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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Jesus, a política e as mulheres

Alexandre Guerra, 08.04.20

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir ao encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado eternamente, tendo o "Véu de Verónica" se tornado numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

Além do seu significado religioso, a Semana Santa representa um dos acontecimentos políticos e sociais mais importantes da Humanidade: a chegada em glória de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. O motivo era a celebração da Páscoa judaica, mas os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação e crucificação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos", desresponsabilizando-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, uma experiência única e de um interesse admirável. Percorri-a algumas vezes. É muito emocionante andar pelas várias estações que compõem a Via Dolorosa e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há 2020 anos. É um exercício interior e introspectivo, que nos confronta com o mal e sofrimento humano, mas também com a solidariedade e o amor do próximo. Para lá de qualquer leitura religiosa, pensando um pouco naqueles acontecimentos e na sociedade da altura, percebemos que são poucas as pessoas que vão em auxílio de Jesus Cristo. São sobretudo mulheres que O ajudam na hora do seu sofrimento. 

As mulheres na vida de Jesus é um dos temas mais interessantes que se encontram nos Evangelhos, mas é também um dos assuntos menos debatidos e analisados à luz daquilo que são os Direitos Humanos, nomeadamente ao nível da igualdade de género. Como disse o padre e professor universitário Anselmo Borges, numa entrevista no ano passado, Jesus Cristo terá sido o primeiro feminista da História, no entanto, poucas são as vezes em que esse mérito lhe é atribuído. E de facto, à medida que se vai ficando a conhecer melhor alguns dos episódios da vida de Jesus, sobretudo a partir do momento em que inicia o seu ministério e se faz acompanhar dos seus discípulos fiéis, começa-se a vislumbrar a forma disruptiva de como o nazareno quebrou com convenções sociais e práticas instituídas nas sociedades judaica e romana, que à época estendia o seu império até à Judeia e Galileia.

Muito além da sua intervenção política, Jesus foi inovador naquilo que, séculos mais tarde, se iria chamar de Direitos Humanos. A sua mensagem assentava num conceito de igualdade entre povos, entre ricos e pobres, entre enfermos e sãos… entre homens e mulheres. De certa maneira, a Igreja fundada por Pedro vai reflectir grande parte dessa mensagem humanista, com excepção da visão de Jesus sobre o papel da mulher na sociedade. Aqui, a Igreja ao longo dos séculos nunca foi fiel à mensagem do filho de Deus, optando por remeter a mulher para um papel secundário.

E porque terá isso acontecido? A resposta não é óbvia e pode conduzir a debates intermináveis, mas não pode deixar de causar estranheza, se tivermos em consideração que houve uma vontade expressa na Bíblia de enfatizar esse factor revolucionário relativo ao papel da mulher na sociedade. Ou seja, em momento algum, os autores da Sagrada Escritura tentaram escamotear essa realidade nem subestimar a importância histórico-religioso das mulheres que acompanharam Jesus em diferentes momentos da sua vida.

Durante o seu ministério por terras da Galileia e da Judeia, Jesus fez-se acompanhar por mulheres em condições de igualdade com os homens. E isto era uma realidade nunca vista na sociedade judaica. Tal como Pedro, Lázaro ou João, as irmãs Maria e Marta de Betânia, ou Maria Madalena, eram discípulas de Jesus e viam Nele um “mestre”, um “professor”. Jesus depositava nestas mulheres total confiança e, em muitos casos, eram elas que assumiam os encargos do quotidiano dos homens, evidenciando-se a sua emancipação sem qualquer constrangimento ou preconceito.

Analise-se, por exemplo, um dos acontecimentos mais marcantes da História da Humanidade e que agora se celebra entre os cristãos: a Paixão. No seu esforço sobre-humano e auto-sacrifício em prol de um bem maior, são sobretudo mulheres que O ajudam na sua caminhada em sofrimento. Maria Madelena é uma delas, mas também Verónica, e as chamadas "mulheres de Jerusalém", que choram pelo filho de Deus e acompanham-No com toda a sua compaixão ao Calvário. Maria, a mãe de Jesus, acolhe-O na Descida da Cruz, num gesto de “piedade”.

