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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Sem grandes dramas

Alexandre Guerra, 30.11.16

 

A Itália é um país fascinante por diversas razões. Politicamente, sempre foi um laboratório para todo o tipo de experiências. Nos últimos 70 anos teve 63 governos, mas a verdade é que, com mais ou menos instabilidade, a Itália lá vai funcionando no seu estilo muito próprio e ao mesmo tempo sedutor e único. No Domingo, realiza-se um importante referendo sobre várias alterações constitucionais, as mais importantes desde a II GM, entre as quais a diminuição da relevância do Senado naquele sistema político. As sondagens indicam que o primeiro-ministro Matteo Renzi se arrisca a perder a votação, mas mesmo que isso aconteça, acredito que a Itália, com toda a sua classe e arte, olhará para todo este processo sem grandes dramas.

 

Da política às mulheres, a Itália é tudo menos recatada

Alexandre Guerra, 07.06.16

 

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Segundo aquilo que se leu na imprensa, desde a semana passada que vigora um novo código de indumentária na RAI (televisão pública italiana), para que as suas pivots de informação tenham “uma imagem mais recatada, menos provocadora”. Decotes, vestidos justos e outros trajes que possam ser considerados mais arrojados estão proibidos. Em qualquer outra televisão pública europeia ou de outra parte do mundo esta medida até passaria despercebida e até poderia ser compreensível. Mas fazer isto na RAI é quase o mesmo que vestir uma tanga ao David de Miguel Ângelo. 

 

A Itália é um país fascinante a vários níveis e a RAI é também um pouco o espelho da realidade daquele país, com tudo o que tem de bom e de mau. A arte, a história, a cultura, a beleza, a elegância, o prazer, a gastronomia, a paisagem, tudo se conjuga de uma forma desorganizada, mas ao mesmo tempo irresistível. E com a política italiana passa-se o mesmo. Apesar de, por vezes, ser dominada por uma total ausência de ordem e lucidez, a verdade é que é impossível ficar-se indiferente ao que por lá se vai passando. De certa maneira, assemelha-se a uma arena romana que vai servindo para entreter o povo, onde tudo é possível, mesmo as maiores barbaridades, mas os aplausos não deixam de soar.

 

Em Itália tudo é vivido com intensidade, paixão e irracionalidade, para o melhor, mas também para o pior. Nada é inconsequente. Só em Itália se encontram fenómenos como o da deputada Cicciolina (hoje seria apenas uma pequena excentricidade, mas como explicar uma coisa destas ainda nos anos 80) ou de Sílvio Berlusconi (imagine-se, o político que se manteve durante mais tempo no cargo de primeiro-ministro desde a II GM). Ou nos anos mais recentes, o da ascensão meteórica de um palhaço (no sentido literal) na cena política transalpina. É por isso que o sistema político italiano é um autêntico laboratório. Em Itália tudo é possível e tudo é aceite com a maior das normalidade. Regras e normas ficam para os europeus "normais", já que os italianos preferem a incerteza do dia seguinte e a animação da anarquia sistémica. Mas, o curioso é que o sistema político italiano lá vai funcionando. À sua maneira, é certo.

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

A pergunta que os europeus têm que fazer a si próprios

Alexandre Guerra, 01.09.15

 

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Uma família de migrantes descansa perto da vedação na fronteira da Sérvia com a Hungria/Foto: Saba Segesvari/AFP/Getty Images 

 

Quem por estes dias andar por Itália e estiver minimamente atento às notícias é confrontado com o drama dos migrantes ilegais, que ocupa a maior parte do tempo dos noticiários e as primeiras páginas dos jornais. A Itália, à semelhança da Grécia e da Hungria, vive um autêntico estado de emergência. É desta forma que as autoridades italianas estão a encarar o problema. E o caso não é para menos.

 

Os governantes italianos têm a noção de que o problema dos migrantes os atinge no "primeiro impacto" e, por isso, as suas entidades marítimas têm sido as principais protagonistas na intercepção e salvamento de cententas de pessoas, todos os dias, nas águas do Mediterrâneo. 

 

Os dois canais televisivos noticiosos da Rai e da Mediaset (equivalentes à RTPI e à SICN) têm estado a fazer "directos" permanentes dos portos da Catânia e de Palermo, sempre que há a informação de que está a chegar mais um navio da marinha ou da guarda costeira italiana com refugiados a bordo. Só na última semana, quase todos os dias chegaram migrantes àqueles dois portos sicilianos, depois de terem sido salvos no Mediterrâneo, mais concretamente nas águas entre a Líbia e a ilha de Sicília.

