De pouco servem as Public Relations na criação de líderes carismáticos
Nestes tempos em que muito se discute a ausência de líderes fortes e carismáticos, que entusiasmem e mobilizem os povos e nações, a comparação com a História é sempre inevitável. Olhar para trás e procurar as referências do passado torna-se um exercício meramente académico e, quanto muito, inspirador.
Mas, nem por isso deixa de ser importante para se perceber a lógica comunicacional que permitiu a determinados líderes suscitar emoções junto dos seus povos, mesmo que muitas vezes não houvesse uma concordância entra as duas partes em relação às ideias ou aos projectos políticos.
Essa capacidade de gerar emoções e paixões pouco ou nada tem a ver com técnicas de public relations e, na maioria dos exemplos históricos, constata-se que resultou mais das características intrínsecas dos próprios líderes, do que propriamente de nuances comunicacionais.
De pouco servem consultores de comunicação ou assessores para “construir” um líder carismático quando não existe uma substância inata que seja reconhecida pelas pessoas como genuína. Porque, de outra maneira, é mais um governante que passa pela História perante a passividade e o desinteresse dos cidadãos. O que de certa maneira é algo que se sente nos dias de hoje, verificando-se uma ausência de lideranças carismáticas que possam entusiasmar e mobilizar.
Uma realidade bem evidente na Europa, onde há muito deixou de haver referências para seguir. O antigo Presidente português, Mário Soares, tem chamada a atenção para esse facto, lamentando a ausência de governantes com visão e paixão pela construção europeia. E desenganem-se os senhores das public relations se pensam que conseguem criar líderes deste tipo, como quem formata um gestor ou um CEO de uma empresa, normalmente pessoas desinteressantes e sem grande capacidade de mobilização (voluntária).
Não é por isso de estranhar que se fala com admiração de homens como Helmut Kohl, François Mitterrand ou Jacques Delors, líderes que nunca tiveram grandes preocupações na construção de uma imagem. Pelo contrário, no bom e velho estilo do político romântico, tiveram os seus defeitos, pecados, muitas das vezes omitiram e mentiram, alinharam em jogos de traições, mas foram sempre fiéis às suas ideias e a um rumo, apaixonados por um projecto em prol de um ideal comum.
Noutro estilo, John F. Kennedy, vivia da imagem, mas curiosamente, era uma imagem que as pessoas viam como genuína. Tudo era carisma e emoção, mesmo sendo um Presidente que tenha cometido alguns dos maiores disparates da diplomacia americana. Pouco interessa, visto que as pessoas sentiam que Kennedy era o seu líder. É por isso que é preciso sempre ter algum cuidado quando se analisa a verdadeira dimensão de um líder e a sua dinâmica comunicacional com os povos.
Goste-se ou não, homens como Vladimir Putin (basta ver os estudos de opinião) ou Silvio Berlusconi (o primeiro-ministro há mais tempo à frente do Governo italiano desde a II GM) são mais do que meros governantes, são personagens que geram emoções, e se há quem os deteste, também há quem os adore e esteja disposto a segui-los. E nesta equação, os mecanismos das public relations de pouco ou nada servem.
A propósito, o autor destas linhas recorda uma história vivida no Verão de 2001, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, em plena intifada de al-Aqsa. Ao ser convidado por uma família local para tomar uma bebida fresca em sua casa, atendendo ao calor abrasador que se fazia sentir, foi interessante constatar que numa das paredes estava uma fotografia do antigo líder palestiniano, Yasser Arafat.
Personagem de grande carisma e elemento de agregação de um povo, mas longe de ser um exemplo de bom “aluno” dos dogmas das public relations.
Porém, o mais importante aqui é sublinhar que toda a família, que vivia numa casa literalmente esburacada por balas israelitas, se queixava da situação e das autoridades palestinianas, mas, apesar desses lamentos constantes, continuavam a olhar para Arafat com deferência e emoção.
Num dos poucos exemplos recentes, Barack Obama venceu, em grande parte, devido à sua genuidade e capacidade de entusiasmar o povo. Aliás, só um homem com carisma conseguiria que uma simples frase como “Yes, We Can!” resultasse tão bem e fosse interiorizada por milhões de americanos. De outra forma, não haveria estratégia de public relations que valesse.
Na verdade, foi o homem político que esteve na base de tudo. As ferramentas das public relations, desde a comunicação digital à assessoria mediática, serviram apenas (e já é muito) para amplificar e aproximar o líder do povo.
Tal como a Ágora, na Antiguidade Clássica, servia para amplificar o entusiasmo do político grego junto dos cidadãos.
*Texto publicado originalmente no PiaR.