A notícia que o Diplomata aqui dá conta passaria despercebida noutro contexto, já que relata apenas mais um caso de corrupção no Afeganistão, reflectindo o autêntico desgoverno que reina no país, estando com enormes dificuldades para erigir um poder central forte. Mas, ao ler os contornos mais detalhados de toda a situação, é com ironia que se estabelece uma "ponte" entre Cabul e Lisboa.
Recentemente foi posto a descoberto um escândalo no Kabul Bank, a maior instituição privada financeira do país, que tinha como alguns dos seus principais accionistas altas personalidades políticas afegãs. Veio-se a descobrir que aquela instituição emprestou avultadas quantias de dinheiro aos seus próprios accionistas, a maior parte de um bolo de 579 milhões, naquilo que os analistas classificaram de “bad loans”, começando aqui uma primeira analogia com Lisboa, mais concretamente com o caso do BPN.
Perante esta situação, as autoridades governamentais afegãs foram obrigadas a encontrar uma solução, tendo o Banco Central daquele país anunciado esta Quarta-feira em conferência de imprensa que o Kabul Bank vai ser separado em duas instituições: uma para lidar com a parte legítima do negócio e a outra para gerir a crise dos “bad loans”.
Agora vem mais um episódio que remete para a triste situação que se vive em Portugal. Com aquela decisão, Cabul espera sossegar os investidores, as entidades financeiras internacionais e os doadores ocidentais.
Porém, isso não vai chegar, tendo as medidas anunciadas por Cabul sido recebidas com alguma cautela. Para as instâncias ocidentais, em particular para os doadores, o que a verdadeiramente as sossega é mesmo é a revisão do programa do FMI naquele país. No âmbito deste processo, o FMI já passou algumas receitas.
Mas, se para as instâncias financeiras internacionais a presença do FMI em Portugal representa a falência do sistema de gestão das contas públicas, remetendo o país para o “lixo”, já para os doadores internacionais a intromissão do Fundo no Afeganistão é sinónimo de confiança, de que a sua “economy is relatively sound” (citado pelo New York Times para evitar más interpretações).
Ora, o Diplomata reconhece com desportivismo que a comparação aqui feita ou, se o leitor preferir, a "ponte" construída não é intelectualmente honesta, porque são óbvios os diferentes estádios de desenvolvimento do sistema económico dos dois países, mas não deixa de ser irónico constatar estas diferentes perspectivas relativamente à intervenção do FMI em diferentes Estados.