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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Até quando as potências mundiais aceitarão passivamente os testes da Coreia do Norte?

Alexandre Guerra, 06.03.17

 

A Coreia do Norte lançou/testou esta Segunda-feira mais quatro mísseis balísticos de médio alcance, que acabaram por cair no Mar do Japão. É um cenário que se tem repetido vezes de mais e tem toda a razão o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao classificar aquela acção como "extremamente perigosa". Três daqueles mísseis despenharam-se na Zona Económica Exclusiva nipónica, ou seja, numa área até ao máximo de 200 milhas náuticas da sua linha de costa. Inicialmente, as primeiras notícias falavam em mísseis de curto alcance que, podem ir até aos 500 quilómetros, mas mais tarde percebeu-se que se tratava de projécteis que alcançaram, pelo menos, os 1000 quilómetros de distância. E é por causa disto que os alarmes em Tóquio e em Seul estão a soar, porque o regime norte-coreano tem vindo a fazer testes consecutivos, sendo notórios os progressos que têm sido alcançados por Pyongyang. O regime norte-coreano não esconde o objectivo de vir a desenvolver um míssil balístico intercontinental (ICBM), cujo alcance vai para além dos 5500 quilómetros, ou seja, capaz de atingir território dos Estados Unidos. É certo que o desenvolvimento da tecnologia de mísseis, por si só, constitui uma ameaça diminuta, mas o problema é que, paralelamente, Pyongyang tem continuado a envidar esforços no seu programa nuclear, suspeitando-se que já possa ter conseguido, com sucesso, construir ogivas suficientemente pequenas para serem transportadas numa cabeça de míssil. E é nesta conjugação terrível que surge a ameaça à paz internacional. 

 

Entre 2006 e 2016, a Coreia do Norte efectuou cinco testes nucleares e, de acordo com o que se vai sabendo, o poder destrutivo dos engenhos tem vindo a aumentar. As ondas de choque detectadas pelos sismógrafos japoneses no último teste subterrâneo norte-coreano de Setembro do ano passado, revelaram uma explosão com a potência de 10 a 30 quilotoneladas. Dada a escassez de informação relativa ao programa nuclear da Coreia do Norte, os especialistas não conseguem ter a certeza quanto ao tipo de bomba de que se está a falar. Se é de hidrogénio, as chamadas bombas termonucleares, as mais potentes, que assentam num processo de fusão de isótopos de hidrogénio (na verdade é um duplo processo, já que tem uma fissão inicial), ou se é uma bomba atómica (fissão). Apesar do regime de Pyongyang ter anunciado que os dois testes realizados em 2016 foram de bombas de hidrogénio, os especialistas duvidam deste alegação, uma vez que não tiveram suficiente potência para se enquadrarem nessa categoria.

 

Apesar destes sinais de preocupação, o grau de desenvolvimento da tecnologia nuclear e dos respectivos vectores de lançamento ainda não atingiu aquele patamar dramático, em que a Humanidade se vê perante a iminência de ter um regime esquizofrénico na posse de um engenho capaz de aniquilar milhões de pessoas. No entanto, se a Coreia do Norte continuar a ter esta "liberdade" para manter em curso o seu programa de armas de destruição maciça (como parece que está a ter, apesar de todas as restrições), é apenas uma questão de "quando" (e não "se") terá um míssil balístico nuclear pronto a ser disparado, capaz de atingir países vizinhos inimigos, como a Coreia do Sul e o Japão ou até mesmo os EUA.  

 

Estranhamente, a comunidade internacional parece estar bastante permissiva perante esta ameaça, dando muito mais atenção a outros assuntos (importantes, é certo), mas que não têm a gravidade do que se está a passar na Coreia do Norte. Admito que o perigo não esteja ao virar da esquina, mas é muito provável que, se nada for feito, poderemos chegar ao dia em que terão que ser tomadas medidas dramáticas para evitar um mal maior. A História recente tem alguns episódios de acções "preemptivas" e "preventivas", nomeadamente executadas por Israel, que levaram à destruição de complexos militares de desenvolvimento de armas de destruição maciça. Em 1981, o primeiro-ministro hebraico Menachem Begin deu ordem para que oito caças F-16 destruíssem o reactor nuclear de Osirak, no Iraque, que Israel acreditava produzir plutónio para ogivas. Secretamente e contra a vontade de Washington, Begin não hesitou. Estava lançada a “doutrina Begin”, que assenta no seguinte princípio: “The best defense is forceful preemption." Para Begin, nenhum adversário de Israel deveria adquirir armas nucleares. Em 2007, seria a vez de Ehud Olmert pôr em prática a “doutrina Begin”, desta vez contra a Síria. Anos mais tarde, a New Yorker explicava como Israel tinha bombardeado secretamente o suposto reactor nuclear de Al Kibar sem que ninguém desse por isso e o assumisse posteriormente.

