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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Portugal, mais um País a render-se à ofensiva económica da China

Alexandre Guerra, 06.11.10

 

O Presidente chinês, Hu Jintao, está em Portugal para uma visita de Estado de dois dias dominada por uma agenda económica, expectável tendo em conta a grave conjuntura da economia portuguesa e o posicionamento do regime de Pequim relativamente a temas políticos.

 

Na verdade, nem Portugal e muito menos a China estão neste momento interessados em falar sobre assuntos de cariz político. Portugal, tal e qual um pobre de mão estendida ansiando por uma esmola, espera que Hu Jintao acene com os seus milhões e compre alguma da dívida nacional.

 

A China, por outro lado, espera conquistar o coração e as mentes dos portugueses numa estratégia de relações públicas que ajude a projectar uma imagem de modernidade e de aberta daquele país asiático.

 

Assuntos mais sensíveis como a desvalorização artificial do yuan promovida pelas autoridades chinesas ou a discussão da libertação do recente laureado com o Prémio Nobel da Paz, o chinês Liu Xiaobo, não serão sequer mencionados, com os líderes português e chinês a passarem ao lado desses temas.

 

A gravíssima situação económica interna portuguesa coloca o país numa situação de enorme fragilidade perante uma eventual intervenção chinesa ao nível da dívida pública nacional. Certamente, que o primeiro-ministro, José Sócrates, não quererá afrontar o Presidente Ju Hintao com temas que possam colocar em causa o espírito de harmonia entre os dois países e as potenciais parcerias económicas em vista, tais como a entrada de capital chinês no BCP ou no parque logístico de Sines.

 

A julgar pelas notícias veiculadas esta manhã na imprensa portuguesa, as perspectivas são boas para Sócrates, sendo, no entanto, necessário aguardar pelas próximas horas para se perceber as reais intenções do Governo chinês.

 

No imediato, Portugal poderá ter muito a ganhar com a concretização de todos estes negócios, porém, a médio e a longo prazo surgem muitas dúvidas quanto às implicações políticas da China ficar a deter dívida pública nacional.

 

Este é um debate que tem surgido intensamente nos Estados Unidos, País com grande parte da sua dívida nas “mãos” da China. Políticos, economistas, académicos e colunistas têm discutido as possíveis consequências da forte dependência financeira americana em relação aos “cofres” da China.

 

Teoricamente, existe um equilíbrio de interesses económicos entre os Estados Unidos e a China, que evita o colapso de um deles, mas há cada vez mais a convicção por parte de políticos e economistas americanos que se está perante um “jogo de soma-zero”, ou seja, para um país crescer, outro tem de ser afectado. Neste caso concreto, a perspectiva é de que a China está a crescer à custa dos Estados Unidos.

 

Perante este cenário, dramatizado com a intransigência chinesa em valorizar o yuan, economistas como o laureado Nobel da Economia, Paul Krugman, defendem a imposição de tarifas aduaneiras sobre os produtos vindos da China. Uma ideia que teve eco na classe política, tendo já sido aprovada na Câmara dos Representantes uma “bill” que abre portas a essa possibilidade. Nos próximos meses, o Senado deverá aprovar uma medida semelhante.

 

Como se não bastasse, a China está a restringir as exportações de matérias primas raras, usadas para a produção de produtos como o iPhone, prejudicando claramente as empresas norte-americanas, que começam a pagar mais caro por aqueles recursos essenciais para poderem manufacturar.   

 

Os Estados Unidos, que enfrentam uma conjuntura interna difícil, com uma dívida pública descontrolada, uma taxa elevada de desemprego, uma perspectiva de desvalorização do dólar, olham para a China e vêem um rival que está a crescer com taxas próximas dos 10 por cento e que se mantém inamovível nas suas posições.

 

Nesta conjuntura, a próxima Cimeira do G20, que se realizará em Seul nos dias 11 e 12 de Novembro, será muito importante e há quem já antecipe um combate feroz entre os Estados Unidos e a China.

