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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Um erro

Alexandre Guerra, 25.12.13

 

É um erro o Governo interino do Egipto classificar a Irmandade Muçulmana de organização terrorista. Só contribuirá para criar mais clivagens entre os egípcios. Tal como acontece com o Hamas, é preciso distinguir na Irmandade Muçulmana a esfera política e social das franjas radicais. Claro que ninguém é ingénuo ao ponto de acreditar que estas facções mais extremistas actuam sem qualquer tipo de conhecimento ou de cobertura das lideranças políticas do Hamas ou da Irmandade, no entanto, numa abordagem mais realista, não se pode ignorar a penetração desses movimentos nas suas sociedades enquanto estruturas políticas e sociais devidamente organizadas capazes de dar respostas a vários níveis.

 

Dilema

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

No Egipto receia-se que a violência que alastra nas ruas se transforme num conflito prolongado de guerrilha urbana entre o Exército e a Irmandade Muçulmana -- esta com capacidade de financiamento e de armamento. Por isso, os opositores ao Presidente deposto, Mohammed Morsi -- desde os mais liberais aos mais conservadores -- precisam que as forças de segurança contenham os homens da Irmandade.

 

Por outro lado, também não querem que o Exército ganhe um controlo absoluto da situação, fazendo do Egipto uma espécie de regime militar autoritário.

 

Entre o radicalismo da Irmandade e o poder absoluto do Exército, as correntes mais liberais e democráticas estão perante um dilema de difícil resolução.

 

Um tsunami muito previsível

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

A anarquia reina nas ruas do Cairo/Foto: K. Desouki (AFP)


Sem grande surpresa, o Egipto está a ferro e fogo e ninguém parece ter mão na "rua". "Rua", essa, onde o poder caiu. Não agora, mas a partir do momento em que a eufórica Primavera Árabe se propunha, ingenuamente, levar a democracia aos povos. As chancelarias ocidentais embarcaram nesta aventura politicamente correcta, desprezando as lições da história e o realismo da Política.

 

Desde entao, ou seja, há mais de dois anos, que a Primavera se transformou num Inverno sangrento para muitos paises muçulmanos do Norte de África e do Médio Oriente. A Síria é o exemplo mais trágico. Foi uma espécie de tsunami que, ao contrário dos de origem natural, era bastante previsível. Aliás, o Diplomata, um simples observador das relações internacionais, já tinha alertado, mais que uma vez, para o potencial perigo desta caminhada para o "fim da História", em versão muçulmana. 

 

O resultado está à vista, certamente com Washington, Londres e Bruxelas comprometidas com o seu próprio fracasso, ao olharem para o Egipto numa situação de descontrolo inédito nas décadas mais recentes da história daquele País. 

 

A "Primavera" que nunca chegou ao Egipto

Alexandre Guerra, 08.07.13

 

Não é com surpresa que o Diplomata olha para os recentes e violentos acontecimentos no Egipto. Aliás, para quem siga com alguma atenção este blogue, já pôde constatar por diversas ocasiões a desconfiança manifestada por este autor em relação àquilo que ficou conhecido como "Primavera Árabe".

 

Um movimento idealista, apoiado pelas principais chancelarias ocidentais, mas totalmente desprovido de realismo e de cinismo, factores tão importantes e relevantes nas relações internacionais. Num primeiro momento, criou-se a ideia que uma vaga eufórica de democratização estava a chegar aos países do Médio Oriente. A 10 de Junho de 2011, o Diplomata escrevia que esta era uma "ideia em que a imprensa internacional e a opinião pública embarcaram, a de uma 'Primavera' revolucionária pacífica e ordeira, fruto da vontade comum e do interesse geral", nomeadamente na Túnisia e no Egipto. 

 

Porém,  esta era uma leitura que o autor destas linhas considerava "enublada". Porque, explicava então, "aos olhos do mundo, nas revoluções destes dois países só há a lamentar a violação da repórter norte-americana da CBS, Lara Logan (uma lamentável situação que, na verdade, resulta da lógica de multidão em fúria que poderia acontecer em qualquer parte do mundo). Não fosse este episódio de drama, a Tunísia e o Egipto teriam vivido revoluções 'limpas' 'arrumadinhas', como a opinião pública internacional gosta hoje de olhar para este tipo de movimentos, esquecendo-se que, normalmente, estes fenómenos contam sempre com dinâmicas reaccionárias".

 

Diplomata, mais perverso na sua análise, lembrou em Junho de 2011 "que as revoluções implicam quase sempre rupturas, choques, e com isso a violência, o derrame de sangue e os mortos. O que se passou na Tunísia e no Egipto não fugiu a esta lógica, apesar do deslumbramento primaveril com que líderes políticos e comunidade internacional olharam para aquelas revoluções".


E já na altura relembrava que de acordo com um relatório das Nações Unidas, a revolução da Tunísia provocara até então 219 mortos e 510 feridos. Números pouco lembrados pela imprensa internacional e praticamente desconhecidos pela opinião pública. Também no Egipto, poucos citaram o relatório divulgado em Abril de 2011 por uma comissão daquele país, no qual se falaram em quase 900 mortos e cerca de 6500 feridos durante a 'Primavera' egípcia".

