A operação militar no Iraque para derrubar o regime de Saddam Hussein foi um erro estratégico de proporções gigantescas, cujas consequências vão perpetuar-se durante muitos e longos anos. E não foi um daqueles erros que apenas se confirma à posterior (porque esses são fáceis de apontar).
Ontem de manhã, Bagdad acordou com cinco atentados bombistas no centro de cidade, matando sensivelmente 130 pessoas e ferindo cerca de 450.
DEADLIEST ATTACKS SINCE 2003
Aug 2007: More than 500 killed in attacks on villages near Sinjar
Nov 2006: 202 killed in multiple blasts in Baghdad
Apr 2007: 191 killed in car bombings in Baghdad
Mar 2004: 171 killed in bombings in Baghdad and Karbala
Oct 2009: 155 killed in twin truck bomb attacks in Baghdad
Mar 2007: 152 killed in truck bombing in Talafar
Source: News agencies, BBC
O "dossier" iraquiano foi gerido desde o início sob pressupostos muito duvidosos, e que desde logo suscitaram inúmeras resistências e críticas provenientes de diferentes sectores internos e externos, inclusive de Estados aliados de Washington.
Ignorando os vários alertas e informações veiculadas por entidades e especialistas credíveis, a administração americana, então liderada por George W. Bush, montou o seu próprio "caso" iraquiano, começando por incluir o país no tristemente célebro "eixo do mal". Para sustentar esta posição, foi criado o "enredo" das armas de destruição maciça, no qual Bagdad teria a capacidade de responder a um ataque externo em 45 minutos.
O cenário estava montado, contando ainda com a participação (forçada, diga-se) do secretário de Estado Colin Powell que, numa das actuações mais desastrosas feita nos últimos anos nas Nações Unidas, tentou mostrar ao mundo laboratórios móveis, onde supostamente estariam a ser desenvolvidas armas de destruição maciça.
Powell, como mais tarde veio a admitir, nunca foi um dos entusiastas da operação no Iraque, e a sua ida às Nações Undas terá sido certamente um dos momentos mais humilhantes da sua carreira.
Mas, a verdade é que no interior do círculo restrito de Bush, Powell nunca conseguiu impor a sua visão realista do sistema internacional. Ao invés, impôs-se uma corrente ideologicamente mais vincada com o discurso do "connosco ou contra nós".
Esta visão é uma herança da abordagem maniqueísta ao sistema internacional bipolar da Guerra Fria, não sendo por isso de estranhar que muitos dos "falcões" que estiveram com Bush já percorriam os corredores do poder nos anos 80 e 90.
No entanto, a sua influência não foi tão forte no início dos anos 90, quando Washington não quis derrubar Saddam, numa altura em que os soldados americanos expeliam os iraquianos do Kuwait e seguia ma passo acelerado para Bagdad.
Na altura, impôs-se a perspectiva realista ao não derrubar-se Saddam para evitar, por um lado, um vazio de poder na região e, por outro lado, uma potencial fragmentação do Iraque.
Os "falcões" foram internamente derrotados, mas mantiveram as suas convicções, continuando a ver Saddam unicamente através da lente ideológica, tal como olharam para Moscovo durante anos. Além disso, foram pessoas que continuaram muito próximas dos centros de decisão em Washington, ganhando particular espaço político na administração de George W. Bush.
A operação militar de 2003 e o "casus belli" que a sustentou é resultado dessa visão ideológica que foi persistindo em Washington ao longo dos anos.
Sob o trauma dos atentados do 11 de Setembro e com a ameaça terrorista a pairar, Bush acabou por ceder à visão ideológica dessa corrente, asfixiando o campo realista personificado em pessoas como Powell ou Condoleezza Rice.
Hoje, mais de seis anos após a invasão americana àquele país, o erro é uma evidência histórica e já foi escalpelizado vezes sem conta, inclusive, embaraçando líderes como Bush ou o antigo primeiro-ministro britânico, Tony Blair.