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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Histórias de quem viveu a guerra na sua plenitude

Alexandre Guerra, 24.10.18

 

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Quando estive há cerca de dois meses na Bósnia, conheci um jovem guia, que está a tirar o doutoramento numa universidade de Ancara e que tem estado envolvido no museu de Srebenica. Este projecto ocupa as antigas instalações do que foi o então quartel-general do tristemente célebre contingente holandês ao serviço da UNPROFOR, localizado em Potacari, a poucos quilómetros da vila de Srebrenica, que viu serem assassinados de forma sistemática mais de oito mil bósnios muçulmanos (bosniaks), entre 11 e 16 de Julho de 1995, sob os ordens militares do general sérvio Ratko Mladic. A meio de uma das conversas que tive com Jasko, fiquei impressionado com o conhecimento que detinha sobre a presença portuguesa nas missões da ONU e NATO. Apesar de ele não ter mais de 30 anos, tinha bem presente a boa prestação que o contingente português teve ao serviço da força de manutenção de paz da NATO (IFOR), em 1996, cujo objectivo era a “implementação” das linhas dos Acordos de Dayton (1995). Tratava-se da primeira projecção de forças militares nacionais em larga escala desde o fim da Guerra Colonial.

 

Já antes, em pleno conflito nos Balcãs, Portugal teve uma participação muito limitada, mas importante, na missão UNPROFOR (United Nations Protection Force), destacando para a Bósnia e Croácia, entre 1992 e 1995, um pequeno grupo de “observadores militares” não armados de capitães e majores do Exército e Força Aérea. Esta operação acabou por ser uma extensão da missão europeia de verificação do cessar-fogo entre a recém-proclamada independente Eslovénia e a (ainda) Federação da Jugoslávia. Quando a Missão de Monitorização da CEE/UE deu lugar à força da ONU, os primeiros capacetes azuis portugueses chegaram no primeiro trimestre de 1992. Nesse primeiro momento, foram apenas cinco “observadores” integrados na United Nations Military Observation (UNMO), um ramo da UNPROFOR.

 

Entre 1992 e 1995, tempo do mandato da UNPROFOR, Portugal foi mantendo “observadores” no terreno, que iam desempenhando missões diárias que, embora não sendo de perfil militar puro e duro, se revelaram de enorme importância na criação de um clima de confiança no seio das populações tocadas pelos soldados nacionais. Como se pode ler na introdução do recente livro “A Guerra na Antiga Jugoslávia Vivida na Primeira Pessoa” (Colibri, Maio de 2018), coordenado pelos militares Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva, os observadores “viveram com a população em locais recônditos com quem partilharam o infortúnio. Sentiram o pulsar das comunidades onde estavam inseridos, conheceram os seus dramas em primeira mão. Pisaram minas, foram atingidos com estilhaços de granadas, tiveram acidentes de viatura, estiveram nas miras dos snipers, em zonas de morte, foram vítimas de ataques e assaltos, supervisionaram a troca de cadáveres e de prisioneiros de guerra. Foram testemunhas em primeira mão de violação de acordos. Sofreram a prisão e interrogatórios agressivos. Viveram em condições precárias, por vezes, sem electricidade, sem água corrente, aquecimento ou vidros nas janelas, oq eu se tornou numa minudência para que estava diariamente debaixo de fogo de morteiros de artilharia.

 

Foram ainda apanhados entre fogos cruzados, controlaram o tráfego aéreo, lidaram diariamente com as facções, pediram evacuações médicas, e tiveram de tomar decisões eticamente difíceis, algumas delas com consequências dramáticas. Testemunharam em directo o sofrimento. Viveram as agruras da guerra na sua plenitude.

 

São estes testemunhos que agora podem ser lidos num livro que reúne textos (em português e inglês) de militares que fizeram parte da UNMO. Com prefácio do embaixador José Cutileiro, este livro é um contributo inestimável para o conhecimento de quem se interessa pelo conflito da antiga Jugoslávia, que tantas marcas geopolíticas deixou naquela região da Europa. Mas é também uma janela para se perceber de que forma a “experiência jugoslava” marcou um novo período na projecção internacional das Forças Armadas Portuguesas no âmbito de nova ordem sistémica... Mais cosmopolita, interdependente e difusa.

 

O novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas

Alexandre Guerra, 28.02.18

 

As Forças Armadas vão ter um novo líder e, na minha opinião, um bom líder. O almirante António Silva Ribeiro toma posse esta Quinta-feira como novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), um cargo que, cada vez mais, exige uma visão estratégica apurada para fazer face aos desafios que se impõem em tempo de paz e às ameaças difusas que emergem nos teatros de conflito. Além disso, o CEMGFA dos dias de hoje tem que se assumir como um “gestor” nos difíceis equilíbrios entre as necessidades e sensibilidades dos vários ramos das Forças Armadas e um “influenciador” na arena política. Mas mais, é fundamental que o novo CEMGFA personifique o espírito de umas Forças Armadas modernas e sofisticadas, próximas da população e vocacionadas para comunicar com a sociedade de forma aberta e dinâmica. Daquilo que sei, Silva Ribeiro tem os requisitos necessários para cumprir a sua missão com sucesso.

 

Conheci o almirante Silva Ribeiro há uns anos, ainda nos meus tempos de jornalista, quando este era comandante de fragata na Corte Real e assinava uma coluna de opinião no SEMANÁRIO. O seu texto era publicado na secção de Internacional, da qual eu era editor, tendo Silva Ribeiro sido dos primeiros colunistas a escrever de forma regular na imprensa sobre assuntos de relações internacionais e estratégia. E escrevia com toda a propriedade e conhecimento, dando uma nova perspectiva na óptica da estratégia sobre alguns temas internacionais. Militar de carreira, Silva Ribeiro, até então Chefe do Estado-Maior da Armada, é um académico que vem das áreas da Estratégia, da Ciência Política e da História, o que lhe permite ter um olhar multidisciplinar e actualizado sobre as temáticas da Paz e da Guerra.