 

Estes exemplos devem ser tidos em conta quando se analisa a ameaça do programa nuclear norte-coreano, porque, por mais violentos que tenham sido os regimes de Saddam e de Hafez al-Assad, nunca chegaram ao grau de loucura e de insanidade das lideranças de Pyongyang. Bem sabemos que qualquer acção militar contra a Coreia do Norte contaria, quase de certeza, com a oposição da China, no entanto, não deixa de ser preocupante a atitude contemplativa que as principais potências têm tido em relação à forma como Pyongyang tem desenvolvido o seu programa de armas de destruição maciça. Por muito menos, mas muito menos mesmo, os EUA invadiram o Iraque em 2003.

  

Sem "degelo", de pouco serve um aperto de mão para as câmaras

Alexandre Guerra, 10.11.14

 

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Será difícil quantificar em palavras o valor desta imagem, mas uma coisa é certa, a fotografia tirada esta Segunda-feira aos líderes do Japão e da China, à margem da cimeira da organização Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC), é bem elucidativa da frieza que existe, actualmente, nas relações diplomáticas entre aqueles dois países. Foi a primeira vez, em dois anos, que o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, e o Presidente chinês, Xi Jinping, encetaram negociações formais, mas se o resultado era para ser este, mais valia que os seus assessores não tivessem promovido este "aperto de mão", um gesto que nas relações internacionais serve, normalmente, para transmitir uma mensagem de confiança e de aproximação entre os Estados. Sem um "degelo" efectivo, de pouco serve que os dois governantes tenham posado para as câmaras com um aperto de mão feito por obrigação. Um momento comunicacional sem qualquer ganho e facilmente evitável.

 

Reinterpretar a Constituição

Alexandre Guerra, 01.07.14

 

As constituições dos países não devem ser interpretadas de forma estrita e literal. Devem ser lidas com bom senso e à luz de determinado contexto histórico. Podem ser textos mais ou menos genéricos, mas todos eles enunciam princípios e conceitos que resistem bem ao passar dos tempos, necessitando apenas de uma interpretação mais lata e adequada aos dias que se vivem. 

 

Talvez um dos melhores exemplos desse exercício esteja na Constituição dos Estados Unidos que, com mais de 300 anos e apenas sete artigos e 27 emendas subsequentes, nunca parece perder actualidade. E isto deve-se não apenas ao espírito mais genérico e abstracto do seu texto, mas também ao facto da sua interpretação atender às diferentes contingências políticas, sociais, económicas e religiosas que a sociedade americana tem atravessado ao longo dos anos. 

 

Com base neste princípio, o Governo japonês decidiu "reinterpretar" a sua Constituição, datada de 1947, na parte que concerne à cláusula da "renúncia à guerra enquanto direito soberano da nação", imposta por Washington, na ressaca da derrota do Japão da II GM. Foi à conta deste artigo que o Japão nos quase últimos 70 anos assumiu um perfil pacifista, arredado dos assuntos da "guerra e paz" nas Relações Internacionais. 

 

O Executivo de Shinzo Abe pretende, assim, dar uma maior vitalidade às suas forças armadas, alegando o interesse da defesa colectiva e regional naquela zona do Pacífico. Washington acolhe com agrado esta "reinterpretação". Já Pequim não a vê com bons olhos.

 

No Mar Oriental da China todos esticam a corda... até ao dia em que partir

Alexandre Guerra, 28.11.13

 

 

Assim, de repente, Pequim anunciou, no passado Sábado, a criação de uma Zona de Identificação de Defesa Aérea (ADIZ) no espaço aéreo em redor das disputadas e polémicas ilhas Senkaku (ou Diayou para os chineses) no Mar Oriental da China. Relembre-se que apesar daquelas ilhas serem actualmente propriedade do Governo nipónico, há muito que a China reivindica para si a sua posse.

 

É por isso que esta recente medida de Pequim não pode deixar de ser vista como mais uma provocação, sobretudo porque implica que todos os países circundantes informem previamente as autoridades chinesas dos planos de voos que por ali passem. Caso contrário, sujeitam-se a "medidas de defesa de emergência", seja lá o que isso for.

 

Como seria de esperar, o Japão e a Coreia do Sul já desafiaram a imposição de Pequim, com o envio de voos para a ADIZ, anunciando, em jeito de provocação, que não houve qualquer "resposta" chinesa. 