 

A verdade é que o problema da migração não afecta da mesma maneira os diferentes Estados da União Europeia. A Itália, a Grécia e a Hungria estão hoje na "linha da frente" desta tragédia e, perante uma ausência de resposta concertada ao nível europeu, têm adoptado medidas de curto prazo para fazer face a um problema para o qual ainda não há resposta sustentável e douradora, digna dos valores humanistas que tanto o Velho Continetne apregoa. 

 

Naturalmente que países da União Europeia como a Alemanha, a Áustria, a França, a Suécia, a Dinarmca ou o Reino Unido têm de lidar com este problema num outro nível e, por isso, a chanceler Angela Merkel tem razão ao dizer o óbvio de que tem que se encontrar uma solução comum. A questão é saber se todos os Estados da UE estão dispostos a fazer parte dessa solução. E se estão, até onde estão dispostos a ir? Mas antes, é preciso encontrar um modelo, se se quiser, uma espécie de doutrina sobre a forma de como os europeus se querem relacionar com os seus "vizinhos" de África e do Médio Oriente. Porque, essa é a questão principal. E só com esse novo paradigma, interiorizado pelos lideres e respectivas opiniões públicas, se deve partir para medidas concretas.

 

Deste modo, ninguém pode ou deve criticar a actuação da Itália, da Grécia ou até mesmo da Hungria. Neste momento, estes países estão apenas a reagir a "quente", a fazer aquilo que podem e que acham que é o mais correcto.Trata-se de uma lógica de actuação imediata e sem qualquer perspectiva de alcançar uma solução duradoura. Essa, como já aqui foi referido, terá que ser pensada em termos políticos, históricos e até mesmo filosóficos. Pode parecer estranho, mas no fundo os europeus têm que perguntar a si próprios como vêem e sentem os "outros", aqueles que chegam à Europa vindos de outras paragens, muitas vezes em desespero, sem nada, apenas com a roupa que trazem no corpo.

 

Chegou a hora dos mais novos mostrarem o que valem

Alexandre Guerra, 12.12.14

 

Quando o jovem Matteo Renzi ascendeu à chefia do Governo italiano, em Fevereiro deste ano, muitos viram nele uma tendência de mudança na forma de fazer política nos Estados do Velho Continente. Ao fim e ao cabo, com 39 anos, tornava-se no primeiro-ministro mais jovem de sempre em Itália, num país em que o actual Presidente, Giorgio Napolitano, tem 89 anos. 

 

A política tem sido, tradicionalmente, uma coisa de gente com idade mais avançada, cinzenta e pouco apelativa para os mais novos. E mesmo aqueles jovens que enveredam pelo mundo da política, os chamados "jotinhas", têm uma postura de tal maneira entediante e pouco imaginativa, que mais parecem clones dos seus ídolos partidários mais "crescidos". Naturalmente que há excepções. 

 

Ex-"jotinha" ou não, a chegada de Renzi ao poder representou uma viragem na forma como a sociedade passou a olhar para os seus decisores, ou seja, a idade mais avançada deixou de ser condição para se chegar à cúpula do poder. Talvez as pessoas tenham optado por sacrificar a experiência e a sabedoria, que vêm com a idade, pela irreverência e dinamismo, características de idades mais jovens.

 

Mas se é verdade que a "experiência" e a "sabedoria" dos políticos mais velhos de pouco tem valido para tirar esta Europa cansada do estado letárgico em que vive, a questão agora é saber se esta corrente de políticos mais jovens, tais como o novo ministro da Economia francês, Emmanuel Macron (36 anos), ou o líder do PSOE,  Pedro Sánchez (42 anos), conseguirá ter outros argumentos para dar a volta ao figurino. 

 

Para já, de pouco tem servido a Renzi a sua juventude, já que hoje, tal como tantos antecessores seus, enfrenta a sua primeira greve geral, contra as políticas laborais do Governo. Seja como for, os cidadãos parecem estar a libertar-se de algumas ideias preconcebidas, ou até mesmo preconceitos, quanto à idade daqueles que os governam. Não quer dizer necessariamente que os mais jovens façam um trabalho melhor que os mais velhos, mas tal como estes tiveram o seu momento, também agora políticos como Renzi, Macron ou Sánchez merecem uma oportunidade para mostrar o que valem.

 

Pacto orçamental: líderes europeus à procura de um compromisso

Alexandre Guerra, 14.11.14

 

Há umas semanas, por ocasião da apresentação dos vários orçamentos nacionais dos Estados-membros da UE, os ânimos aqueceram perante o cenário de eventuais violações às regras orçamentais impostas por Bruxelas. O Diplomata deixa aqui uma perspectiva daquilo que poderá estar em jogo nos próximos tempos.

