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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Portugal e Angola

Alexandre Guerra, 15.05.18

 

As (boas) relações entre Estados obrigam, por vezes, a determinados “atropelos” àquilo que serão códigos de boas práticas e condutas que cada cidadão vê como adquiridos no seu quotidiano. Muitos vêem isto como hipocrisia ou cinismo político, mas, a verdade, é que é assim que funciona o sistema internacional, onde a “realpolitik” continua a ser o princípio basilar na definição das estratégias governamentais. De qualquer forma, já estamos longe dos egoísmos absolutos do realismo político que regia o relacionamento entre nações no século XIX.

 

Em pleno século XXI, as sensibilidades são outras, embora os “interesses” de Estado continuem a falar mais alto na hora dos governos definirem as suas abordagens em matéria de política externa. Na defesa desses “interesses” superiores, por vezes, cede-se no campo da moral, dos princípios e até mesmo da lei, em matérias que, no âmbito da esfera interna de cada Estado, seriam inamovíveis. Os julgamentos morais ou éticos sobre determinada decisão ou medida são perfeitamente aceitáveis e cada cidadão está no seu pleno direito de os fazer. Os governos têm de lidar com essas críticas, gerindo, da melhor forma que puderem, um equilíbrio sempre difícil de fazer, entre aquilo que são os interesses e as vontades.

 

Após meses ensombrados por um clima de tensão e desconfiança, ontem, em Luanda, o Presidente João Lourenço recebeu o ministro da Defesa português, Azeredo Lopes, num gesto politicamente importante, já que a audiência não estava em agenda, o que pressupõe uma vontade do próprio chefe de Estado e uma intenção de passar um sinal positivo para Lisboa. E ainda bem que assim foi, porque, se, por um lado, Portugal foi cínico e apostou no realismo político, abrindo flanco para todo o tipo de considerações negativas, por outro lado, privilegiou os tais “interesses” superiores no relacionamento entre dois países com tão fortes laços históricos e diplomáticos.

 

Atentado ao Estado de Direito? Nem tanto...

Alexandre Guerra, 03.03.10

 

José Medeiros Ferreira, estudioso da ciência política e das relações internacionais, e uma pessoa que o Diplomata muita estima pela sua capacidade analítica e assertiva, comentou na SIC Notícias a problemática inerente às figuras e conceitos jurídicos que muitas das vezes são evocados em Portugal, por vezes, de forma ligeira e desvirtuada.

 

Medeiros Ferreira referiu-se em concreto ao “atentado ao Estado de Direito”, que tanto tem dado que falar no âmbito do processo Face Oculta. Para este historiador, aquela figura tem sido erradamente evocada, por considerar que a mesma terá sido pensada e forjada para fazer face a situações de ameaça real às estruturas que compõem um Estado de Direito.

 

Não obstante os processos judiciais e policiais em curso, Medeiros Ferreira considera abusiva qualquer assumpção de “atentado ao Estado de Direito” com base unicamente numa eventual tentativa para controlar alguns meios de comunicação social.

 

Caso o Procurador-Geral da República (PGR), Pinto Monteiro, tivesse dado ordem para a abertura de um inquérito crime assente exlusivamente no indício de “atentado ao Estado de Direito”, retirado das certidões das escutas do processo Face Oculta pelo Ministério Público de Aveiro, poderia estar a criar-se um precedente grave, porque permitiria que outras situações pudessem ser conotadas com aquele tipo de crime, alargando o leque para um vasto e questionável conjunto de potenciais casos.*

 

Efectivamente, e não descurando as implicações inerentes aos processos de investigação em curso, também o autor destas linhas partilha da posição de Medeiros Ferreira, já que conceitos como o “atentado ao Estado de Direito” devem ser elevados a um patamar superior, assim como outros, que tantas vezes são evocadas leviana e completamente desenquadrados da sua génese.

 

*O Diplomata refere-se apenas à problemática teórica da figura de “atentado ao Estado de Direito” no âmbito da organização dos Estados. Não está em causa qualquer comentário ou apreciação aos contornos processuais e formais do processo Face Oculta.

