 mil militantes democratas, com o objectivo de denegrir Bernie Sanders,surgiram de imediato algumas teorias que metiam o Kremlin por detrás desta "fuga", já que esta informação iria prejudicar claramente Hillary. Algumas fontes ouvidas pela NBC, entre especialistas e antigos diplomatas, parecem ter poucas dúvidas quanto à antipatia que Putin nutre por Hillary. O antigo embaixador dos EUA em Moscovo, Michael McFaul, considera que aquela fuga de informação foi levada a cabo por hackers profissionais apoiados pelo Kremlin, uma tese corroborada por vários especialistas em ciber-segurança. 

 

Não seria a primeira vez que um Estado estaria por detrás de uma iniciativa deste género com o objectivo de atingir o inimigo, seja ele qual for. Neste momento, o Kremlin já parece ter feito a sua escolha no que diz respeito aos dois candidatos presidenciais nos EUA: Donald Trump. Não seria por isso de estranhar que o Kremlin tivesse patrocinado esta fuga de informação, até porque às vezes são os pequenos sinais que ajudam a comprovar a existência de uma estratégia concertada. Ainda esta manhã, por coincidência ou não, na RT, canal em inglês de alcance internacional financiado pelo Governo russo, passava uma reportagem bastante crítica sobre a fortuna dos Clinton, partindo da análise ao filme propagandístico Clinton Cash, que acabou de estrear e é simplesmente arrasador para Hillary.

 

Clima económico degrada-se na Rússia e investidores abandonam o país

Alexandre Guerra, 05.11.14

 

Os investidores internacionais estão a abandonar a Rússia e já retiraram daquele país 75 mil milhões de dólares só no primeiro semestre deste ano. A crise na Ucrânia e as consequentes sanções económicas impostas pela União Europeia e pelos Estados Unidos estão a contribuir para a degradação do clima económico e de confiança.

 

Desde o início do ano que o rublo desvalorizou 20 por cento. Os principais motores económicos russos já estão a sofrer o impacto da redução de investimento e torna-se cada vez mais difícil o acesso a material tecnológico para o sector da energia. Os preços dos alimentos estão a subir, nomeadamente da carne e dos vegetais, enquanto o turismo vai-se ressentindo de forma acentuada, ao ponto de já ter levado à falência dezenas de operadores durante este Verão.

 

A queda do preço do petróleo está a agravar a conjuntura interna e o equilíbrio orçamental.    

 

Para colmatar a ausência de liquidez nos cofres do Estado, o Governo já se apropriou de partes de alguns fundos de pensões por modo a injectar capital em empresas estatais. Por sua vez, o Banco Central russo, só no passado mês de Outubro, despendeu 3,2 mil milhões de dólares em “forex interventions” para travar desvalorização do rublo.

 

Com a previsão de um crescimento praticamente nulo para este ano, os analistas estimam que a Rússia possa entrar já num período de recessão ainda último trimestre deste ano. No entanto, é pouco provável que o Presidente Vladimir Putin altere a sua política a curto prazo, valendo-se das altas taxas de aprovação junto da opinião pública.

 

A degradação do clima económico e de negócios manter-se-á nos próximos tempos, agravado pela perseguição política que o Presidente Vladimir Putin mantém contra a elite empresarial do país. Vladimir Yevtushenkov que, segundo a revista Forbes, é o 15º homem mais rico da Rússia, foi a mais recente vítima do Kremlin, tendo sido detido em meados de Setembro sob a acusação de lavagem de dinheiro. No entanto, a verdadeira razão, dizem algumas fontes, foi a recusa de Yevtushenkov ceder a sua participação na empresa petrolífera, Bashneft. Aquele magnata russo encontra-se neste momento em prisão domiciliária, pelo menos até 16 de Novembro.

 

A afronta de Putin

Alexandre Guerra, 04.08.13

 

 

A decisão do Governo russo em dar asilo político a Edward Snowden não pode deixar ser vista como um "statement" do Kremlin dirigido a Washington. Não se tratou de uma decisão repentina e muito menos inconsciente. Pelo contrário, Moscovo teve muito tempo para ponderar sobre o que fazer com Snowden, enquanto este vagueava pelos corredores do Aeroporto de Sheremetyevo.