Dizem os Evangelhos que foram essas mesmas mulheres, muito provavelmente Maria Madalena, as primeiras a dirigirem-se ao túmulo de Jesus Cristo e a constatarem que estava vazio. Os textos sagrados não são suficientemente claros quanto aos contornos específicos desse momento, se foi apenas uma “Maria” ou mais “Marias”, mas uma coisa é certa: Pedro e João souberam da Ressurreição pela voz de uma dessas mulheres, a quem Jesus, coberto por vestes brancas, lhes terá dito para transmitir tão importante mensagem aos Apóstolos. Mensagem, essa, que foi recebida com bastante relutância por parte de Pedro e João, porque não concebiam que um acontecimento desta magnitude lhes fosse transmitido por uma mulher. Rapidamente se dirigem ao túmulo para serem confrontados com uma realidade que não conseguiram compreender.

Mas o que é facto é que as Escrituras nos deixaram esse registo, atribuindo às mulheres em geral, e em particular a Maria Madalena, a responsabilidade do anúncio de uma das ideias centrais do Cristianismo: a Ressurreição. Quando Jesus ressuscitado surge em frente a Maria Madalena, naquele preciso momento, há um reconhecimento implícito de que ela é a discípula que melhor compreendeu a Sua mensagem e o acto que tinha acabado de acontecer, tornando-se assim, de facto, a “primeira apóstola”, uma ideia que, como se sabe, nunca foi aceite pelos cânones tradicionais da Igreja.

Ao nível do poder político, parece ter havido uma compreensão imediata do potencial problema que representava o misterioso desaparecimento do corpo de Jesus Cristo. As autoridades judaicas quando souberam do fenómeno, através dos guardas do túmulo, mantiveram segredo em relação à versão original que lhes contaram e não perderam tempo a forjar uma teoria da conspiração para justificar o acontecimento, fazendo passar a mensagem de que os discípulos de Cristo tinham roubado o seu corpo durante a noite, no que poderia ser interpretado com um acto de fanatismo. Ironicamente, para os historiadores, esta posição da parte dos anciões judeus, acabaria por ser a assunção de que o túmulo estava, efectivamente, vazio, dando força a uma das ideias centrais do Cristianismo: a Ressurreição. 

Uma semana (pouco) santa

Alexandre Guerra, 26.03.18

 

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir de encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado eternamente, tendo o "Véu de Verónica" tornado-se numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

 

Além do seu significado religioso, a Semana Santa representa um dos acontecimentos políticos e sociais mais importantes da Humanidade: a chegada em glória de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. O motivo era a celebração da Páscoa judaica, mas os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação e crucificação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos", desresponsabilizando-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, uma experiência única e de um interesse admirável. Percorri-a algumas vezes, primeiro no Verão de 2001 e depois em 2002, anos marcados pela violência da intifada de al Aqsa (de Setembro de 2000 a 2005), que afastaram por completo os turistas da Cidade Santa. Se é verdade que esse facto provocou um enorme rombo no comércio local, por outro lado, proporcionou uma experiência rara, ao permitir a um estrangeiro andar pelas muralhas da cidade de Jerusalém apenas em convívio exclusivo com os (poucos) locais. É muito emocionante percorrer as várias estações que compõem a Via Dolorosa e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há cerca de 2000 anos. É um exercício interior e introspectivo, que nos confronta com o mal e sofrimento humano, mas também com a solidariedade e o amor do próximo. Para lá de qualquer leitura religiosa, pensando um pouco naqueles acontecimentos e na sociedade da altura, percebemos que são poucas as pessoas que vão em auxílio de Jesus Cristo. São sobretudo mulheres que O ajudam na sua caminhada em sofrimento. Maria, Verónica e depois as "mulheres de Jerusalém" choram pelo filho de Deus e acompanham-No com toda a sua compaixão ao Calvário. 