 

1.Os líderes europeus vão tentar encontrar uma solução de compromisso que permita conciliar as posições entre os Estados-membros da União Europeia que defendem uma maior flexibilidade nos limites impostos pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (TECG), nomeadamente, em matéria de défice, e os que se mantêm intransigentes na manutenção do rigor orçamental. Segundo fontes bem informadas em Bruxelas, estão a decorrer esforços negociais no sentido de se evitar uma confrontação político-diplomática entre os defensores da austeridade e aqueles que aposta numa política de crescimento.

 

2.A França e a Itália – segunda e terceira maiores economias da Zona Euro, respectivamente— estão a pressionar o Conselho Europeu e a Comissão para se obter uma maior flexibilização nas regras do Pacto Orçamental, conseguindo-se, deste modo, um alívio financeiro, que poderá ser canalizado para investimento público e privado. De acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2015, o défice nominal da França será de 4,3%, muito acima do limite máximo dos 3%, que só deverá ser alcançado em 2017. Já a Itália, reviu em alta o défice para 2015, situando-o nos 2,8%, bastante superior ao que foi inicialmente estimado (1,8%).

 

3.Portugal mantém-se, para já, alinhado com a posição oficial da Comissão Europeia e, em particular, da Alemanha, no seguimento de uma política de cumprimento estrito do défice, perspectivando para 2015 um valor de 2,7%, abaixo do limite máximo dos 3%.

 

4.A violação por parte da França à principal regra do Pacto Orçamental e o desafio claro da Itália para a flexibilização do défice, obrigará os líderes europeus a encontrarem uma solução que altere as bases do Tratado Orçamental. Para já, Paris e Roma evitam o confronto directo com a Comissão, ao anunciarem medidas adicionais que vão de encontro às exigências orçamentais comunitárias. 

 

5.A França, que perspectiva para o ano um crescimento de apenas 1%, vai canalizar alguns ganhos recentes com as descidas das taxas de juro para atenuar a sua dívida e utilizar uma pequena parte da contribuição do orçamento comunitário para a redução do défice. Ao todo, são 3,5 mil milhões de euros adicionais para cumprir os requisitos do Pacto Orçamental. Um esforço que a Itália também vai fazer, ao recorrer a 3,3 mil milhões de euros de uma reserva financeira que estava destinada a encaixar alguns cortes de impostos. Vai também redireccionar mais 1,2 mil milhões de euros para as metas impostas pela Comissão, depois de fazer alguns ajustamentos do seu orçamento para 2015. A Itália estima crescer no próximo ano uns anémicos 0,6%. 

 

6.As medidas adicionais anunciadas pela França e pela Itália – que devem ser suficientes para fazer baixar um pouco os seus défices nominal e estrutural em 2015 – são, segundo alguns analistas, meramente cosméticas. No entanto, vão permitir aos líderes europeus ganharem tempo a curto prazo e evitaram, para já, uma crise política no seio da UE. Se a solução que for encontrada no seio da UE apontar para a flexibilização das regras orçamentais, a médio e a longo prazo poderá beneficiar Portugal, no âmbito dos esforços que estão a ser feitos e na capacidade negocial junto de Bruxelas.

 

É desta que é o princípio do fim

Alexandre Guerra, 02.10.13

 

Gregorio Borgia (AP)

 

Silvio Berlusconi sofreu esta Quarta-feira uma derrota que poderá representar o princípio do seu fim político. Hoje, e talvez pela primeira vez na sua longa carreira, o Il Cavaliere foi confrontado no Senado com o sabor amargo da perda de influência nas suas próprias hostes.

 

Com o objectivo de tentar fazer cair o Governo de Enrico Letta, Berlusconi exigiu aos cinco ministros do seu partido Povo da Liberdade que integram o Executivo que se demitissem, no entanto, o chefe do Executivo foi inteligente e não aceitou a demissão. Letta, talvez percebendo as divergências no seio do Povo da Liberdade, decidiu esticar a corda e submeter-se a uma moção de confiança. Uma estratégia aceitável, atendendo às declarações de Angelino Alfano, o número dois do Povo da Liberdade, que defendeu o apoio do partido à coligação do Governo.