 

O Presidente Vladimir Putin (sim, porque a decisão última foi dele) sabia que ao permitir a entrada de Snowden em território russo estaria a afrontar directamente Washington, que fez daquele antigo consultor da NSA o homem mais procurada da América neste momento. Putin, à boa maneira da Guerra Fria, criou um incidente diplomático que vai ter consequências a médio e a longo prazo, tornando-se num dos "casos" que marcarão as relações entre os dois países nos próximos tempos.

 

Washington não vai esquecer a afronta de Moscovo e as consequências a curto prazo já se fazem sentir. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que a administração norte-americana estava "extremamente desapontada". Também vozes republicanas e democratas condenaram a atitude da Rússia e exortam o Presidente Barack Obama a tomar medidas retaliatórias contra Moscovo. Por exemplo, além do boicote diplomático a alguns encontros de alto nível e cimeiras, já há quem fale num novo impulso aos programas de defesa antimíssil na Europa e num novo alargamento da NATO a países contíguos à fronteira da Rússia, como é o caso da Geórgia.

 

O misterioso desaparecimento da mulher de Vladimir Putin

Alexandre Guerra, 13.01.13

 

Vladimir e Lyudmila na Catedral da Anunciação, Moscovo, a 7 de Maio de 2012/Government Press Service/AP 

 

Historicamente, as mulheres dos presidentes russos assumem um papel "low profile", distanciando-se do tradicional desempenho de "first lady" que se verifica nalgumas democracias ocidentais. 

 

Mas, mesmo para os padrões russos, parece que a mulher de Vladimir Putin tem andado desaparecida nos últimos meses, uma situação que já começou a gerar alguns rumores, sobretudo depois de Lyudmila ter celebrado 55 anos há uns dias sem que nenhum responsável oficial se tivesse apercebido de tal facto. Apenas o presidente da Chechénia, Ramzan Kadyrov, deu os parabéns através do Twitter.

 

Perante tudo isto, Anna Nemtsova, correspondente da Newsweek e do Daily Beast em Moscovo, faz a cobertura desta misteriosa história por detrás dos muros do Kremlin.

 

Recordações de Verão

Alexandre Guerra, 21.08.11

 

Russos a celebrarem a tentativa de golpe de Estado, a 21 de Agosto de 1991, junto à Casa Branca (sede do parlamento) em Moscovo/Vladimir Filonov/The Moscow Times

 

Uma das recordações de Verão do Diplomata remonta há 20 anos, precisamente por estes dias no ano de 1991, quando estava a desfrutar férias num parque de campismo em São Pedro Moel com um grupo de amigos, todos ainda jovens adolescentes na casa dos 15.

 

Ainda sem uma percepção política apurada, mas com um gosto claro para os temas internacionais, o autor destas linhas associou para sempre esses dias de férias ao golpe de Estado fracassado na ainda União Soviética.

 

Na altura, entre praia, saídas nocturnas e outros interesses menos produtivos, as atenções não estavam naturalmente focadas para o que se passava em Moscovo, mas percebia-se, entre os noticiários das oito da noite ouvidos aos soluços através das televisões espalhadas pelas tendas, roulottes e auto-caravanas ao longo do parque, que algo de histórico estava a acontecer na Rússia.

 

Com mais calma, e já regressado de férias, foi possível ao autor destas linhas perceber os contornos das movimentações turbulentas em Moscovo, que acabaram por se revelar infrutíferas (naquele momento) e permitir o regresso do então Presidente Mikhail Gorbachev a Moscovo, no dia 22 de Agosto, depois de ter estado durante vários dias em prisão domiciliária na sua casa de férias na Crimeia.  

 

Esta Segunda-feira assinalam-se 20 anos sobre aquele regresso ao Kremlin, que, como se viria a constatar pouco tempo depois, seria de curta duração. A 25 de Dezembro de 1991 Gorbachev anunciava a demissão do cargo de Presidente da URSS e enterrava definitivamente o império soviético.

 

Qual o diplomata que não gostaria de ser espiado por Anna Chapman?

Alexandre Guerra, 29.03.11

 

 

 

Como se lia há uns meses no Russia Now, um suplemento digital publicado no Daily Telegraph, a "espiã" Anna Chapman é a mulher que todos os homens querem. Talvez não todos, diz o Diplomata, mas certamente quase todos, ou pelo menos aqueles que teriam a ousadia de desafiar uma ex-agente ao serviço do Kremlin.

