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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Os tempos da História e as suas "crises"

Alexandre Guerra, 06.12.11

 

No período em que José Manuel Durão Barroso, actual presidente da Comissão Europeia, andava pelos Estados Unidos a tirar o seu doutoramento em Georgetown e se prepara para vir a ser um dia primeiro-ministro de Portugal, o autor destas linhas chegou a ouvi-lo citar, por uma ou duas vezes, algumas estrofes da música Zooropa do álbum homónimo dos U2 (diga-se de passagem, repositório dos últimos resquícios da genial criatividade musical daquela banda que tinha atingido o corolário com Achtung Baby, dois anos antes).

 

Considerações artísticas à parte, Barroso lá dizia: “Zooropa… Don't worry baby, it's gonna be alright. Zooropa… Uncertainty can be a guiding light.” Disse-o, por exemplo, em Novembro de 1997, durante um colóquio com o nome de “Portugal na Transição do Milénio”.

 

O agora líder da Comissão Europeia mostrava-se na altura desiludido com o rumo da Europa, em parte consubstanciado no então novíssimo Tratado de Amesterdão, assinado em Outubro de 1997.

 

Na sua intervenção por ocasião do debate na Assembleia da República para a aprovação do Tratado de Amesterdão, a 6 de Janeiro de 1999, Barroso dizia que “sem embargo de desenvolvimentos positivos, ele representa uma certa frustração e fica-se, sem dúvida, com um sabor a pouco em termos de ambição europeia”. Salientava ainda: “Ficamos com a impressão de reformas mais uma vez adiadas. Ficamos com a consciência de que a Europa continua à procura de um caminho. […] Não pode, pois, honestamente dizer-se que o Tratado de Amesterdão esteja à altura dos desafios que a Europa hoje enfrenta.”

 

Mais à frente dizia que na União Europeia não existia “uma vontade política proporcional à dimensão dos desafios que os europeus enfrentam”. Acrescentaria ainda que “actualmente [1999], os líderes europeus vão, na sua maioria, atrás das sondagens, em vez de procurarem ir à frente das respectivas comunidades políticas”. E já quase a concluir: “Que faremos com esta Europa? Para onde vamos? O que quer a Europa, se é que quer realmente alguma coisa? A verdade é que a União Europeia parece cada vez mais à deriva. Sem um propósito claro. Sem uma linha de rumo. Sem uma verdadeira visão estratégica.”

 

Ora, estes tempos de excepcional “crise” que se viviam no final dos anos 90 não eram afinal tão excepcionais quanto isso, bastando apenas recuar até ao início da mesma década e encontrar mais um momento de “crise” para a Europa.

 

Na ressaca do Tratado de Maastricht, mais concretamente em Julho de 1993, o mesmo Durão Barroso escrevia num artigo de opinião no Die Ziet seguinte: “Tenho para mim que é nos momentos mais difíceis que a validade dos projectos políticos pode ser de facto posta à prova. Ora justamente o projecto de construção vive numa fase marcada pela incerteza, pelo cepticismo e até pela desconfiança. De facto, é inquestionável que em muitos países europeus se nota hoje um pessimismo crescente.” E notava que “como pano de fundo, a recessão económica internacional tornou mais evidente a perda de competitiva em relação” aos concorrentes mundiais da Europa.

 

Enfim, certamente que se continuasse a regredir no tempo muitos seriam os discursos alinhados por este diapasão, porque a verdade é que poucos serão os períodos da construção do edifício europeu em que os tempos fossem de tranquilidade e de prosperidade, pelo menos à lupa dos políticos e dos líderes.

 

Tal como daqui a 20 anos, a autor destas linhas apostaria que a Europa, dirão então os seus governantes, estará numa crise de identidade, sem rumo, sem liderança ou qualquer coisa deste género.

 

Independentemente das conjunturas históricas, os homens têm uma tentação e tendência para assumirem a excepcionalidade do seu próprio tempo (isto dará um dia um texto interessante sobre Hegel, Marx, Fukuyama, Kojève, Políbio…) e, por vezes, esta assumpção poderá toldar a sua objectividade do pensamento e o seu espírito crítico em determinado momento.

 

Como aliás, actualmente acontece, na modesta opinião do autor destas linhas, onde os problemas são mais que muitos, é certo, mas a sua leitura e o respectivo enquadramento na linha da História não parece estar a ser feito de uma forma equilibrada e pragmática.