 

Perante isto, o Diplomata tinha percebido há mais de dois anos que "o entusiasmo da opinião pública internacional e a ingenuidade dos líderes políticos ao acolherem imprudentemente as revoluções na Tunísia e no Egipto, sem pensarem realisticamente nas suas consequências internas e no sistema internacional, passou rapidamente ao embaraço quando as coisas começaram a correr mal na Líbia, no Iémen e na Síria".

 

E tinha sublinhado ainda que "os líderes ocidentais, numa euforia cega e desmedida, abraçaram aquilo que consideravam ser uma espécie de 'Primavera' árabe, esquecendo-se do realismo político e ignorando todos os ensinamentos da História dos povos. De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que as pessoas viriam pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus 'ditadores', e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de 'vivas' ao Exército". 

 

Como dizia o Diplomata na altura, "uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta "febre" revolucionária repentina podia acabar mal para alguém".

 

Para os idealistas da Primavera Árabe

Alexandre Guerra, 07.05.13

 

Desde a revolução egípcia em Janeiro de 2011 que a economia piorou, o tecido empresarial deteriorou-se e o desemprego aumentou, assim como o défice do país. A moeada desvalorizou e a insegurança acentuou-se dramaticamente. A falta de combustível é uma constante. Politicamente, não se pode dizer que o Egipto tenha obtido ganhos particularmente significativos, já que a lógica clientelar mantém-se e desta vez com a cobertura de eleições supostamente livres e justas.

 

Há quem diga que o Egipto está hoje muito pior do que no tempo de Hosni Mubarak. Uma afirmação compreensível, tendo em conta a forma precipitada como aquele país foi para a "rua" exigir reformas, com o apoio idealista e irrealista das chancelarias ocidentais, esquecendo-se que, num mundo que não é o ideal, por vezes, é preferível manter o status quo, assegurando a estabilidade e a previsibilidade, em vez de se acenar com um ideário democrático e liberal, muito bonito em tese, mas inconsequente na prática num país como o Egipto.

 

A dúvida em relação ao Egipto: privilegiar o Hamas ou o "status quo" com Israel?

Alexandre Guerra, 16.11.12

 

Atendendo aos acontecimentos violentos das últimas horas no Médio Oriente entre Israel e palestinianos na Faixa de Gaza, vai ser muito interessante observar o posicionamento desta nova liderança política do Egipto face ao conflito, já que é claramente bem mais próxima do Hamas do que o antigo Presidente Hosni Mubarak.

 

A asfixiante "tunnel economy" entre a Faixa de Gaza e o Egipto*

Alexandre Guerra, 04.11.12

 

Um jovem palestiniano descansa dos trabalhos de escavação de mais um túnel/Foto: Eyad Baba/AP

 

Um das questões que se pode colocar perante a existência de “novos milionários” na Faixa de Gaza – actualmente, segundo se sabe, entre 100 a 200, e capazes de fazer dois milhões de dólares de dois em dois meses, como foi referido no segundo de três textos sobre a realidade do enclave palestiniano –, é saber como é possível que isso acontece num território literalmente isolado pelas forças de segurança israelitas (IDF)?

 

A mesma pergunta se pode fazer sobre o facto da economia em Gaza, embora débil, permanecer minimamente activa, quando as IDF apenas permitem a entrada de alguns bens de consumo, estando impedida, por exemplo, a importação de materiais para indústria pesada.  

 

Ou visto que a circulação de pessoas está muito limitada entre a Faixa de Gaza e o exterior, como é que os palestinianos naquele enclave conseguem ir ao Egipto para consultas médicas ou para outro tipo de serviço?

 

Trabalhador a retirar terra durante a escavação de um túnel algures entre a Faixa de Gaza e o Egipto/Foto AP

 

Um das centenas de túneis que saem de Rafah em direcção ao Egipto/Foto Time - Richard Moesse

 

A maior parte destas questões encontra resposta nas centenas de túneis construídos ilegalmente entre a Faixa de Gaza e o Egipto. Embora não haja dados exactos sobre esta “tunnel economy” (como lhe chama as Nações Unidas), estima-se que esta realidade tenha um impacto considerável na economia e na vida dos palestinianos da Faixa de Gaza. E traz sobretudo benefícios “de facto” às autoridades de Gaza e a uma certa elite próxima do Hamas. Quem o diz é a próprio International Labour Organization (ILO).

 

De acordo com um relatório deste ano da ILO, o volume do comércio ilegal feito nos túneis é quatro vezes superior àquele que é registado oficialmente. Já o Peres Center for Peace referia no ano passado que o valor dos bens contrabandeados todos os meses situava-se entre os 50 a 70 milhões de dólares, o que representava cerca de 80 por cento do total de bens importados para a Faixa de Gaza. Uma dimensão apenas possível pela existência de mais de 1000 túneis em 2010, segundo aquela entidade.    