 

Mas, os negociadores e diplomatas de ambos os países terão de ser moderados nas suas pretensões, sendo que a China terá que aprender a respeitar algumas regras do mercado internacional se quiser usufruir do mesmo, concomitantemente os Estados Unidos terão de perceber que o crescimento económico chinês não pode ser utilizado de forma demagógica para explicar os problemas internos do país.

 

Uma mentira reiterada várias vezes não se transforma numa verdade

Alexandre Guerra, 25.02.10

 

 

Por mais perverso que possa parecer, mentir e omitir são dois conceitos compreensíveis em política, e até mesmo admissíveis, quando se está, efectivamente, a falar no exercício do poder em prol de um Estado e de um povo. Não quer com isto dizer-se que ao mentir o político esteja a ser virtuoso. Seria uma hipocrisia assumir tal ideia.

 
Mas, já não será abusivo considerar-se que o “Príncipe” esteja a ser astuto na arte de governar ao negar ou omitir determinado facto, se com isso considerar que está a servir genuinamente um interesse maior: o nacional.
 
Este racional degenera quando uma mentira ou omissão são veiculadas pelo líder político, visando interesses menores, muitas das vezes de âmbito clientelar e corporativo, que em nada correspondem às obrigações nobres da governação e às exigências do Estado e dos cidadãos.
 
 
A apresentação destas linhas fica-se a dever, não tanto aos sucessivos “casos” polémicos que se têm abatido sobre o primeiro-ministro português, José Sócrates, mas antes à sua reacção e contínua negação de qualquer acto ilícito ou menos próprio.
 
O Diplomata não se propõe avaliar tal comportamento, e muito menos tirar ilações quanto à veracidade ou não das declarações de inocência reiteradas por Sócrates relativas a todos os dossiers que o envolvem. Simplesmente, toda esta história remeteu o autor destas linhas para um episódio político de proporções gigantescas que começou, precisamente, com uma negação categórica feita pelo líder sobre um polémico escândalo que o abraçara.
 
Em Janeiro de 1998, perante a juíza Susan Webber Wright, num processo de inquérito instaurado pelo procurador Keneth Starr, o então Presidente Bill Clinton dava o primeiro passo de um tortuoso e desastroso processo ao admitir que dera presentes a Monica Lewinsky, estagiária entre 1995 e 1996 na Casa Branca, mas negando ter tido “relações sexuais”. Uma afirmação reiterada dias depois numa entrevista ao programa NewsHour da PBS. A 26 de Janeiro, falando na Casa Branca aos americanos, Clinton comete o seu pecado capital ao dizer a célebre frase: “I did not have sexual relations with that woman, Miss Lewinsky.”
 
Para os americanos, era a palavra do seu Presidente e na qual queriam acreditar, legitimamente, já que a própria forma e tom com que Clinton o afirmou foram bastante convincentes. Mas, ao mesmo tempo, Clinton mergulhava numa espiral que só o puxava cada vez mais para o fundo, uma vez que em tempo algum a sua estratégia de mentira teria como fim os interesses nacionais e dos seus cidadãos.
 
“O que fizera com Monica Lewinsky fora imoral e estúpido. Estava profundamente envergonhado e não queria que viesse a lume. Estava a tentar proteger a minha família, a mim própria, da minha estupidez egoísta”, admitiu Clinton mais tarde nas suas memórias. “Com a minha conduta errada, causara danos à presidência e às pessoas. E a culpa era exclusivamente minha.”
 
E como mais tarde se veio a perceber, os americanos nunca viram nas “escapadelas” de Clinton com Mónica Lewinski um factor particularmente grave, apercebendo-se, inclusivamente, da campanha agressiva feita por Starr, que assumiu contornos inquisitórios. O problema foi a mentira reiterada várias vezes pelo Presidente americano, sem que por detrás de tal acto estivesse um interesse maior de Estado que o justificasse.
 
