Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Obama reage aos "sinais" da opinião pública e declara Gripe A como emergência nacional

Alexandre Guerra, 26.10.09

 

Americanos à espera de serem vacinados contra a Gripe A/Tracy A. Woodward

 

Dois dias antes de Portugal ter começado o programa nacional de vacinação contra o H1N1, o Presidente Barack Obama proclamou a Gripe A como um factor de “emergência nacional”. Uma medida que pouco mais vai fazer do que permitir aos hospitais agilizarem alguns processos internos perante a entrada de novos doentes.

 

Mais do que em critérios de saúde pública, a decisão de Obama assenta em pressupostos políticos e, de certa forma, sociais, já que com esta medida o Presidente dos Estados Unidos pretende transmitir uma mensagem de confiança para os americanos e responder aos seus anseios.

 

A decisão surge poucos dias depois da publicação de uma sondagem do Washington Post/ABC, na qual 52 por cento dos americanos revelam estar preocupados com a possibilidade contraírem, ou alguém da sua família, a Gripe A.

 

Obama percebeu que teria que se manter à altura das expectativas que o eleitorado tem depositado em si, nomeadamente ao nível da sua competência e da esperada capacidade de resposta.

 
O sentimento de insegurança crescente, em parte alimentado pelos meios de comunicação social, e reflectido na evolução das sondagens que em Agosto último davam apenas 39 por cento dos americanos preocupados com o assunto da Gripe A, levou a que Obama agisse.
 
Uma acção que em abono da verdade não implica grandes mudanças no sistema de saúde, mas que em termos políticos poderá ser muito importante, sobretudo quando enquadrada numa opinião pública que ainda tem bem presente na memória o descalabro da resposta do Governo à devastação provocada pelo furacão Katrina em 2005.
 
Embora tivesse sido toda uma estrutura federal a falhar, a verdade é que os americanos não pouparam o então Presidente George W. Bush, depositando neste todas as culpas pela descoordenação completa entre as várias entidades governamentais envolvidas no resgate das vítimas.

 

Ora, esta é precisamente uma imagem que Barack Obama quer evitar a todo o custo, estando para já a ser hábil na leitura dos sinais enviados pelos americanos.

 

A acção dos governantes e a questão política em pandemias anunciadas (2)

Alexandre Guerra, 18.08.09

 

A enfermeira Jacqueline Spaky iniciou a 12 de Outubro de 1976 em Nova Iorque a campanha de vacinação nacional "Roll Up Your Sleeves, America"

 

Apesar dos cenários especulativos sobre os impactos de pandemias, Laurie Garrett é certeira ao referir que quando a comunidade internacional se vê perante o medo de um potencial surto, então volta-se para os Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa. O autor destas linhas acrescentaria que em última instância, os Estados viram-se para as farmacêuticas.
 
E é precisamente esta fase que se está a atravessar no âmbito da problemática da Gripe A. A autêntica “corrida” das farmacêuticas para a produção de vacinas até ao final do Verão, início de Outono, tem sido sobretudo alimentada pelos Estados que já garantiram encomendas de milhões.
 
De modo a dar uma resposta aos seus clientes, as farmacêuticas estão a correr contra o tempo, suscitando algumas questões pertinentes quanto à fiabilidade dos processos de testes. Por isso, convém salientar que os exemplos do passado são suficientes para aconselhar prudência nas estimativas lançadas e na eficácia das soluções apresentadas.
 
A propósito, Laurie Garrett relembrou uma história que, mais do que nunca, deve ser tida em conta pelos governantes e pelas autoridades nacionais e internacionais de saúde.
 
Quando em Janeiro de 1976 um soldado de 18 anos, destacado na base de Fort Dix, morre após regressar ao quartel, terminada uma marcha de treino, o Exército Americano e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) descobriram que a causa se ficou a dever ao vírus da Gripe Suína.  
 
Na altura mais nenhum caso foi registado em Fort Dix, mas o pânico instalou-se nas chefias das entidades de saúde, com particular destaque para F. David Matthews, então responsável do Governo pela pasta da Saúde. Foi então que Matthews disse o seguinte: “There is evidence there will be a major flu epidemic this coming fall. The indication is that we will see a return of the 1918 flu virus that is the most virulent form of flu (…) The projections are that this virus will kill one million Americans in 1976.”
 

O Presidente Gerald Ford a ser vacinado contra a Gripe Suína a 14 de Outubro de 1976

 
Apoiado pelo CDC, Matthews conseguiu convencer a Casa Branca de que os Estados Unidos estavam perante uma ameaça de epidemia. A 24 de Março de 1976, o Presidente Gerald Ford vai à televisão para informar os americanos da iminência de uma epidemia no próximo Outono e Inverno. Consequentemente, pediu ao Congresso uma verba extraordinária de 135 milhões de dólares para produzir vacinas para todos os americanos.
 