 

Forças armadas, o último reduto no garante da ordem de uma sociedade

Alexandre Guerra, 15.08.11

 

 

É uma verdade que até aos dias de hoje a História não contestou: as forças armadas são como uma espécie de último reduto no garante da ordem e da estabilidade de uma sociedade.

 

Quando tudo falha e quando o caos se instala, é a única entidade com capacidade de dar uma resposta pujante, rápida e eficaz. Não apenas em cenários de conflito, mas em todo o tipo de palcos catástrofe (cheias, terramotos, entre outras).

 

Muitas das vezes actuam num primeiro momento, porque só através da sua organização e disciplina é possível assegurar as condições necessárias para que outros actores possam intervir numa fase posterior.

 

A valorização do seu papel nas sociedades pós-Guerra Fria e a elevação do seu moral é, assim, um imperativo dos Governos, não apenas por causa das razões acima enunciadas, mas sobretudo devido a um princípio muito simples: nunca se sabe do dia da amanhã.

 

Há um mês a quem passaria pela cabeça que o primeiro-ministro do Reino Unido, a mais antiga democracia e um dos países mais desenvolvidos do mundo, iria ponderar a possibilidade de recorrer ao Exército para garantir a ordem e a estabilidade da sua sociedade, perante a possibilidade de todas as outras opções falharem.

 

Na governação de um País os seus líderes nunca devem descurar o prestígio e a dignidade das suas Forças Armadas. Com isto não se está, necessariamente, a falar de assuntos como as questões remuneratórias ou a progressão de carreiras. Por vezes, o mais importante está na homenagem e na simbologia dos actos.

 

Nesta matéria, Portugal, com os seus sucessivos Governos desde a Guerra do Ultramar, não tem sido particularmente feliz na demonstração de respeito e na dignificação das suas forças armadas.

 

Já países como os Estados Unidos ou Israel estão no campo oposto, onde as suas sociedades se prestam ao quase culto pela figura do soldado ao serviço da pátria.   

 

Tudo isto vem a propósito (não só) do que se tem lido e ouvido nos meios de comunicação social em Portugal nos últimos dias, no âmbito de algumas matérias como as progressões remuneratórias ou a contratação de pessoal.

 

Na opinião do Diplomata, é demasiado ruído em torno de uma entidade que se quer protegida e se deve proteger.

 

Parte desta missão cabe ao Governo, nomeadamente ao ministro da Defesa. Porém, a julgar pelos sinais dados ontem, por ocasião do Dia da Arma de Infantaria, o Diplomata tem muitas dúvidas quanto à possível mudança de paradigma na forma do Estado e da sociedade se relacionarem com as suas forças armadas.

 

Na Turquia moderna é a primeira vez que um Governo civil escolhe chefes militares

Alexandre Guerra, 01.08.11

 

Erdogan e o general Ozel, esta Segunda, no Supremo Conselho Militar (YAS)

 

Sinais interessantes, embora potencialmente preocupantes, aqueles que chegam da Turquia, onde pela primeira vez um Governo civil vai nomear os chefes militares.

 

Alguns analistas estão a ver neste gesto uma vitória do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que nos últimos tempos se vinha envolvendo num clima de conflito permanente com a instituição militar, por várias vezes acusada de querer interferir e até mesmo derrubar o actual poder político.

 

Na semana passada, os líderes dos três ramos das forças armadas não aceitaram que alguns oficiais fossem detidos sob a acusação de conspiração contra o Governo e, furiosos, pediram a sua demissão, abrindo, assim, caminho para Erdogan nomear novos chefes militares.

 

Também o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general Isik Kosaner, juntamente com alguns dos seus comandantes, pediu a sua demissão, apenas poucas horas depois de um tribunal ter acusado 22 generais e outros oficiais de terem encetado uma campanha subversiva na Internet para fragilizar o Governo.

 

Há já algum tempo que o Executivo tem acusado os militares de tentarem interferir no poder político, tendo a relação se deteriorado substancialmente, chegando ao actual momento, em que tudo indica que Erdogan terá conseguido criar as condições para colocar novos líderes militares mais "próximos".

 

Para já, o general Necdet Ozel foi escolhido como o novo Chefe do Estado Maior, devendo ser empossado pelo Presidente Abdullah Gul na Quinta-feira.

 

Entretanto, desde hoje e durante os próximos três dias, Erdogan, juntamente com Ozel, estará a presidir ao encontro anual do Supremo Conselho Militar (YAS), estando em agenda, precisamente, a reformulação da cúpula das forças armadas.

 

A instituição militar tem rejeitado veementemente quaisquer interferências na esfera do poder político, como aliás tem sido a sua tradição desde a fundação do Estado da Turquia.

 

Na verdade, as forças militares têm sido vistas com um garante de estabilidade e de equilíbrio entre a necessidade de progresso e de democratização e a tradição assente sobretudo no islão.

 

Apesar desta evidência, vários têm sido os momentos de conflito, com muitas detenções de militares e vários processos em tribunal. Tem sido assim nos últimos dois anos, provocando um desgaste entre militares e Governo sem paralelo na Turquia moderna.

 

Aliás, são tantos os detidos entre os oficiais de alta patente que se reflecte nas inúmeras ausências no YAS, um encontro que pela primeira vez na sua história não conta com a presença dos chefes dos vários ramos das forças armadas.