 

Mais uma história de "interesses" sob a lógica do realismo político

Alexandre Guerra, 07.09.09

 

Foto PA

 

O acordo celebrado entre os governos da Escócia e da Líbia para a transferência do prisioneiro Adbelbaset Ali al Megrahi, o único a cumprir pena de prisão pelo atentado de Lockerbie ao voo da Pan AM em 1988, e do qual resultaram 270 mortos, está a revelar-se um verdadeiro embaraço para algumas figuras políticas britânicas. 

 

Inicialmente, havia uma versão oficial, na qual a decisão do Governo escocês assentara exclusivamente numa base de cariz humanitário, já que o prisioneiro, supostamente, se encontra num estado terminal de doença que não se deverá prolongar além dos três meses de vida

 

Por isso, não é de estranhar que num primeiro momento, após o conhecimento público do acordo, os contornos específicos do mesmo não tenham suscitado grande celeuma.  A situação altera-se radicalmente após a recepção apoteótica de al Megrahi em Tripoli, espoletando reacções de repulsa em diferentes sectores britânicos.

 

Além do argumento humanitário, começaram a surgir notícias que davam conta de um acordo secreto previamente negociado em 2007, inserido numa lógica alargada de aproximar a Líbia ao sistema internacional e de melhoramento das relações comerciais entre o Reino Unido e aquele país.

 

No âmbito desse acordo terá estado um negócio de 550 milhões de libras em favor dos britânicos, nomeadamente para a petrolífera BP se instalar na Líbia em condições mais vantajosas. 

 

Foto PA

 

O primeiro-ministro inglês Gordon Brown reiterou esta semana que não houve qualquer encobrimento de um acordo secreto. Efectivamente, o Executivo britânico já tinha libertado documentos que demonstravam a vontade do secretário de Justiça inglês, Jack Straw, excluir al Megrahi de qualquer acordo de transferência de prisioneiros. No entanto, em Dezembro de 2007 terá mudado de ideias. 

 

Uma posição agora confirmada pelo próprio em entrevista ao Daily Telegrah. Jack Straw admitiu que afinal não estavam apenas em jogos razões humanitárias, mas também objectivos comerciaise políticos, numa tentativa de estreitar relações entre a Líbia e especificamente o Reino Unido: "Libya was a rogue stat. We wanted to bring it back into the fold. And yes, that included trade because trade is an essential part of it and subsequently there was the BP deal."

 

 

No meio disto tudo, o Governo escocês mantém a sua versão de que a libertação de al Megrahi não foi inserida em qualquer acordo secreto de transferência e que não houve qualquer negociação com Londres. O próprio Straw tinha evitado compromoter esta posição, porém, revelou ao Daily Telegrah que em Julho de 2007 esteve reunido com o secretário de Justiça e o primeiro-ministro escoceses para discutirem  o acordo (nesta altura, todos defendiam a exclusão de al Megrahi de qualquer acordo).

  

Mais tarde, Straw escreveu ao secretário de Justiça escocês, Kenny MacAskill, a informá-lo de que afinal al Megrahi teria que se incluído num acordo de transferência, sob o argumento de estarem em jogo "interesses avassaladores para o Reino Unido".

 

 

Straw estava claramente a mover-se numa lógica de realismo político, aproveitando a oportunidade de transferência de al Megrahi para defender os interesses do Reino Unido. Tratava-se de uma janela de oportunidade política e comercial que Straw considerou não estar em condições de recusar, sobretudo quando se está a lidar com um país que tem tanto para "oferecer" ao Ocidente, segundo alguns analistas citados pela AP. 

 

E, efectivamente, Straw acabou por alcançar os objectivos, ao conseguir estreitar as relações políticas com a Líbia, ao ponto do porta-voz daquele regime, Abdul Majeed al Dursi, ter tecido fortes elogios ao Reino Unido:  “This is a brave and courageous decision by the British, which shows its understanding of Libyan culture by allowing a sick man to be at home when he dies. It showed the relations between Britain and Libya are strong and deep. We in Libya appreciate this and Britain will find it is rewarded.”

 

Também em termos económicos, a BP nos últimos anos já contabiliza um investimento de mil milhões de dólares em projectos de exploração na Líbia.