 

Também Washington veio dizer que esta medida é mais uma tentativa da China para desestabilizar o "status quo" daquela região e, por isso, enviou dois bombardeiros B-52 na passada Terça-feira para sobrevooar a ADIZ. Mais uma vez, numa lógica de "esticar a corda" para ver até onde vai o "bluff" de Pequim.

 

Até ao momento, ainda nada de grave aconteceu, no entanto, é notório que todas as partes envolvidas estão empenhadas em escalar a tensão, até porque, em última instância, há um confronto de poder entre a China e os Estados Unidos. E neste momento, no complexo tabuleiro geopolítico e geoestratégico das relações internacionais, tanto Pequim como Washington jogam interesses bem maiores do que a propriedade de cinco ilhéus desabitados e três massas rochosas.

 

Os jogos de guerra continuam no Mar Oriental da China

Alexandre Guerra, 05.02.13

 

Soube-se agora, através do ministro da Defesa japonês, que no passado dia 30 uma fragata chinesa bloqueou na sua mira uma embarcação japonesa, em mais uma manobra dos "jogos de guerra" que têm acontecido no Mar Oriental da China a propósito da disputa das ilhas Senkaku, controladas pelo Japão mas reivindicadas por Pequim.

 

É mais um incidente a juntar a tantos outros que nos últimos tempos têm ajudado à escalada diplomática entre Tóquio e Pequim, acelerada depois do Governo nipónico ter adquirido os cinco ilhéus a proprietários privados.  

 

Desde então que o Mar Oriental da China tem estado "agitado" com movimentações militares de ambos os lados. Movimentações, essas, que têm servido para os governos de Pequim e de Tóquio fazerem demonstrações de força para "consumo interno", sobretudo no caso japonês, que elegeu recentemente Shinzo Abe para a chefia do Executivo e que pretende adoptar uma postura mais firme em relação à China.

 

Para já, no Mar Oriental da China vai-se assistindo a "jogos de guerra" e dificilmente irá além disso, mas isso não quer dizer que esses mesmos jogos não possam escalar ainda mais.

   

Será que Shinzo Abe vai fazer a vontade à maioria dos japoneses?

Alexandre Guerra, 22.01.13

 

Em Dezembro, o Diplomata escrevia sobre a tendência do rumo da política externa do Japão, que viu regressar o conservador Shinzo Abe à liderança do Governo. Na altura foi referido que um dos sinais mais importantes seria perceber se Abe iria visitar ou não o polémico santuário de Yasukni.

 

Esta Terça-feira foi publicada uma sondagem que manifesta a vontade da maioria dos japoneses de ver o seu primeiro-ministro a visitar o santuário.

 

A visita (ou a não visita) de Abe a Yasukuni ditará o rumo da política externa japonesa

Alexandre Guerra, 26.12.12

 

Shinzo Abe, ainda enquanto líder da oposição, visita o santuário de Yasakuni em Outubro/Kimimasa Mayama/European Pressphoto Agency

 

De regresso aos desígnios nipónicos, Shinzo Abe volta a colocar o conservador Partido Liberal Democrático (LDP) no poder e a recuperar uma abordagem diplomática mais agressiva em relação aos seus vizinhos, nomeadamente a China. Dando a vitória a Abe nas eleições legislativas do passado dia 16, os japoneses quiseram alterar o perfil da política externa nipónica face a Pequim, numa altura em que a tensão é crescente entre os dois países, por causa das disputadas ilhas de Senkaku.

 

Os japoneses, ou pelo menos a maioria do eleitorado, não gostaram da forma como os anteriores governos do Partido Democrata (DPJ) geriram os "temas quentes" relacionados com a China ou com a Coreia do Sul (esta a propósito dos ilhéus de Takeshima).  

 

Uma japonesa dizia ao jornal The Asahi Shimbun que tinha votado no LDP porque acreditava que a China acabaria por invadir o Japão se nada fosse feito.

 

Percebendo aquilo que a maioria do eleitorado queria, Abe fez uma campanha agressiva, deixando bem claro que não iria ceder à China ou à Coreia do Sul no que dissesse respeito a interesses nacionais. No entanto, e como sucedeu quando esteve no Governo da primeira vez, em 2006, é muito possível que Abe refreie agora os ânimos. 

 

Com a chefia do Governo ganha, Shinzo Abe deverá agora preocupar-se mais em manter as boas relações com a Coreia do Sul e evitar uma escalada diplomática com a China em redor das ilhas Senkaku.