 

Tudo se contrabandeia nos túneis, incluindo animais vivos/Foto: Eyad Baba

 

Também o Peace Research Institute Oslo, num relatório de 2010, referia que cerca de 15 mil trabalhadores (escavadores, etc) e 25 mil negociantes (leia-se contrabandistas) estariam envolvidos na “tunnel economy”. Números que seriam atenuados com o aligeiramento do cerco por parte de Israel no Verão de 2010.

 

A escavação de túneis começou depois do início da intifada de al Aqsa, em Setembro de 2000, na sequência do bloqueio cerrado imposto por Israel à Faixa de Gaza, por mar, terra e ar.

 

Quase todos estes túneis partem de Rafah, cidade no sul da Faixa de Gaza junto à fronteira egípcia, e tudo é contrabandeado por estes canais subterrâneos, como produtos alimentares, artefactos para a casa, electrodomésticos, material de construção e animais vivos, como ovelhas, vacas e burros. Tudo feito sob o comando do Hamas.

 

*Este é o último de uma série de três textos sobre a Faixa de Gaza

Really?

Alexandre Guerra, 14.06.12
 

 

A poucas horas das eleições presidenciais no Egipto eis que surge uma verdadeira pérola de propaganda política, com o mais recente anúncio que está a ser divulgado por um canal satélite do Governo egípcio. Mohamed El Dahshan, no blogue Transitions do site da Wired, descreve o enredo.

 

Um jovem entra num café, com um ambiente descontraido e que ostenta nas suas paredes vários cartazes com slogans revolucionários, e senta-se à mesa com outros três jovens, que personificam um qualquer estudante egípcio e até um palestiniano, por causa do lenço que uma rapariga traz ao pescoço.

 

A conversa gira à volta de temas quotidianos, tais como política, inflação, problemas de transportes, desemprego, enfim, assuntos que diariamente enchem as páginas dos jornais.

 

Mas, o jovem que se sentara à mesa vai escutando atentamento o que vai sendo dito, numa clara missão de "intelligence". E perante o que ouve chega a dizer: "Really?" De imediato, envia um sms com a informação recolhida que julga ser muito valiosa . Momentos depois uma voz off diz: "Toda a palavra tem um preço; uma palavra pode salvar uma nação."

 

Com este anúncio, pretende-se criar um sentimento de medo entre a população, incutindo a ideia de que existem ameaças externas para desestabilizar o Egipto. Através desta mensagem tem-se como objectivo "silenciar" as vozes mais activas e revolucionárias, que se fazem ouvir sobretudo nas camadas mais jovens quando estão em contacto com turistas.

 

O mais irónico de toda esta história é que o anúncio já começou a ser alvo de gozo, sendo muito dificilmente levado a sério.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Cassetes e livros religiosos distribuídos em mesquitas dão votos ao Partido Nour

Alexandre Guerra, 05.01.12

 

Cartazes de campanha dos salafistas do Partido Nour, Egipto

 

Na tentativa de se encontrar uma razão que ajude a explicar os bons resultados alcançados pelo Partido Nour nas eleições legislativas egípcias, Tariq Ramadan, intelectual muçulmano e neto do fundador da Irmandade Muçulmana, revelou numa entrevista ao jornal Público que um dos factores de sucesso daquela organização salafista tem a ver com a sua capacidade operacional no terreno.

 

O Partido Nour faz uma interpretação mais literal e fundamentalista do Islão do que a Irmandade Muçulmana,   

 

Segundo Ramadan, o Partido Nour, que deverá obter uns surpreendentes 25 por cento dos votos, enquanto a Irmandade Muçulmana poderá chegar aos 40, tem conseguido passar a sua mensagem através das mesquitas, "distribuindo cassetes e livros de referência".

 

Esta lógica comunicacional poderá parecer quase rudimentar quando confrontada com as dinâmicas comunicacionais verificadas nas sociedades ocidentais, mas, na verdade, tem sido uma prática eficaz na transmissão da mensagem que os líderes políticos e religiosos muçulmanos pretendem fazer passar para as suas comunidades. 

 

Contrariamente ao que se verifica nas democracias ocidentais, onde a lógica comunicacional do "porta a porta" ou do comício partidário só faz sentido quando é amplificada pelos meios de comunicação social de massas, nos países muçulmanos, nomeadamente árabes, o contacto pessoal ou a transmissão directa da mensagem com o eleitor importa em si mesma, como parte de um processo de formatação religiosa e doutrinária.

 

Clássico exemplo é do ayatollah Khomeini que, em 1979 e a partir de Paris, fomentou e coordenou uma revolução no Irão, através de mensagens transmitidas por vídeo durante as orações nas mesquitas. Sem isto nunca teria sido possível mobilizar as massas para derrubar o regime do Xá e fundar a República Islâmica do Irão.   

 

Os resultados das eleições para a câmara baixa do parlamento egípcio, e que se prolongaram durante várias semanas, divididas em três fases, deverão ser conhecidos no próximo dia 13.