 

O problema é que toda a estratégia desenvolvida por Straw tornou-se pública, criando um embaraço político para o Executivo britânico. Apesar de Straw ter revelado que Brown não teria conhecimento deste processo, a oposição está a instrumentalizar o assunto para atacar o primeiro-ministro. Também o Governo escocês acaba por ser associado ao assunto, já que terá alinhado com os intentos de Straw.  

 

O paradigma do realismo político assenta numa lógica de segredo e de discrição, por vezes longe da opinião pública, no qual os interesses do Estados se sobrepõem a outros factores igualmente meritórios, mas politicamente alvo de outras interpretações quanto à sua importância estratégica para o Estado.

 

Straw acabou por fazer aquilo que outros dirigentes teriam feito, ao perceber que podia potenciar uma oportunidade em favor de "interesses avassaladores". No entanto, os riscos políticos inerentes a estratégias deste género são muito altos, sobretudo quanto o assunto passa para o domínio público.  

 

70 anos depois será que a Rússia partilha o sistema de valores das nações europeias?

Alexandre Guerra, 01.09.09

 

Em comentário na SIC Notícias sobre o 70º Aniversário do início da II Guerra Mundial, que esta Terça-feira se assinalou na Polónia, Nuno Rogeiro fez uma observação muito pertinente quanto à evolução e identificação comum do sistema de valores dos Estados europeus.

 

Sete décadas volvidas sobre o começo do conflito mais devastador da História, existe hoje uma partilha de valores inequívoca na Europa, que impossibilitaria, mesmo ao mais pessimista dos analistas ou historiadores, prever qualquer guerra entre nações europeias.

 

Sendo certo que existem especificidades e sensibilidades diferentes em cada nação do Velho Continente, é inegável a criação de um tronco comum de valores na Europa fortalecido com a construção do projecto europeu.

 

Robert Kagan, na sua célebre obra Of Paradise and Power, foi lúcido quando referiu que a "Europa estava a virar as costas ao poder, ou a dar-lhe pouca importância, para mover-se para o mundo das leis e da ordem, da negociação transnacional e da cooperação". Com isto a Europa está a entrar num "paraíso pós-histórico de paz e relativa prosperidade".

 

De certa forma, é isso que se tem vivido na Europa nas últimas décadas, sobretudo a partir do fim da Guerra Fria. Os Estados europeus têm partilhado esta visão comum, de forma particularmente empenhada no projecto europeu.

 

Por isso, Nuno Rogeiro considera altamente improvável que os países do Velho Continente se voltem a envolver em conflitos armadas. Mas tal não se deve à inexistência de interesses divergentes ou de conflitos ideológicos (porque os há), mas precisamente porque existe uma base de valores partilhada e comum.

 

A grande dúvida que Nuno Rogeiro colocava, e a qual o Diplomata também partilha, é saber se a Rússia recriada à imagem de Vladmir Putin se revê no sistema básico de valores em que as nações europeias assentam.

    

A acção dos governantes e a questão política em pandemias anunciadas (2)

Alexandre Guerra, 18.08.09

 

A enfermeira Jacqueline Spaky iniciou a 12 de Outubro de 1976 em Nova Iorque a campanha de vacinação nacional "Roll Up Your Sleeves, America"

 

Apesar dos cenários especulativos sobre os impactos de pandemias, Laurie Garrett é certeira ao referir que quando a comunidade internacional se vê perante o medo de um potencial surto, então volta-se para os Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa. O autor destas linhas acrescentaria que em última instância, os Estados viram-se para as farmacêuticas.
 
E é precisamente esta fase que se está a atravessar no âmbito da problemática da Gripe A. A autêntica “corrida” das farmacêuticas para a produção de vacinas até ao final do Verão, início de Outono, tem sido sobretudo alimentada pelos Estados que já garantiram encomendas de milhões.
 
De modo a dar uma resposta aos seus clientes, as farmacêuticas estão a correr contra o tempo, suscitando algumas questões pertinentes quanto à fiabilidade dos processos de testes. Por isso, convém salientar que os exemplos do passado são suficientes para aconselhar prudência nas estimativas lançadas e na eficácia das soluções apresentadas.
 
A propósito, Laurie Garrett relembrou uma história que, mais do que nunca, deve ser tida em conta pelos governantes e pelas autoridades nacionais e internacionais de saúde.
 