Clinton acabou por ver-se envolvido num processo de perjúrio, arrastando-se durante meses e fragilizando a sua imagem perante os seus concidadãos, que o quase afastou da Casa Branca, não fosse o Senado ter indeferido os factores que sustentavam a efectivação do “impeachment”.
 
Perguntará agora o leitor deste blogue sobre o que é que esta história terá a ver com José Sócrates? Provavelmente quase nada… Ou talvez tudo.
 

Uma questão de (des)alinhamento...

Alexandre Guerra, 31.07.09

 

José Pacheco Pereira referiu esta Quinta-feira à noite na Quadratura do Círculo que mesmo que fosse convidado nunca participaria num encontro de bloggers com o primeiro-ministro, José Sócrates. Das suas palavras, depreende-se que quem tenha aceite tal convite estava de certa forma a alinhar num registo conivente com o poder e a perder a sua independência intelectual e crítica face à governação.

 

Pacheco Pereira viu ainda naquele encontro um momento encenado, fruto do deslumbre que Sócrates tem pelas novas tecnologias e da “obamania” aguda que lhe perpassa a alma.

 
Ou seja, na perspectiva do autor do Abrupto, os bloggers presentes não foram mais do que meros figurantes de um filme orientado por Sócrates, cujo argumento foi também de sua autoria. E para Pacheco Pereira esta situação fere de morte o conceito original da blogosfera, que se quer irrelevante, independente e crítica.
 
Ora, aqui surge o primeiro erro de Pacheco Pereira, já que a grande virtude da blogosfera é precisamente a liberdade que cada blogger tem para ser ou fazer o que bem entender (com respeito pelo próximo, claro está).  Assim, a riqueza da blogosfera tanto reside naqueles que são alinhados como naqueles que são desalinhados com Sócrates.
 
Por isso, no contexto específico, o comentário de Pacheco Pereira poderá ser injusto para alguns dos bloggers presentes, que diariamente (e longe de terem o potencial comunicativo e a “antena” de Pacheco) vão tentando denunciar e desmontar aquilo que na sua óptica vai correndo mal nesta governação.
 
É muito possível que alguns bloggers tenham visto neste encontro uma possibilidade única de comunicar e de confrontar directamente o primeiro-ministro com algumas questões, que de outro modo nunca poderiam ver respondidas.
 
Além disso, os bloggers ao aproveitarem a possibilidade de se sentarem junto do “inimigo” poderão estar a reflectir uma estratégia inteligente, de modo a enriquecerem o seu conhecimento em relação a Sócrates.
 
Sobre este assunto poderá ser útil recuperar o pensamento de um dos heróis do conservadorismo político, que jamais cedeu nos seus princípios, apesar de se ter sentado literalmente com alguns dos seus rivais, em que dizia que o importante era manter os inimigos bem perto de si para perceber a forma como se moviam, como pensavam ou como actuavam.
 
Perante isto, pode-se afirmar que a independência intelectual não se perde tal e qual uma “contaminação viral” se tratasse. Da mesma maneira que os valores éticos e morais não se abalam com o factor de proximidade.
 
Ora, estas considerações acima enunciadas não foram tidas em conta por Pacheco Pereiro aquando do seu comentário sobre o encontro dos bloggers com Sócrates.
 
Pacheco Pereira até poderia estar coberto de razão ao referir que todos os bloggers presentes estão alinhados com o primeiro-ministro (o que não é verdade), mas deveria ter contemplado um princípio fundamental na sua análise: a blogosfera tem de tudo e é por isso perfeitamente aceitável que um qualquer encontro de bloggers reúna as mais variadas tendências.
 
Aliás, a história da comunicação política dos últimos anos tem dado alguns exemplos deste tipo de momentos “encenados”, muitos dos quais vindos dos Estados Unidos, nos quais alguns políticos foram confrontados com questões muito sensíveis e, por vezes, incómodas colocadas por uma audiência supostamente “coreografada” e “alinhada”.