 

Mas, para isso acontecer é preciso, antes de mais, conhecer e ter a sensibilidade histórica, porque só assim se pode ter uma perspectiva verdadeiramente objectiva e focada no essencial, liberta das questões acessórias, que daqui a alguns anos não serão mais do que notas de rodapé da História.  

 

Nota: Durão Barroso foi aqui visado enquanto objecto de estudo, como poderia ter sido outro qualquer político ou líder. Tratou-se apenas de uma questão de maior disponibilidade no acesso à informação.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Sarkozy discutiu com Barroso ao almoço, mas terá Barroso discutido com Sarkozy?

Alexandre Guerra, 16.09.10

 

Durão Barroso e Nicolas Sarkozy, hoje, na foto de família do Conselho Europeu/Reuters/Francois Lenoir

 

Durante o almoço de hoje no Conselho Europeu o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e o chefe de Estado francês, Nicolas Sarkozy, ter-se-ão envolvido numa “discussão violenta” a propósito da problemática dos ciganos que estão a ser expulsos de França com destino ao seu país de origem, a Roménia.

 

Esta informação foi avançada pelo primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borissov, a um grupo de jornalistas, no entanto, até ao momento não são conhecidos mais pormenores sobre esta troca de palavras.

 

Borissov terá dito que foi o próprio Sarkozy a colocar o assunto na ementa, depois do tema ter sido abordado na reunião da manhã. Ao almoço Sarkozy voltou a insurgir-se contra as declarações da comissária da Justiça, Viviane Reding, que tinha comparado as acções do Executivo gaulês às perseguições nazis dos judeus durante a ocupação francesa.

 

Embora se desconheça o conteúdo e os contornos da conversa ao almoço, é de presumir que Sarkozy tenha adoptado um tom bastante agressivo na defesa da imagem da França e nas críticas à Comissão Europeia.

 

Conhecendo-se minimamente o perfil do Presidente francês não é difícil imaginar a rispidez das suas palavras e a vê-lo a contribuir para a tal “discussão violenta”. Menos provável (e o Diplomata coloca aqui muitas reticências ao relato de Borissov) é que Barroso tenha alinhado neste registo crispado, já que o seu estilo político, claramente marcado por uma paciência maoista e por um calculismo realista, não se enquadra nesta lógica.

 

Porém, e admitindo que o Presidente da Comissão Europeia ao almoço tenha dado uma réplica a Sarkozy no mesmo tom e registo, então Barroso, enquanto animal político, revela um lado desconhecido.

 

Primeiro-ministro checo lamenta exigência do seu Presidente e tenta tranquilizar Barroso

Alexandre Guerra, 13.10.09

 

Jan Fischer e Durão Barroso esta Terça-feira na Comissão/Thierry Rouge/Reuters

 

O Diplomata escreveu neste espaço há poucos dias que depois do passado Sábado, dia em que o Presidente polaco, Lech Kaczynski, ratificou o Tratado de Lisboa, a pressão iria aumentar sobre o chefe de Estado da República Checa, Vaclav Klaus. 

 

Com a ratificação de Kaczynski, um eurocéptico que acabou por cumprir aquilo que já tinha sido acordado e assinado em Lisboa em 2007, durante a presidência portuguesa da União Europeia (UE), Klaus tornou-se no último dirigente dos Vinte e Sete a dar "luz verde" ao documento.

 

Por isso, e tendo em conta os argumentos e obstáculos que agora está a impor, a sua posição começa a tornar-se insustentável, ao ponto de provocar um endurecimento no discurso do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que esta Terça-feira considerou inaceitável a posição de Klaus.

 

O próprio primeiro-ministro checo, Jan Fischer, mostrou-se compreensivo perante as preocupações manifestadas por Barroso, e informou que o assunto será abordado na cimeira europeia de 29 e 30 de Outubro.

 

Por esaa altura, o Tribunal Constitucional checo já deverá ter-se pronunciado sobre uma queixa interposta por senadores eurocépticos sobre a compatibilidade do Tratado de Lisboa na ordem interna da República Checa.

 

As informações que têm surgido na imprensa são de que o Tribunal Constitucional poderá não dar razão aos senadores e considerar que o Tratado não viola a lei fundamental checa, no entanto, esta posição não será suficiente para que Klaus ratifique o documento.

 

Além da decisão favorável do Tribunal, Klaus pretende ver cumprida uma outra exigência feita aos parceiros europeus, de que o Tratado de Lisboa inclua uma nota de rodapé que permita à República Checa ausentar-se da jurisdição da Carta dos Direitos Fundamentais.