 

Hoje, as notícias revelam que os cinco ministros do Povo da Liberdade poderiam também estar dispostos a desafiar Berlusconi. Esta tendência acabou por confirmar-se esta manhã, com vários senadores daquele partido a darem a entender que iriam aprovar a moção de confiança, contrariando o plano inicial de Berlusconi

 

Il Cavaliere estava convencido que chegaria hoje ao Senado e os seus 91 deputados acatariam unanimamente o seu desejo e chumbariam a moção de confiança. Ora, não só isso não aconteceu, como o próprio Berlusconi foi obrigado a voltar atrás e a votar favoravelmente a moção de confiança, por modo a não perder ainda mais a face. Aquilo que seria um momento para derrubar o Governo de Letta, acabou por se tornar um embaraço para Berlusconi, provocado pelos seus próprios correligionários.

   

A irresistível política italiana

Alexandre Guerra, 30.04.13

 

 

A Itália é um país fascinante a vários níveis. A arte, a história, a cultura, a beleza, a elegância, o prazer, a gastronomia, a paisagem, tudo se conjuga de uma forma desorganizada, mas ao mesmo tempo irresistível. 

 

Com a política italiana passa-se o mesmo. Apesar de por vezes ser dominada por uma total ausência de ordem e lucidez, a verdade é que é impossível ficar-se indiferente ao que por lá se vai passando. Por vezes, assemelha-se a uma arena romana que vai servindo para entreter o povo, onde tudo é possível, mesmo as maiores barbaridades, mas os aplausos não deixam de soar.

 

Em Itália tudo é vivido com intensidade, paixão e irracionalidade, para o melhor, mas também para o pior. Nada é inconsequente.  

 

Só em Itália se encontram fenómenos como o da deputada Cicciolina (hoje seria apenas uma pequena excentricidade, mas como explicar uma coisa destas ainda nos anos 80) ou de Sílvio Berlusconi (imagine-se, o político que se manteve durante mais tempo no cargo de primeiro-ministro desde a II GM). Ou mais recentemente, o da ascensão meteórica de um palhaço (no sentido literal) na cena política transalpina.

 

É por isso que o sistema político italiano é um autêntico laboratório. Só num país extravagante é que um presidente de 87 anos é obrigado a cumprir mais um mandato para assegurar a formação de um Governo. Um Executivo que, por sua vez, tem uma amplitude ideológica de tal forma acentuada que mais parece as pernas abertas de uma dançarina de cabaré.

 

Em Itália tudo é possível e tudo é aceite com a maior das normalidade. Regras e normas ficam para os europeus "normais", já que os italianos preferem a incerteza do dia seguinte e a animação da anarquia sistémica. Mas, o curioso é que o sistema político italiano lá vai funcionando. À sua maneira, é certo.   

 

É isto acontece perante a desconfiança, mas também inveja (pois claro), dos restantes parceiros europeus. O que até é compreensível, porque no fundo são os italianos que a "levam bem". Têm a melhor a arte, a melhor história, a melhor cultura, a melhor gastronomia, o melhor design, as melhores roupas... e já agora, as mulheres e os carros mais bonitos.  

 

Assim, é impossível não gostar da política italiana.

 

Send in the clowns

Alexandre Guerra, 01.03.13

 

 

A propósito das eleições italianas e dos espectaculares resultados alcançados pelo antigo comediante Beppe Grillo e o não menos "entertainer" Silvio Berlusconi, a The Economist dá o mote: Send in the clowns. Um título que merece ser acompanhado com a célebre música homónima de Stephen Sondheim, aqui interpretada pela Barbara Streisand.

 

 

...e ainda dizem que a política é chata

Alexandre Guerra, 26.02.13

 

Ilustração de Belle Mellor/The Guardian

 

Como o Diplomata escreveu em tempos, é impossível não gostar da política italiana. Ao contrário de quase todos os outros sistemas políticos do mundo, em Itália tudo parece ser possível. Mesmo perante os cenários mais inverosímeis, os italianos conseguem sempre ir um pouco mais além, dentro daquilo que é uma anormal normalidade.


Só quem anda muito distraído ou não acompanha minimamente a política italiana é que terá ficado surpreendido com os mais recentes resultados eleitorais naquele país. Nada de novo, apenas mais uma situação dramática, criada pelos próprios italianos, à qual reagem sem grande histeria, embora com muito alarido. Como trazia o Libération em manchete, está-se perante uma "fractura à italiana".


A política em Itália é uma verdadeira excitação, um espectáculo para todo o mundo, mas ao mesmo tempo um laboratório fascinante para os cientistas políticos. É que perante tanto absurdo e loucura, num país que teve mais de 60 governos desde a II GM, a Itália vai funcionando, ao ponto de continuar a ser a terceira potência da União Europeia, membro do G7, um farol na arte e na cultura, uma inspiração na beleza e no estilo e um destino turístico ambicionado por todos.