 

Diplomata já aqui tinha feito referência à "rising star" da espionagem interncional, quando no ano passado foi descoberta, naquilo que se tornou num dos jogos de espiões mais mediáticos desde o fim da Guerra Fria. 

 

Agora, Anna Chapman dá finalmente uma entrevista à BBC News, na qual revela aquilo que pretende fazer depois de ter sido obrigada a abandonar a actividade por razões razões óbvias. Mas, a julgar pelo impacto mediático e pelas solicitações que tem tido, tudo leva a crer que tenha mais sucesso na sua nova carreira profissional, seja ela qual for.

 

Desta vez o Kremlin é obrigado a admitir que ainda tem um conflito por resolver

Alexandre Guerra, 24.01.11

    

The following video was taken by an unidentified eyewitness. (Warning: it contains disturbing content.)

 

Em finais de Novembro de 2009, na ressaca do atentado do dia 27 desse mês ao Expresso Nevsky, que seguia na linha de ligação entre Moscovo a São Petersburgo, e que provocou 28 mortos e sensivelmente 100 feridos, o autor destas linhas recorda-se de ter citado Alexei Malashenko, um especialista em assuntos do Cáucaso do Norte do Carnegie Centre, que ao The Guardian tinha dito que o atentado teria sido provocado por rebeldes chechenos, que "querem a vingança" e criar um "espaço islâmico".

 

Apesar desta realidade, na altura do atentado ao Expresso Nevsky foi notório que Moscovo teve alguma relutância em atribuir responsabilidades aos rebeldes chechenos, adoptando, pelo contrário, uma posição bastante prudente.

 

Uma posição interessante e de certa forma inédita se se atender que aquele não tinha sido o "modus operandi" de Moscovo neste tipo de situações nos últimos anos. Perante ataques similares, o Kremlin nunca hesitou, desde o primeiro momento, em responsabilizar separatistas islâmicos do Cáucaso do Norte, independentemente das provas conseguidas ou dos factos apurados

 

No entanto, é importante relembrar que a Rússia tinha sofrido o seu último atentado a 31 de Agosto de 2007, na cidade de Togliatti que fez oito mortos e 50 feridos. Um outro a 21 de Agosto de 2006, no qual morreram 10 pessoas num mercado nos arredores de Moscovo. Depois é preciso recuar aos primeiros dias de Setembro de 2004 para os dramáticos acontecimentos na escola de Beslan, que acabou num banho de sangue, morrendo 331 reféns, metade dos quais crianças.

 

A verdade é que depois da tragédia de Beslan, Moscovo foi alimentando a ideia de que tinha a situação controlada no Cáucaso do Norte, e apesar dos atentados de 2006 e 2007, o Kremlin quase que assumiu uma espécie de vitória sobre os insurgentes islâmicos das repúblicas daquela região.

 

É por isso muito provável que perante o atentado ao Expresso Nevsky, Moscovo não tivesse querido reconhecer publicamente a responsabilidade dos rebeldes chechenos neste atentado, porque tal acto poderia ser percepcionado como uma admissão do reavivamento de um conflito, que se iniciou nos anos 90 e que o Kremlin há algum tempo teria dado como extinto a seu favor.

 

Porém, Alexei Malashenko relembrava que durante 2007 e 2008 a conjuntura no Cáucaso do Norte deteriora-se consideravelmente, levando mesmo a que nalgumas regiões se estivesse perante um estado de guerra civil iminente.

 

Já em Agosto de 2009, o New York Times publicara uma excelente reportagem na qual se podia constatar o reacendimento da violência nas repúblicas do Daguestão, da Inguchétia e da Chechénia. Nos últimos meses desse ano assistira-se também ao ressurgimento de vários ataques e atentados em território russo perpetrados por rebeldes provenientes de Kabardino-Balkaria.

 

A verdade é que depois dos acontecimentos de 27 de Novembro de 2009, a Rússia viria a sofrer um outro atentado a 29 de Março de 2010 no metro de Moscovo, provocando 40 mortos e ferindo 75. Terminava assim uma década marcada pela violência terrorista em território russo, precedida pelos não menos sangrentos anos 90.

 

Hoje, a Rússia voltou a ser alvo de um atentado terrorista, desta vez no aeroporto internacional de Moscovo, Domodevo, que matou pelo menos 35 pessoas e feriu 100. O atentado terá sido provocado por um terrorista suicida ligado os movimentos terroristas do Cáucaso do Norte.

