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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A Via Sacra dos dias de hoje

Alexandre Guerra, 29.03.13

 

 

Diz a tradição cristã que há cerca de dois mil anos um judeu da Nazaré percorreu com uma cruz de madeira às costas e em grande sofrimento as ruas estreitas de Jerusalém. Hoje, a cruz é outra e quem a carrega são palestinianos, que vêem cada vez mais distante o sonho da criação de um Estado independente.

 

O massacre que o Islão nunca esqueceu

Alexandre Guerra, 19.09.11

 

 

Há uns tempos, o autor destas linhas comprou um daqueles pequenos livros da Penguin, de sensivelmente 60 páginas, em que se podem ler extractos da extensa obra “A History of the Crusades” (Cambridge University Press, 1951) do conceituado historiador britânico “Sir” Steven Runciman, falecido em 2000, com 97 anos.

 

Tendo dedicado parte da sua vida ao estudo da Idade Média, Runciman teve em “A History of the Crusades” a sua grande criação, que ainda hoje é um farol para aqueles que pretendem debruçar-se sobre o conhecimento das incursões cristãs no Médio Oriente.

 

O tal pequeno livro da Penguin, de forma muito sucinta e clara, versa sobre os preparativos da Primeira Cruzada e o “assalto” a Jerusalém, sem esquecer os conturbados acontecimentos que se verificaram em Constantinopla e noutras cidades durante a jornada.

 

Começa por ler-se sobre o entusiasmo e o apelo às armas do Papa Urbano II, no final do Verão, início de Outono de 1095, altura em que começa o movimento inspirador das Cruzadas.

 

Da mobilização ao envio dos primeiros cruzados passaram poucos meses, para que se iniciasse um processo de violência desenfreada numa lógica da Cristandade contra todos (judeus, turcos, muçulmanos), incluindo contra os "irmãos" cristãos espalhados pelo Império Bizantino.

 

As atrocidades e a violência cometidas em nome da Fé durante a Primeira Cruzada, nomeadamente aquando do assalto e do massacre de Jerusalém em Julho de 1099, levaram Runciman a encontrar resposta para a questão primeira sobre a origem do conflito entre o Cristianismo e o Islão e que se perpetuou até aos dias hoje, afirmando que “o banho de sangue foi a prova do fanatismo cristão que recriou o fanatismo do Islão”.

 

O interessante nesta pequena passagem da obra de Runciman (uma obra que este autor confessa não conhecer) é ficar expressa a ideia de que a origem doutrinária da inimizade que persiste nos tempos modernos entre o Islão e o Cristianismo remonta à Primeira Cruzada, fazendo uma distinção com os séculos anteriores de expansão árabe.

 

Runciman centra-se, antes, em episódios concretos de uma política papal e europeia expansionista na qual os fins justificaram todos os meios de violência.

 

Aquilo que é hoje o ressentimento doutrinário e ideológico do Islão contra o estilo de vida das sociedades ocidentais de herança cristã pode ter origem nos acontecimentos dramáticos naqueles dias de Julho de 1099 que se seguiram à conquista de Jerusalém, quando no interior das muralhas daquela cidade os cruzados eufóricos com a sua vitória invadiram ruas, casas, mesquitas e sinagogas, não poupando homens, mulheres e crianças muçulmanas e judaicas.

 

Raymond of Aguilers, um dos cronistas da Primeira Cruzada e que na manhã a seguir ao massacre (15 de Julho) chegou ao Pátio das Mesquitas (principal local sagrado muçulmano na cidade histórica de Jerusalém), conta que viu o chão coberto de corpos e de sangue que chegava até aos seus joelhos.

 

O massacre de Jerusalém impressionou o mundo, desconhecendo-se o número de vítimas, falando-se em milhares. Certo foi que a cidade ficou sem muçulmanos e judeus. Mesmo entre alguns cristãos, aqueles acontecimentos causaram horror.

 

Perante estes acontecimentos, Runciman relembra que mais tarde, quando alguns sábios religiosos do quarteirão latino em Jerusalém “tentaram encontrar alguma base na qual cristãos ou muçulmanos pudessem trabalhar juntos, a memória do massacre estava sempre no seu caminho”.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.