 

Esta exigência deve-se ao facto da Carta poder vir a permitir teoricamente que os três milhões de alemães expulsos da então Checoslováquia no final da II GM possam vir a reclamar as suas propriedades entao confiscadas por Praga.

 

Fischer, no encontro que teve hoje com Barroso, critica o timing de Klaus para esta exigência e lamenta que a mesma não tenha feito sido feita no tempo próprio, aquando da negociação do Tratado de Lisboa.

 

De acordo com o que tem circulado nas capitais europeias, parece estar fora de questão quaisquer alterações materiais ao Tratado, já que isso poderia obrigar a um novo processo de ratificação por parte dos Vinte e Sete. Perante este cenário, poderá haver uma outra solução que passará pela aprovação de uma declaração política na próxima cimeira europeia, que estabeleça uma espécie protocolo adicional que acautele os interesses checos.

 

O problema é que nem mesmo esta solução poderá satisfazer Klaus, já que este parece intransigente na inclusão da nota de rodapé no Tratado.

 

Fisher teve a preocupação de informar os parceiros europeus de que o Governo checo tem a melhor das vontades em concluir o processo de ratificação, porém, segundo o EuObserver, o próprio primeiro-minisro checo terá demonstrado alguma insegurança e desconhecimento quanto ao comportamento de Klaus sobre esta matéria.  

 

Cinco anos de paciência dão segundo mandato a Barroso na Comissão Europeia

Alexandre Guerra, 16.09.09

 

Reuters/Vincent Kessler

 

Durão Barroso foi confirmado esta Quarta-feira pelo Parlamento Europeu para um segundo mandato à frente dos desígnios da Comissão Europeia. Embora já fosse expectável este resultado, não deixa de ser curioso que, para alguém tão criticado, Barroso tenha acabado por ser reconduzido com uma margem relativamente confortável de votos na eurocâmara (382 a favor, 219 contra), repetindo um feito que não acontecia desde Jacques Delors.

 

A Reuters foi peremptória ao referir que Barroso ganhou um "forte mandato" através de uma "clara maioria". Não é por isso de estranhar que o antigo primeiro-ministro português tenha referido o seguinte: "Honestamente, acho que reforcei a minha autoridade."

 

Relembre-se que depois de Delors, que esteve à frente da Comissão entre 1984 e 1995, tanto Jacques Santer (obrigado a demitir-se antes do fim do seu mandato) como Romano Prodi revelaram-se líderes técnica e politicamente fracos para estar à frente de uma estrutura tão complexa e exigente como é a Comissão Europeia.

 

Independentemente das suas fraquezas ou orientações políticas, Barroso veio dar um novo fôlego à Comissão, colocando-a no centro de importantes decisões e distanciando-se gradualmente da área de influência dos Estados.

 

Porque, ao contrário do que é dito por alguns críticos, a verdade é que o colégio de comissários liderado por Barroso foi conseguindo "trabalhar" com alguma autonomia face às vontades dos Governos nacionais. É preciso lembrar que a actividade comunitária não está centrada apenas nas grandes decisões políticas, mas também em inúmeros processos decisórios que vão influenciando diariamente o quotidiano de milhões de europeus.

 

É certo que o início do seu mandato foi altamente conturbado, tendo Barroso cometido vários erros, inclusive alguns "braços de ferro" com o Parlamento Europeu aquando do processo de nomeação da sua equipa de comissários.

 

No entanto, de toda esta situação Barroso pode ter retirado alguns ensinamentos que lhe podem ser úteis agora, quando começar a discutir com os eurodeputados os nomes dos candidatos ao colégio de comissários.

 

Outro dos erros cometidos por Barroso nos primeiros tempos de mandato, e que o Diplomata pôde constatar nos corredores de Bruxelas, foi o seu distanciamento em relação à sua equipa, quer comissários, quer directores-gerais.

 

As pessoas reconheciam-lhe mérito, mas era comum ouvir-se vozes descontentes pela forma como não comunicava com os restantes comissários. Efectivamente, nos primeiros tempos de mandato Barroso era visto como um líder isolado, com pouca ligação aos restantes membros do colégio.

 

Com o passar do tempo, Durão Barroso, através da sua paciência maoista, foi vincando o seu papel de presidente da Comissão Europeia, assumindo uma confiança crescente e cativando ou influenciando os vários líderes europeus, ao ponto de todos os 27 Estado-membros, com mais ou menos reticências, lhe terem dado o seu apoio. Também com políticos mundiais, nomeadamente com o ex-Presidente norte-americano, George W. Bush, e com o então Presidente russo, Vladimir Putin, Barroso conseguiu criar "pontes". 