 

Perante isto, o Presidente Dimitri Medvedev já veio admitir que a pobreza, a corrupção e o conflito no Cáucaso do Norte são o principal problema interno da Rússia.

 

Este atentado, e tendo em conta o seu impacto psicológico, já que os terroristas conseguiram infligir um ataque numa estrutura tão importante como um aeroporto, veio demonstrar que os líderes do Kremlin não têm conseguido encontrar uma solução definitiva para a violência emanada do Cáucaso do Norte. Concomitantemente, os rebeldes islâmicos têm tentado demonstrar que os responsáveis russos não conseguem garantir a segurança dos seus cidadãos.

 

Como resposta imediata a este atentado, a Rússia está em alerta máximo, no entanto, a grande dúvida é saber que medidas serão tomadas pelo Kremlin em relação à conjuntura do Cáucaso, não sendo de descartar operações militares naquelas repúblicas.

 

*Texto publicado originalmente no Albergue Espanhol

 

A relutância de Moscovo em responsabilizar os rebeldes do Cáucaso pelo atentado

Alexandre Guerra, 30.11.09

 

 

Kirill Kudryavtsev/AFP/Getty Images

 

As autoridades russas revelam que estão a investigar várias pistas que possam identificar de forma peremptória o autor ou os autores do atentado ao Expresso Nevsky, na Sexta-feira, que seguia na linha de ligação entre Moscovo a São Petersburgo, e que provocou 25 mortos e sensivelmente 100 feridos.

 

Até ao momento, Moscovo tem estado com alguma relutância em atribuir responsabilidades aos rebeldes chechenos, adoptando, pelo contrário, uma posição bastante prudente,  tendo o ministro do Interior russo, Rashid Nurgaliev, feito questão de informar os jornalistas de que estão a ser analisadas várias informações. 

 

Uma posição interesssante e de certa forma inédita se se atender que este não tem sido o "modus operandi" de Moscovo neste tipo de situações nos últimos anos. Perante ataques similares,o Kremlin nunca hesitou, desde o primeiro momento, em responsabilizar separatistas islâmicos do Cáucaso do Norte, independentemente das provas conseguidas ou dos factos apurados.

 

Desta vez, até o FSB, que entretanto encontrou vestígios de um engenho explosivo entre os destroços, recusa-se a alimentar as suspeições lançadas pela imprensa de que seriam rebeldes chechenos os responsáveis por este atentado.

 

Por outro lado, a informação avançada por uma cadeia de televisão russa conduz directamente a um antigo soldado e operacional do defundo líder rebelde checheno, Shamil Basayev. O seu nome é Pavel Kosolapov e, segundo o ministério público russo, já terá sido acusado em 2007 por um ataque em circunstâncias semelhantes ao mesmo Expresso Nevsky. 

 

Ora, ao contrário de situações anteriores, desta vez Moscovo até parece ter indícios suficientes para ser um pouco mais ousado nas suas declarações públicas. Ao invés, está remetido a um estranho tom de precaução.

 

Para Alexei Malashenko, um especialista em assuntos do Cáucaso do Norte do Carnegie Centre, citado pelo The Guardian, o atentado terá sido provocado por rebeldes chechenos, que "querem a vingança" e criar um "espaço islâmico". Malashenko relembra ainda que nos últimos dois anos a conjuntura no Cáucaso do Norte deteriorou-se consideravelmente, levando mesmo a que nalgumas regiões se esteja perante um estado de guerra civil iminente.

 

A este propósito, em Agosto último, o Diplomata recomendava a leitura de um artigo do New York Times, no qual se podia constatar o reacendimento da violência nas repúblicas do Daguestão, da Inguchétia e da Chechénia.

 

Nos últimos meses, os rebeldes islâmicos daquelas repúblicas e também de Kabardino-Balkaria têm perpetrado vários ataques e atentados suícidas no território russo.  

 

Apesar destas evidências, desta vez as autoridades russas não parecem estar com pressa para estabelecer uma relação directa entre o atentado do Expresso Nevsky e os movimentos rebeldes do Cáucaso do Norte.

 

É muito provável que Moscovo não queira reconhecer publicamente a responsabilidade dos rebeldes chechenos neste atentado, porque tal acto poderia ser percepcionado como uma admissão do reavivamento de um conflito, que se iniciou nos anos 90 e que o Kremlin há algum tempo teria dado como extinto a seu favor.