As farmacêuticas avisaram de imediato que não avançariam com a produção em tão pouco tempo sem terem uma protecção especial em termos de responsabilidade civil. Em Abril, o Congresso aprovou uma “bill” que ilibava as farmacêuticas de qualquer responsabilidade em qualquer problema, transferindo-a para o Governo.
 
Quatro meses após ter-se iniciado o programa de vacinação começaram a surgir os primeiros efeitos secundários, originando processos legais no valor de 3,2 mil milhões de dólares, embora muitos deles tenham sido retirados ou resolvidos. No entanto, o Governo americano ainda teve de pagar 90 milhões em indemnizações.
 
E como a história demonstrou, nunca se veio a verificar uma epidemia de Gripe Suína. O chefe do CDC foi obrigado a demitir-se, o Presidente Gerald Ford ficou altamente fragilizado e, mais importante, o Congresso nunca mais considerou a possibilidade de isentar de qualquer responsabilidade as farmacêuticas em períodos de epidemia.
 

A acção dos governantes e a questão da política em pandemias anunciadas (1)

Alexandre Guerra, 17.08.09

 

Enfermeiras a tratarem de doentes com Gripe Espanhola, Massachusetts, 1918

 

Quando há uns meses, de forma algo estranha, diga-se, a Gripe A saltou para o topo da agenda mediática e “agitou” a tão conservadora Organização Mundial de Saúde (OMS), o autor destas linhas lembrou-se de imediato de uma edição já antiga da Foreign Affairs, cujo tema de capa tinha o seguinte título: “The Next Pandemic?”

 

Na edição de Julho/Agosto de 2005 daquela revista, foram publicados vários textos que exploravam o cenário de uma possível pandemia nos anos seguintes e analisavam os casos que aconteceram desde a tristemente célebre Gripe Espanhola.

 

Laurie Garrett, uma das maiores especialistas em questões de saúde e investigadora no Council on Foreign Relations (CFR), foi uma das autoras que contribuiu para aquela edição, não sem antes se poder ler uma “nota” do editor da Foreign Affairs, na qual se alertava para o potencial perigo que a Humanidade corria provocado pela então muito em voga Gripe das Aves (H5N1), que apareceu em Hong Kong em 1997, provocando deste então a morte de milhões de galinhas e patos, sobretudo no sudoeste asiático. Até 2005, a Gripe das Aves foi responsável pela morte de 59 pessoas, depois de terem estado em contacto com animais infectados.

 

Nesse ano, os especialistas estimavam que 40 por cento da população mundial pudesse ser infectada com o H5N1, provocando a morte de um número inimaginável de pessoas. Na verdade, este cenário não se afasta em muito daquele que foi traçado para a actual pandemia da Gripe A, pelo menos no início, uma vez que já se começou a perceber que o número de mortes nunca será maior do que aquele que uma gripe normal provoca anualmente (nos Estados Unidos morrem por ano sensivelmente 38 mil pessoas, o que significa uma percentagem de 0,08 por cento daqueles que são infectados pela vírus da gripe sazonal).

 

Seja como for, tanto na Gripe das Aves como na Gripe A, os especialistas lançaram alertas de pandemia, explorando cenários catastrofistas, mas pouco sustentados cientificamente, com muitos “ses” pelo meio.

 

E tal como aconteceu no caso da Gripe das Aves, também no tema da Gripe A lá surgiu a inevitável comparação com a Gripe Espanhola de 1918-19.

 

Mas nem com a memória daquela Gripe, Laurie Garrett se coibiu de escrever em relação à Gripe das Aves que a Humanidade poderia testemunhar algo que nunca tivesse visto. Por outro lado, defendia-se ao admitir que se podia dar o caso de nada acontecer. O que aliás se confirmou.

 

O problema da afirmação da Garrett não está na sua segundo opção, mas sim na primeira, pressupondo que qualquer pandemia de gripe (seja que estirpe for) se torne pior que a Gripe Espanhola. Potencialmente, diziam os "especialsitas" e jornais, a Gripe das Aves seria mais mortal e, inicialmente, também a Gripe A o era.

 

Ora, tal assumpção é no mínimo pouco cautelosa, quando se está perante os seguintes números da Gripe Espanhola: 675 milhões de americanos, cerca de 6 por cento dos 105 milhões de habitantes de então nos Estados Unidos, morreram. Este número equivaleria hoje a sensivelmente 2 milhões. Por exemplo, o Gana perdeu 5 por cento da sua população em apenas dois meses e a Samoa Ocidental 20 por cento.

 

Enfim, a Gripe Espanhola matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo (estimativa conservadora, porque dizem alguns historiadores que 100 milhões de pessoas pereceram). Ora, estes números são de tal maneira impressionantes que não devem ser evocados de forma leviana, sobretudo se se tiver em consideração as diferenças abismais entre sociedades separadas quase por um século.