 

Barroso não pode contar com o entusiasmo europeu dos líderes, tal como Delors contou

Alexandre Guerra, 08.07.09

 

 
Jacques Delors é, e será sempre, uma figura de referência na construção europeia, mas tal evidência não deve distorcer a análise comparativa entre os seus dois mandatos e os que se lhes seguiram. 
 
De certa maneira, no final dos anos 80 e no início dos anos 90 viveu-se uma euforia europeia, com os vários líderes, com destaque para Helmut Kohl e Francois Miterrand, a “acelerarem” o projecto europeu para um nível de integração absolutamente inédito. Maastricht é precisamente o resultado, mas também o símbolo, dessa vontade política.
 
Mas, hoje, a euforia deu lugar ao descontentamento e cepticismo no seio dos Vinte e Sete. Os europeus não parecem ver na Europa um projecto aliciante, mas sim uma entidade burocrática, dominada por tecnocratas que se limita a emitir directivas. A juntar-se a esta ideia, muitos dos intervenientes políticos nos vários Estados-membros tecem duras críticas ao projecto europeu.
 
 
Por esta razão, Charles Grant, do think tank Centre for European Reform, é claro ao afirmar que o período que Durão Barroso vive é bastante mais conturbado do que aquele que Delors atravessou. Não apenas por causa da conjuntura actual de crise económica/financeira do sistema internacional, mas sobretudo, porque Barroso não tem aliados políticos como aqueles que Delors teve.
 
Ou seja, chefes de Estado e de Governo fortemente comprometidos com a construção do projecto europeu. O antigo chanceler Helmut Kohl e o já falecido Presidente Francois Miterrand são exemplos dessa diferença de tempos.
 
A observação de Grant é, por isso, muito importante, no sentido enquadrar os mandatos de Delors num determinado contexto histórico favorável à construção europeia, e com isto desmistificar uma certa ideia quase mitológica criada à volta daquele presidente de Comissão.
 

Ideias para a Europa debatidas em Maio na Alemanha com forte presença portuguesa

Alexandre Guerra, 27.04.09

 

“Ideas for Europe” é o lema de um congresso internacional que se vai realizar entre os dias 6 e 9 de Maio, na Universidade de Tecnologia de Chemnitz, Alemanha, e que terá uma forte presença portuguesa, a começar pela presidência do comité científico, assegurada pelo Professor Viriato Soromenho-Marques. Entre outros, estará também presente o filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço pela Universidade de Nice.
 
Um dos pressupostos que serve de base a esta conferência prende-se com as inúmeras “possibilidades intelectuais, culturais e políticas” que emergem no debate da construção europeia. É importante conhecer as mesmas de modo a poder conciliar-se a essência da Europa com as suas necessidades.
 
É por isso que durante este encontro estará sempre presente o binómio “Ideas of Europe/Ideas for Europe”. Nesta lógica, pode ler-se no texto de apresentação da conferência uma referência a uma “lecture” de José Ortega y Gasset, realizada em Munique a 29 de Setembro de 1953, intitulada de “Is there a European Consciousness?”
 
Esta pergunta surgiu porque Gasset sabia que não poderia haver uma verdadeira unificação ou integração europeia se a mesma não fosse acompanhada por uma certa partilha de uma consciência cultural comum.
 
Tal como o texto de apresentação sustenta, também não é de estranhar que em Fevereiro de 1992, aquando da assinatura do Tratado de Maastricht, o então presidente da Comissão Jacques Delors tenha avisado de que se a Europa não voltasse a ter uma “alma, uma dimensão espiritual, um significado verdadeiro”, então todo o processo de integração teria sido “tempo perdido”.
 
Delors, tal como Gasset, pertencem a uma escola que rejeita a visão exclusivamente funcional da Europa, devendo esta ir além de uma mera integração de economias e de políticas.
 
É necessário haver uma identidade cultural comum e que a promoção da mesma deverá ser não só da responsabilidade dos agentes políticos e das instituições, mas também das pessoas.   
 
A conferência tem o alto patrocínio da Comissão Europeia e será encerrada pelo seu presidente, Durão Barroso, que receberá ainda o grau de Doutor "Honoris Causa" pela Universidade de Tecnologia de Chemnitz.