Villepin chega ao Estoril novamente ensombrado pelo caso Clearstream
Dominique de Villepin/Foto:AP/Michel Euler
Dominique de Villepin, antigo primeiro-ministro francês e figura destacada do espectro político do centro-direita, chega ao Estoril para falar sobre os desafios actuais da construção europeia”, numa altura em que volta a ser “perseguido” pelo polémico caso Clearstream, que o obrigou a sentar-se no banco dos réus em 2004, tendo, no entanto, sido ilibado das quatro acusações que recaíam sobre si.
Villepin tinha sido acusado por ter permitido que continuasse a circular uma lista que alegadamente saberia ser falsa, com nomes de inúmeras personalidades políticas erradamente associadas a contas no banco luxemburguês Clearstream respeitantes a subornos de negócios de armamento, nomeadamente, a venda de fragatas francesas a Taiwan.
Mais tarde soube-se que foi um auditor estagiário da Clearstream, Florian Bourge, e o jornalista Denis Robert que forneceram o documento a Jean Louis Gergorin, vice-presidente da EADS, e a Imad Lahoud, um brilhante matemático. As listas foram dadas a conhecer na altura a Villepin, então ministro dos Negócios Estrangeiros, que ordenou ao responsável da EADS que as entregasse à justiça.
Um dos nomes era o de Nicolas Sarkozy, o que levantou de imediato várias teorias, que apontavam para um lado mais maquiavélico de Villepin, visto que emergiu a grande dúvida, e que ainda hoje certamente paira sobre muitos franceses, em saber se este tinha conhecimento da falsidade da lista e se, propositadamente, ordenou o seu envio para as autoridades como forma de prejudicar o seu rival.
Relembre-se que na altura, começava-se a falar de possíveis candidaturas presidenciais para 2007 e de imediato surgiram várias teorias de que o aparecimento da lista serviria os interesses de Villepin para comprometer e denegrir a imagem de Sarkozy, afastando-o, assim, de uma potencial candidatura no campo da direita.
O autor destas linhas recorda que acompanhou este caso com interesse e surpresa pelo facto de Villepin, tido como um diplomata elegante, homem de cultura e autor de vários livros sobre Napoleão, estar então envolvido em alegados “esquemas” que mais facilmente seriam conotados com Sarkozy.
Villepin acabou por ser ilibado, mas houve outros réus que não tiveram a mesma sorte. Sorte, essa, que poderá também acabar para Villepin, já que o assunto volta a ganhar relevância, com o Ministério Público a recorrer e a obrigar o antigo primeiro-ministro a prestar novamente declarações no âmbito deste processo.
Com eleições presidenciais para o ano e tendo Villepin criado um novo partido depois de ter deixado o UMP (centro-direita) para, muito provavelmente, apresentar uma candidatura ao Eliseu, é possível que o reacendimento deste caso lhe possa provocar alguns dissabores.
Algo que seria do agrado de Sarkozy, uma vez que as sondagens indicam que Villepin poderá ter 5 por cento na primeira volta das eleições, um valor que pode ser suficiente para complicar a vida ao actual Presidente, remetendo-o, eventualmente, para um terceiro lugar, atrás de um candidato socialista e, hipoteticamente, de Marine Le Pen, bem posicionada na corrida eleitoral. Se este cenário se verificasse, Sarkozy ficaria afastado da segunda volta.
Alguns analistas dizem que o recurso do Ministério Público pode ter grandes implicações nas candidaturas à direita, e apesar da imprensa referir que os dois arqui-inimigos possam estar mais próximos, a verdade é que a rivalidade entre Villepin e Sarkozy vem de há muito, quando ainda se discutia sobre quem seria o sucessor de Jacques Chirac no UMP.
Neste momento, é ainda difícil saber o quão este novo julgamento do caso Clearstream afectará a imagem de Villepin, no entanto, deverá ser um factor determinante na decisão de avançar, ou não, para uma candidatura presidencial.
Razões mais do que suficientes para que Villepin chegue ao Estoril com mais em que pensar do que propriamente nos “desafios actuais da construção europeia”.
Texto originalmente publicado no Cables from Estoril.