 

Um bom exemplo desse refreamento poderá materializar-se no recuo das suas intenções de visitar o polémico santuário de Yasukuni, que presta homenagem aos soldados japoneses mortos na II GM, incluindo alguns criminosos de guerra. Durante a campanha Abe dissera que pretendia visitar aquele santuário quando fosse eleito, mas agora, segundo o The Asahi Shimbun, Abe tem-se mostrado vago sobre este assunto, sabendo que tal gesto provocaria o descontentamento não apenas de Pequim, mas também de Seul.


A visita ou a não visita ao santuário de Yasukuni será um bom barómetro para se perceber a orientação que Shinzo Abe vai dar à diplomacia nipónica. Para já, sabe-se apenas aquilo que disse na primeira conferência de imprensa que deu depois de ter sido empossado: "We need to bring back the kind of diplomacy that protects national interests and asserts its positions."


O Irão e as sanções do Ocidente (3)

Alexandre Guerra, 04.09.12

 

Anúncio da Kia em Teerão

 

Já aqui se tinham escrito dois textos sobre a problemática das sanções impostas ao Irão pelos Estados Unidos e pela União Europeia, dedicando-se agora estas últimas linhas a uma perspectiva muito concreta e que poderá ajudar a compreender melhor alguma inconsistência e timidez na forma como a administração americana tem gerido esta política.

 

Como também já tinha aqui sido citada, Erin Burnett, jornalista da CNN, escreveu recentemente na Fortune que Washington é “duro” com Teerão, mas só às vezes. E dá uma explicação.

 

Acima de tudo é importante ter em consideração que uma política de sanções mais agressiva por parte de Washington iria afectar negativamente as exportações de crude iraniano, nomeadamente para a China. Noutras circunstâncias poderia ser uma “arma” muito útil para Washington, ao impossibilitar o Irão de escoar o seu recurso mais valioso.

 

Mas o problema começa aqui, já que a China é o principal importador do crude iraniano e qualquer medida mais radical dos Estados Unidos que pusesse em causa aquela relação comercial seria certamente do desagrado de Pequim, que, por acaso, é detentor de 1,17 biliões (trillion) de dólares da dívida americana.

 

Daí o autor destas linhas ter escrito no texto anterior que “para se perceber, em parte, esta realidade [das sanções] é preciso compreender o paradigma do actual sistema internacional, dominado por uma interdependência complexa muito acentuada, na qual os Estados Unidos estão totalmente emaranhados, tal e qual uma mosca numa teia de aranha”.

 

E nesta teia de interesses também a Coreia do Sul e o Japão são grandes importadores do crude iraniano. Por isso, qualquer embargo total imposto ao Irão iria reflectir-se dramaticamente naquelas economias asiáticas e iria provocar alguma crispação com Washington, algo que não será certamente do interesse da administração americana. Seul tem todo o interesse em manter boas relações com Teerão, tendo em conta a penetração naquele mercado de marcas sul coreanas como a Samsung, a Hyundai ou a Kia. Fontes da Samsung revelaram a Erin Burnett que a presença no mercado iraniano é bastante significativa.

 

Uma realidade que tem provocado alguma frustração nos círculos políticos em Washington, como o próprio David Cohen, o subsecretário do Tesouro para o terrorismo e “intelligence” financeira, acabou por reconhecer, ao ver companhias americanas como a Apple, a GM, a Dell ou a Ford impedidas de operar no Irão, enquanto as rivais sul-coreanas das indústrias automóvel e tecnológica estão bem presentes no mercado iraniano.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Pela primeira vez em mais de 40 anos o Japão está sem energia nuclear

Alexandre Guerra, 05.05.12

 

Central nuclear de três reactores de Tomari, em Hokkaido. Foto/AFP 

 

Pela primeira vez em mais de 40 anos, o Japão não está a consumir electricidade proveniente da energia nuclear, depois do encerramento temporário do último dos três reactores da central de Tomari, em Hokkaido.

 

Este "switch off" para trabalhos de manutenção resulta do plano de segurança implementado pelo Governo após o acidente nuclear de Fukushima provocado pelo terramoto e tsunami que abalou o Japão em Março do ano passado.

 

Até então, 30 por cento da energia eléctrica provinha do nuclear, no entanto, após o acidente de Fukushima o Governo foi encerrando os vários reactores nucleares para realizar vários testes de segurança. 

 

Muitos japoneses anti-nuclear têm agora a esperança que as autoridades japoneses aproveitem esta momento para terminar, definitivamente, com o programa atómico no país, no entanto, dificilmente o Governo caminhará nesta direcção. Além de já ter dito que os reactores deverão ser reactivados para colmatar as necessidades energéticas imediatas, o Japão, assim como qualquer outro país desenvolvido, não está em condições de a curto prazo alterar o seu paradigma energético.