Quando em Janeiro de 1976 um soldado de 18 anos, destacado na base de Fort Dix, morre após regressar ao quartel, terminada uma marcha de treino, o Exército Americano e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) descobriram que a causa se ficou a dever ao vírus da Gripe Suína.  
 
Na altura mais nenhum caso foi registado em Fort Dix, mas o pânico instalou-se nas chefias das entidades de saúde, com particular destaque para F. David Matthews, então responsável do Governo pela pasta da Saúde. Foi então que Matthews disse o seguinte: “There is evidence there will be a major flu epidemic this coming fall. The indication is that we will see a return of the 1918 flu virus that is the most virulent form of flu (…) The projections are that this virus will kill one million Americans in 1976.”
 

O Presidente Gerald Ford a ser vacinado contra a Gripe Suína a 14 de Outubro de 1976

 
Apoiado pelo CDC, Matthews conseguiu convencer a Casa Branca de que os Estados Unidos estavam perante uma ameaça de epidemia. A 24 de Março de 1976, o Presidente Gerald Ford vai à televisão para informar os americanos da iminência de uma epidemia no próximo Outono e Inverno. Consequentemente, pediu ao Congresso uma verba extraordinária de 135 milhões de dólares para produzir vacinas para todos os americanos.
 
As farmacêuticas avisaram de imediato que não avançariam com a produção em tão pouco tempo sem terem uma protecção especial em termos de responsabilidade civil. Em Abril, o Congresso aprovou uma “bill” que ilibava as farmacêuticas de qualquer responsabilidade em qualquer problema, transferindo-a para o Governo.
 
Quatro meses após ter-se iniciado o programa de vacinação começaram a surgir os primeiros efeitos secundários, originando processos legais no valor de 3,2 mil milhões de dólares, embora muitos deles tenham sido retirados ou resolvidos. No entanto, o Governo americano ainda teve de pagar 90 milhões em indemnizações.
 
E como a história demonstrou, nunca se veio a verificar uma epidemia de Gripe Suína. O chefe do CDC foi obrigado a demitir-se, o Presidente Gerald Ford ficou altamente fragilizado e, mais importante, o Congresso nunca mais considerou a possibilidade de isentar de qualquer responsabilidade as farmacêuticas em períodos de epidemia.
 

O mapa dos Estados com risco político em 2009

Alexandre Guerra, 19.02.09

 

A AON acabou de publicar o seu 16º mapa anual sobre o Risco Político para 2009, avaliando as condições financeiras e políticas de 200 países e estabelecendo a hierarquia de risco para este ano.

 

Segundo o director da equipa de análise de risco da AON, Miles Johnstone, o mapa deste ano reflecte o potencial impacto da crise económica na estabilidade política de alguns países.  “This year’s map reflects how the impact of the credit crunch is shifting from being an economic problem to a political problem. When an economy is in downturn, the government has less resource available to deal with issues when they arise, potentially leading to political instability”, referiu Johnstone.

 

A Islândia e a Grécia, assim como alguns países da Europa de Leste, foram apresentados como exemplos de risco, nos quais a crise económica está a ameaçar objectivamente a estabilidade política. "We are seeing this particularly in several Eastern European countries, as well as Iceland and Greece, where there is a rise in exchange transfer and sovereign non-payment risk as well as an increase in widespread protests and street disturbances", acrescentou Johnstone.

 

Por exemplo, o 2009 Political Risk Map revela que além da Islândia e da Grécia, também a Eslováquia, a Estónia, a Hungria, a Letónia e a Lituânia viram o seu ranking subir para a categoria de alto risco. Por outro lado, quatro países de alto risco do ano passado conseguiram melhorar a sua situação em 2009: Malawai, Moldávia, Síria e Turquemenistão. 

 

Além destes quatro, também a  Argélia, o  Benin, os Camarões, a Colômbia, o Kuwait, o Lesoto, a Líbia, Marrocos e a Tunísia foram "promovidos" para a categoria de baixo risco.

 

Por último, a juntar-se aos países de alto risco já referidos, encontram-se o Afeganistão, o Zimbabwe, a Somália, a Coreia do Norte, a Tailândia, o Iraque e a República Democrática do Congo.