 

Nem a crise espoletada por Netanyahu afastou os peregrinos de Jerusalém

Alexandre Guerra, 02.04.10

 

Cristãos, esta Sexta-feira Santa, na Igreja do Santo Sepulcro/Associated Press

 

A Igreja do Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém, recebeu esta Sexta-feira Santa milhares de peregrinos que, na sua demanda espiritual, não se importaram de esperar horas para entrar na pequena tumba, onde, segundo a tradição cristã, está o túmulo de Jesus Cristo e no qual ressuscitou no Domingo de Páscoa.

 

É um dos locais mais venerados pelos cristãos, registando naturalmente na Páscoa uma afluência de pessoas de todo o mundo. Este ano com a particularidade dos festejos dos católicos e dos cristãos ortodoxos coincidirem no calendário.

 

Perante isto, não é de estranhar as medidas adoptadas pela polícia de Israel, ao mobilizar de 2500 polícias para o interior e exterior das muralhas da Cidade Velha.

 

Claro está que o aparato policial pouco ou nada tem a ver com os “visitantes” ou “peregrinos”, mas sim com um clima de tensão crescente nas últimas semanas, depois do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ter anunciado há sensivelmente três semanas a construção de mais 1600 casas num colonato em Jerusalém Oriental.

 

Além de ter criado uma crise política com Washington, Netanyahu espoletou novos confrontos entre palestinianos e israelitas, muitos deles centrados precisamente na Cidade Velha de Jerusalém. Como seria de esperar, o processo negocial voltou a cair nas ruas da amargura e neste momento poucos acreditam que possam haver desenvolvimentos positivos nos próximos tempos.

 

Mas no meio deste clima há uma ilação interessante a tirar, já que apesar da situação mais tensa e conturbada verificada nas últimas semanas, os estrangeiros não recearam deslocar-se a Israel.

 

Como em tempos alguém disse ao autor destas linhas, as ruas da Cidade Velha de Jerusalém foram sempre um excelente barómetro para se compreender o quão a situação no terreno está complicada e qual a percepção no estrangeiro.

 

Quanto maior for a consternação internacional por causa da violência em Israel e na Cisjordânia, mais os peregrinos e turistas se afastam da Terra Santa, naturalmente.  

 

Cristãos ortodoxos a caminhar na Via Dolorosa/Associated Press

 

A tal ponto que, em 2001 e 2002, na altura mais explosiva da Intifada de al-Aqsa, o autor destas linhas era literalmente dos poucos estrangeiros a circular nas ruas da Cidade Velha. Efectivamente, nunca Jerusalém se ressentiu tanto no turismo como naqueles anos de brutal violência e nos quais os atentados suicidas aconteciam quase todas as semanas.

 

Embora sob um ambiente de conflito, o Diplomata confessa que se sentiu um privilegiado ao poder usufruir de lugares históricos, como a Igreja do Santo Sepulcro, num ambiente sereno e tranquilo e sem o “ruído” do turismo e da peregrinação de massas.

 

O Diplomata recorda bem como, por várias vezes, era literalmente a única pessoa a visitar ao túmulo de Jesus Cristo, fosse de manhã ou ao final da tarde, e a circular nas escuras catacumbas e nos sinuosos corredores da Igreja do Santo Sepulcro, ao som dos rituais dos vários credos religiosos que convivem naquele espaço.

 

Foram condições raras e, provavelmente, apenas tiveram paralelo durante os períodos de guerra entre Israel e potências estrangeiras. Nem mesmo durante a Primeira Intifada, Jerusalém ficou tão deserto de turistas e de estrangeiros.

 

Peregrinos cristãos a segurar a cruz na Via Dolorosa/Associated Press

 

Tempos conturbados aqueles vividos durante a Intifada de al-Aqsa e que se espera que não se voltem a repetir porque, convém não esquecer: o privilégio do autor destas linhas foi conseguido à custa da sangrenta realidade que se vivia então no Médio Oriente.