 

Dizem os Evangelhos que foram essas mesmas mulheres, as primeiras a dirigirem-se ao túmulo de Jesus Cristo e a constatarem que estava vazio. Os textos sagrados não são suficientemente claros quanto aos contornos específicos desse momento, se foi apenas uma “Maria”, provavelmente Maria Madalena, ou se outras “Marias”, mas uma coisa é certa: Pedro e João souberam da Ressurreição pela voz de uma dessas mulheres, a quem Jesus, coberto por vestes brancas, lhes terá dito para transmitir tão importante mensagem aos apóstolos. Mensagem essa que foi recebida com bastante relutância por parte de Pedro e João, porque não concebiam que um acontecimento desta magnitude lhes fosse transmitido por mulheres. Rapidamente se dirigem ao túmulo para serem confrontados com uma realidade que não conseguiram compreender.

 

No entanto, ao nível do poder político, parece ter havido uma compreensão imediata do potencial problema que representava o misterioso desaparecimento do corpo de Jesus Cristo. As autoridades judaicas quando souberam do fenómeno, através dos guardas do túmulo, mantiveram segredo em relação à versão original que lhes contaram e não perderam tempo a forjar uma teoria da conspiração para justificar o acontecimento, fazendo passar a mensagem de que os discípulos de Cristo tinham roubado o seu corpo durante a noite, no que poderia ser interpretado com um acto de fanatismo. Ironicamente, para os historiadores, esta posição da parte dos anciões judeus, acabaria por ser a assunção de que o túmulo estava, efectivamente, vazio, dando força a uma das ideias centrais do Cristianismo: a Ressurreição. 

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

A compaixão feminina na Via Dolorosa

Alexandre Guerra, 13.04.17

 

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir de encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado eternamente, tendo o "Véu de Verónica" se tornado numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

 

"No meio da multidão que O segue, há um grupo de mulheres de Jerusalém: conhecem-No. Vendo-O naquelas condições, misturam-se com a multidão e sobem para o Calvário. Choram. 

 

Jesus vê-as, entende o seu sentimento de compaixão. E, mesmo num momento trágico como aquele, quer deixar uma palavra que ultrapasse a simples compaixão. Deseja que nelas, que em nós não haja apenas comiseração mas conversão do coração. [...]

 

Muitas vezes as situações não melhoram, porque não nos empenhámos em fazê-las mudar. Retiramo-nos sem fazer mal a ninguém, mas também sem fazer o bem que poderíamos e deveríamos fazer. E talvez alguém esteja a sofrer por isso, pela nossa evasão."  

Do Evangelho segundo Lucas 23, 27-28

 

A Semana Santa, além do seu significado religioso, representa um dos acontecimentos políticos e sociais mais importantes da Humanidade: a chegada de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. Os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos", desresponsabilizando-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, prolongando-se até à Igreja do Santo Sepulcro. 

 

É sem dúvida uma experiência única e de um interesse admirável. Percorri-a algumas vezes, primeiro no Verão de 2001 e depois em 2002, anos marcados pela violência da intifada de al Aqsa (de Setembro de 2000 a 2005), que afastaram por completo os turistas da Cidade Santa. Se é verdade que esse facto provocou um enorme rombo no comércio local, por outro lado, proporcionou-me uma experiência rara, ao permitir a um estrangeiro andar pelas muralhas da cidade de Jerusalém apenas em convívio exclusivo com os (poucos) locais. É muito emocionante percorrer as várias estações que compõem a Via Dolorosa e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há cerca de 2000 anos. É um exercício interior e introspectivo, que nos confronta com o mal e sofrimento humano, mas também com a solidariedade e o amor do próximo. Pensando um pouco naqueles acontecimentos, percebemos que são sobretudo as mulheres que vão em auxílio de Jesus Cristo na sua caminhada em sofrimento. Maria, Verónica e depois as "mulheres de Jerusalém", choram pelo filho de Deus e acompanham-No com toda a sua compaixão ao Calvário.

