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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Um conflito, dois Estados

Alexandre Guerra, 15.07.14

 

Ataque das IDF sobre a Faixa de Gaza/Foto: Haaretz 

 

Vendo bem as coisas, poder-se-á classificar a guerra entre Israel e a Faixa de Gaza como um conflito entre Estados. É certo que não é exactamente nos moldes clássicos, mas nem por isso deixa de ser um conflito que opõe um Estado de jure e de facto (Israel) a uma outra entidade que, na prática, é, de há uns anos a esta parte, um Estado de facto (Faixa de Gaza). 

 

Um Estado que, com as suas autoridades próprias, muito pouco tem a ver com a realidade política da Cisjordânia. Também social e culturalmente existem algumas diferenças consideráveis entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tornando-as duas realidades cada vez mais distintas. 

 

Gaza é um Estado que, apesar de exíguo, consegue ser substancialmente maior e com mais população que muitos micro-Estados que existem no sistema internacional. Com 40 quilómetros de comprimento e dez de largura, a Faixa de Gaza alberga 1,7 milhões de palestinianos. No entanto, 21 por cento da população vive em pobreza absoluta e a taxa de desemprego está acima dos 40 por cento, um valor superior àquele que se verifica na Cisjordânia.  

 

É um Estado pobre, isolado por mar e por terra, e cuja economia assenta sobretudo no comércio de contrabando com o Egipto, através dos famosos túneis que ligam o enclave ao deserto do Sinai. É uma economia muito débil, mas funciona minimamente, tendo em conta a conjuntura.

 

O poder está formalmente entregue ao Hamas e é exercido, dentro das possibilidades, na gestão dos serviços públicos. Ou seja, o poder não está na rua, embora esteja nas mãos de um partido ou movimento que está claramente associado a actividades terroristas e a uma ideologia radical, que vê na destruição de Israel o seu maior objectivo. É verdade que o Hamas tem uma vertente social na Faixa de Gaza que não pode nem deve ser descurada, mas que em última instância está orientada para uma determinada forma de se ver a realidade do Médio Oriente e, em concreto, a dinâmica israelo-palestiniana.

  

A Faixa de Gaza não é nem mais nem menos do que muitos Estados pobres e exíguos, sem recursos, e geridos por um poder legítimo (eleições), mas altamente discutível quanto aos seus padrões. Porque, vendo bem, a Faixa de Gaza tem os três elementos constitutivos de um Estado: território, população e (quase) soberania. 

 

A "imprevisibilidade" como factor inerente à arte de governar

Alexandre Guerra, 17.02.13

 

Talvez por ser uma pessoa minimamente exigente com aquilo que lê e ouve, o autor destas linhas conta pelos dedos de uma mão aqueles que, entre os que ocupam o espaço mediático em Portugal, têm um pensamento verdadeiramente consistente e sofisticado. Ou seja, homens que “pensam bem” e que, sempre que escrevem ou falam, merecem a atenção redobrada deste vosso escriba.

 

Adriano Moreira é uma dessas pessoas. Aos 90 anos é um dos poucos pensadores dignos desse nome em Portugal e, sem qualquer dúvida, uma das mentes mais esclarecidas entre todos aqueles que, por esse mundo fora da "intelligentsia", vão debitando as suas opiniões sobre o modelo de governança das sociedades actuais.

 

Nos últimos anos, Adriano Moreira tem abordado vários assuntos sobre os quais tem problematizado, nomeadamente, as funções do Estado e a responsabilidade dos governos.

 

E a este propósito, ainda há uns tempos, o mesmo Adriano Moreira desconstruía de forma magistral o argumento da “incerteza” provocada pela conjuntura internacional que o Governo português (e outros) recorrentemente utiliza para justificar eventuais desvios de previsões ou falhanço de políticas.

 

Ora, para Adriano Moreira, a capacidade de lidar com a “imprevisibilidade” é precisamente um dos requisitos da função de um Governo, seja em que país for. A Política assume a “imprevisibilidade” e a “incerteza” como factores naturais inerentes à arte de governar e não como “desculpas” ou “refúgios” de previsões erradas ou más políticas levadas a cabo por um Governo.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


O Estado e a classe média

Alexandre Guerra, 29.04.12

 

Foto: Frank Martin  /  Getty Images

 

Reler alguns dos ensinamentos dos grandes filósofos da Antiguidade Clássica é sempre um exercício intelectual estimulante, ora porque se fazem novas descobertas, ora porque se relembram princípios escritos há mais de 2000 anos e que continuam a ser verdades sábias nos dias que correm.

 

Uma dessas reflexões, neste caso de Aristóteles (384 a.C - 322 a.C), falava na importância da classe média no modelo de organização da sociedade da Cidade, da polis. Dizia o filósofo de Estagira que a “sociedade civil mais perfeita é a que existe entre cidadãos que vivem numa condição média; e que não pode haver Estados bem administrados senão aí onde a classe média é numerosa, e a mais poderosa do que as outras duas [ricos e pobres]”.

 

Um pensamento óbvio, dirá, eventualmente, o leitor deste blogue e com razão. Mas, mesmo assim, não deixa de ser uma verdade que os líderes políticos devem ter presente todos os dias, atendendo ao enfraquecimento galopante dessa tal classe média resultante das graves dificuldades económicas e financeiras sistémicas que se vivem nalguns países, nomeadamente em Portugal.

 

Porque é importante não esquecer que um Estado composto por uma classe média forte “é o único que está isento de perdições e sedições. Pois deve haver muito poucas desordens dessas em toda a parte onde a classe média é numerosa”.