 

É por isso que não deixa de ser um sinal positivo constatar-se que nesta Sexta-feira Santa milhares de peregrinos estrangeiros e turistas se deslocaram a Jerusalém para visitar a Igreja do Santo Sepulcro, certamente motivados por uma melhoria das condições no terreno quando comparadas com os violentos anos da Intifada de al-Aqsa.

 

Netanyahu diz "não" a Washington e fragiliza Obama no processo israelo-palestiniano

Alexandre Guerra, 18.11.09

 

 

A Casa Branca, através do seu porta-voz Robert Gibbs, manifestou um profundo desagrado pela decisão do Governo israelita de autorizar a construção de mais 900 habitações no colonato de Gilo, contíguo à parte oriental da cidade de Jerusalém.

 

Washington admite claramente que a decisão do Jerusalem Planning Committe, a entidade directamente responsável pelo licenciamento das novas casas, torna "mais difícil" o reatamento das conversações israelo-palestinianas.

 

Esta decisão foi também ratificada pelo Ministério do Interior isrealita, que é o mesmo que dizer com o apoio do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, desde há muito um defensor acérrimo da expansão dos colonatos hebraicos nos territórios da Cisjordânia.

 

De acordo com o correspondente da BBC em Washington, Paul Adams, corre nos "corredores" daquela cidade a ideia de que Netanyahu está a conseguir inutilizar os parcos esforços do Presidente Barack Obama no processo de paz do Médio Oriente. Porém, existem algumas vozes que dizem ser ainda demasiado cedo para se tirar uma conclusão sobre a estratégia que Obama esteja, eventualmente, a seguir nesta matéria.

 

Seja como for, certo é o facto dos apelos do Presidente americano não estarem a ser tidos em conta por Netanyahu, como admitiu o próprio George Mitchell, enviado dos Estados Unidos ao Médio Oriente. Segundo o jornal israelita Yedioth Aharanot e a Israel Army Radio, Mitchell terá interpelado directamente Netanyahu na Segunda-feira em Londres, pedindo-lhe que congelasse a expansão dos colonatos, já que Washington se opunha veementemente a esta estratégia.

 

 A resposta de Netanyahu foi negativa, justificando com o facto da expansão do colonato de Gilo não ser da competência do Executivo, mas sim, única e exclusivamente do município de Jerusalém. Relembre-se que apesar de Gilo está para lá da Green Line, Israel defende que aquele colonato é parte integrante de Jerusalém, cidade que na sua totalidade é considerada pelos governantes hebraicos como parte do Estado judaico.

 

A ser verdade a conversa entre Mitchell e Netanyahu (e a julgar pela reacção da Casa Branca tudo leva a crer que sim), as relações entre Telavive e Washington entram numa nova fase, visto ser caso raro na história daqueles dois países, governantes israelitas desafiarem de forma tão frontal um pedido feito pela Casa Branca. 

 

Netanyahu parece tê-lo feito, gerando o desagrado de Obama, bem evidente nas palavras de Gibs, e colocando o Presidente  americano numa situação delicada. 

 

Com esta iniciativa, o primeiro-ministro israelita consegue claramente uma posição de força no que diz respeito à política da expansão dos colonatos, um dos temas mais quentes do dossier israelo-palestiniano. Por outro lado, esta medida frustra qualquer tentativa negocial por parte de Washington, algo que também poderá ser do agrado de Netanyahu, tido como um "falcão" que nunca aceitará ceder em matérias como os colonatos, o estatuto de Jerusalém ou o direito de retorno dos refugiados palestinianos.

 

Por outro lado, o jogo que Netanyahu está a fazer poderá ser bastante arriscado, já que Washington foi sempre um aliado fiel de Israel, país que durante a sua história divergiu dos Estados Unidos em vários momentos, mas cujos seus governantes nunca ousaram desafiar Washington de forma tão frontal e directa, como parece que Netanyahu está agora a fazer.

 

Israel aproveita irrelevância política de Mahmoud Abbas e aprova mais colonatos

Alexandre Guerra, 17.11.09

 

O anúncio recente feito pelo Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, dando conta de que não se iria recandidatar nas eleições previstas para Janeiro, foi interpretado por alguns analistas como uma forma de pressão sobre Israel e sobre Washington, para que desbloqueassem o processo negocial, entretanto caído em mais um impasse.