 

O nascimento de Jesus Cristo e a política

Alexandre Guerra, 23.12.16

 

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The Adoration of the Magi  
ANTONIO VIVARINI (Murano, 1440-1480) 
Gemäldegalerie, Berlin

 

O Natal é vivido pela maioria das pessoas como um acontecimento "familiar", no qual se celebra o nascimento do Rei dos Judeus (embora nas actuais sociedades pós-modernas já muito poucos façam essa associação). Nesta lógica de pensamento, a época natalícia é sobretudo um fenómeno social com um brutal impacto económico. No entanto, e remontando às origens do Natal, na pequena cidade de Belém, vislumbrava-se algo mais do que a componente familiar/social. Efectivamente, não foi preciso muito tempo para que o nascimento de Jesus Cristo fosse assumindo um carácter político e para que lhe tivesse sido atribuído uma dimensão para lá da manifestação familiar/social.

 

O Império Romano acabaria por constatar essa tendência nos seus terrítórios, ao ver transformado um fenómeno social e religioso numa questão política. A fundação da Igreja de Roma por São Pedro, o Pescador, e o respectivo "aval" do Império acabou por ser uma resposta política a um problema que extravasava as esferas social e religiosa. Porém, esta componente política raramente é associada ao nascimento de Jesus Cristo e ao Natal na altura das pessoas se reunirem na noite da Consoada. Aqui, sobressai sempre o espírito familiar daquela noite de Belém. Mas, repare-se que mesmo nesse ambiente surgiu o primeiro sinal político, com a presença de emissários (Três Reis Magos) que, vindos do Próximo Oriente, deslocaram-se à Cisjordânia para ver o recém nascido "rei" dos judeus. Aliás, este acontecimento gerou de imediato preocupações políticas na corte do Rei Herodes, sentindo-se este ameaçado com o nascimento de Jesus Cristo.

 

Tal como se veio a verificar mais tarde, as preocupações de Herodes adensaram-se, tendo o nascimento de Jesus Cristo transformado-se numa problemática de poder para a corte hebraica, originando as mais vis e perversas tácticas de propaganda e contra-informação, de forma a fragilizar o novo "Rei dos Judeus" perante o Império e mais tarde face ao Sinédrio. Apesar disto, a verdade é que o Natal é unicamente associado a uma noite idílica de criação, esquecendo-se quase sempre os ventos turbulentos que tal acto trouxe consigo. Por isso, seria um exercício interessante e curioso se as famílias aproveitassem esta época festiva para se reunirem à mesa não apenas para comer e trocar oferendas, mas para discutir e debater a sociedade que os rodeia, os seus problemas e desafios. Estariam a celebrar verdadeiramente o nascimento de Jesus Cristo.

 

Publicado originalmente a 23 de Dezembro de 2015

 

O privilégio de percorrer a Via Dolorosa

Alexandre Guerra, 22.03.16

 

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir de encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado, tendo o "Véu de Verónica" se tornado numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

 

A Semana Santa, além do seu significado religioso, representa um dos acontecimentos políticos mais importantes da Humanidade: a chegada de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. Os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. 

 

O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos" e desresponsabilizado-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, prolongando-se até à Igreja do Santo Sepulcro. É sem dúvida uma experiência única e de um interesse admirável. Já o fiz várias vezes, mas em dois anos seguidos conturbados, marcados pela violência da intifada de al Aqsa (de Setembro de 2000 a 2005), que afastaram por completo os turistas da Cidade Santa. Se é verdade que esse facto provocou um enorme rombo no comércio local, por outro lado, proporcionou uma experiência rara, ao permitir a um estrangeiro andar pelas muralhas da cidade de Jerusalém apenas em convívio exclusivo com os autóctones.

 

Efectivamente, andar horas pelas ruelas e vielas dentro das muralhas sem encontrar um único estrangeiro era algo impossível nos anos 90, quando se assistiu a uma revitalização do turismo em Jerusalém, fruto de um clima de desanuviamento entre palestinianos e israelitas. Mas, tudo mudou com o início da intifada de al Aqsa. E, foram tantas as vezes que estive na Igreja do Santo Sepulcro ou no Muro das Lamentações sem um único turista à vista. Esta situação prolongou-se por vários anos, e só até há poucos anos os visitantes começaram a regressar ao Médio Oriente.

 

Regressando à Via Dolorosa, é particularmente emocionante percorrer as várias estações que compõem aquele percurso e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há cerca de 2000 anos. É quase como que um exercício interior e introspectivo, aquele de encontrar as placas com as etapas da passagem de Jesus Cristo. Recordo que sem turistas e guias, lá fui descobrindo os vários pontos nas inúmeras vezes que caminhei pelas ruas da Via Dolorosa. Na altura, não deixei de pensar que a violência da intifada de al Aqsa teve consequências trágicas para israelitas e palestinianos, mas, ironicamente, foi essa mesma violência que acabou por criar um ambiente totalmente hostil ao turismo de massa, e que acabou por revelar aquilo que faz de Jerusalém um local especial na história da Humanidade.

 

Para mim, foi um privilégio visitar Jerusalém e percorrer a Via Dolorosa nesses tempos.

 

A velhinha que transformou Jesus Cristo num "macaco"

Alexandre Guerra, 22.08.12

 

O antes e o depois do restauro ao Ecce Homo

 

Quantas vezes ouviu a célebre frase do “faça você mesmo”? Certamente que muitas e, provavelmente, já a terá levado à prática por diversas ocasiões, sobretudo nestes tempos de crise, onde cada euro poupado é um euro ganho.

 

Mas atenção caro leitor, se é verdade que o seu empenho é meritório e louvável, pense bem antes de se meter por territórios desconhecidos, arriscando-se a fazer “borrada” (perdoe-me o leitor a linguagem mais brejeira).

 

Pois, foi literalmente isso que aconteceu numa operação de restauro espontâneo levado a cabo por uma velhinha de 80 anos em Espanha que, perante a deterioração do fresco Ecce Homo, de Elías García Martínez, meteu mãos à obra, e em apenas duas horas, espante-se o leitor, transformou Jesus Cristo em algo parecido com um "macaco bastante peludo na cabeça" (é uma interpretação do correspondente da BBC News e não deste vosso autor)

 

Perante tal “profanação” ou "intervenção artística" (dependendo da perspectiva) daquela obra do Santuário da Misericórdia, que fica situado num topo do monte na localidade de Borja, Saragoça, os alarmes soaram em toda a Espanha.

 

Ninguém dúvida das boas intenções da senhora Cecilia Giménez, residente na paróquia do Santuário, que já veio dizer que o “fez com toda a boa fé do mundo”, para poder meter a igreja mais bonita. Além disso, disse que não fez nada às escondidas porque toda a gente que ia entrando no Santuário a via a pintar. Cecilia Giménez escreveu mesmo uma legenda por debaixo do fresco que dizia: "Este es el resultado de dos horas de trabajo a la Virgen de la Misericordia".

 

Mas o mais irónico desta história, e como referia o El País, desde o meio da manhã desta Quarta-feira já toda a Espanha conhecia o Santuário da Misericórdia e sobretudo o Ecce Homo, uma obra do início do século XIX que não é particularmente valiosa.

 

Ou melhor, não era particularmente valiosa. Porque, depois da intervenção transformista levada a cabo pela senhora Cecilia Giménez, o Ecce Homo é, agora, uma verdadeira obra de arte, certamente com valor de mercado. 

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Aldeia síria é o único local do mundo onde ainda se fala aramaico dos tempos bíblicos

Alexandre Guerra, 04.04.10

 

No dia em que se celebra a ressurreição de Jesus Cristo, o Diplomata sugere uma reportagem da BBC News sobre os esforços que estão a ser feitos numa pequena aldeia perto de Damasco para evitar que a língua do "Salvador" se extinga.

 

Maaloula é o único local no mundo onde ainda existem pessoas, quer cristãos, quer muçulmanos, que falam aramaico praticamente idêntico ao dos tempos bíblicos, no entanto, aquela aldeia "escondida" nas montanhas tem visto, ao longo dos últimos anos, os seus autoctones partirem para outras paragens à procura de melhores condições de vida.

 

Perante esta realidade, as autoridades locais e várias pessoas daquela comunidade estão empenhadas em manter viva a língua de Cristo na aldeia, através de programas especiais de ensino e de outras iniciativas. Mas, a não ser que seja feito um "esforço global", nomeadamente através de institutos estrangeiros, é muito provavel que o aramaico não consiga sobreviver.