 
Efectivamente, em política, nomeadamente naquela que lida com as grandes questões internacionais, esta é uma leitura que poderia ser feita, no entanto, Abbas nunca foi um homem de grandes manobras de bastidores. Ao contrário do seu antecessor, Abbas tem revelado uma certa sinceridade e, até mesmo, ingenuidade na forma como tem lidado com Israel.
 
Ora, este tipo de comportamento numa conjuntura como aquela que se vive há décadas no Médio Oriente não parece colher grandes frutos na hora de se exercer poder e influência na mesa das negociações. Aliás, a atitude de Abbas, que humanamente pode ser muito louvável, em termos políticos é desastrosa, fragilizando-o, ao ponto de Telavive ter assumido a sua agenda estratégica nos últimos anos sem ponderar qualquer tipo de contacto com Abbas. De tal forma, que Israel suspendeu unilateralmente o processo negocial e seguiu tranquilamente com a sua agenda de expansão de colonatos.
 
Mahmoud Abbas tornou-se, assim, uma figura meramente decorativa para Israel e, de certa forma, também para uma parte considerável dos territórios ocupados, nomeadamente na Faixa de Gaza. Até mesmo Washington, Moscovo ou Bruxelas parecem olhar para Abbas sem qualquer confiança quanto à sua autoridade e influência negocial. O Presidente da Autoridade Palestiniana terá percebido isso há algum tempo e, claramente, chegou o momento em que optou por sair de cena.
 
A sua irrelevância política face a Israel tem sido comprovada reiteradamente, tendo o Ministério do Interior israelita acabado de aprovar o licenciamento para a construção de mais 900 unidades habitacionais num dos colonatos hebraicos a leste de Jerusalém. Perante isto, Abbas limitou-se a comunicar, através do seu porta-voz, que “Israel deu mais um passo no sentido de demonstrar que não está pronto para a paz”.
 

Israel ordena as suas embaixadas a usar foto como "arma" de "public relations"

Alexandre Guerra, 22.07.09
 
As “public relations”, quando utilizadas ao serviço de um qualquer Estado, podem transformar-se num importante instrumento de “soft power”, visando os mais variados interesses e objectivos políticos. Por vezes, os governantes assumem frontalmente a sua estratégia, sobretudo quando estão perante um tema consensual no seio da sua opinião pública. Os “desígnios nacionais” são normalmente objecto de campanhas de comunicação e de “public relations” por parte do Estado, sempre na defesa dos interesses de um país.
 
Husseini e Hitler reunidos em Berlim, 1941
 
Por exemplo, tal aconteceu com a causa de Timor Leste, em que o Governo português, em nome de um desígnio nacional, accionou uma campanha de “public relations” (e também “public affairs”) sem precedentes, conseguindo transformá-la em “soft power”, utilizando-o posteriormente com mestria nos corredores diplomáticos. A estratégia delineada pelo Governo português acabaria por conduzir ao processo de independência daquela pequena nação.
 
Resumindo, os Estados recorrem às “public relations” para defender os seus interesses, sejam eles virtuosos ou perversos, transparentes ou obscuros.
 
É nesta última categoria de interesses que se pode interpretar a mais recente directiva do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, ao ter ordenado aos departamentos de comunicação das suas embaixadas em todo o mundo para utilizarem nas suas iniciativas de “public relations”, sempre que puderem, uma polémica e constrangedora fotografia para o povo palestiniano.
 
Na imagem, vê-se um encontro entre o Grande Mufti de Jerusalém, Amin al-Husseini e o líder do regime nazi, Adolf Hitler, na cidade de Berlim em 1941. Embora a relação diplomática na altura da II GM entre a cúpula palestiniana e o regime nazi seja uma evidência histórica, a verdade é que tal associação continua a ser um tema sensível para os palestinianos.
 
Percebendo o quão incomodativo pode ser esta imagem para os palestinianos, foi o próprio chefe da diplomacia hebraica, o ultranacionalista Avigdor Lieberman, que deu indicações para todas as embaixadas israelitas utilizarem a foto o mais que puderem em todos os momentos de comunicação.