Os muitos documentos da diplomacia americana revelados publicamente pelo Wikileaks, naquela que será a maior fuga de informação de sempre, trouxe à memória do autor destas linhas duas histórias de segredos e de espiões.
Duas histórias reveladoras dos diferentes níveis de importância quando se fala de segredos ou de “intelligence” recolhida nos corredores da diplomacia. Porque, se é verdade que muita da informação agora divulgada terá pouca relevância, mesmo em termos históricos, existe uma outra parte que deve ser analisada com todo o cuidado e devidamente enquadrada.
É preciso não esquecer que os telegramas têm uma longa tradição nos bastidores das relações internacionais, tendo estado muitas das vezes na base de importantes acontecimentos sistémicos.
E poucas missivas terão sido tão importantes como o “longo telegrama” enviado por George Kennan, em Fevereiro de 1946, da embaixada americana em Moscovo para Washington. Numa resposta ao Departamento de Estado, sobre algumas questões internas do regime comunista no pós-II GM, Kennan, na altura alto funcionário da missão americana em Moscovo, fez uma leitura profunda sobre as razões que estavam na origem do comportamento dos líderes comunistas e da sociedade em geral.
E começa assim: “I apologize in advance for this burdening of telegraphic channel; but questions involved are of such urgent importance, particularly in view of recent events, that our answers to them, if they deserve attention at all, seem to me to deserve it at once.”
Este documento confidencial ficou conhecido na História como The Long Telegram e acabou por influenciar o pensamento doutrinário e estratégico dos líderes americanos, contribuindo na moldagem do sistema de Guerra Fria.
Um processo que viria a consolidar-se em 1947 com a publicação de um ensaio chamado The Sources of Soviet Conduct adaptado do famoso telegrama publicado na revista Foreign Affairs, mas que foi assinado simplesmente por um misterioso X, com o intuito de proteger a identidade de Kennan.
O contributo informativo de Kennan iria estar na origem daquilo que viria a ser a visão realista dos Estados Unidos em relação à União Soviética e que, em parte, se iria materializar na famosa doutrina de contenção durante um longo período da Guerra Fria.
O The Long Telegram é um bom exemplo da extrema importância que as informações recolhidas pelas missões diplomáticas podem ter nas relações políticas entre as nações.
Por outro lado, este autor lembra-se de uma outra história que revela precisamente o contrário. Quando a informação confidencial passa a ser instrumentalizada num autêntico jogo de espiões, com o mero objectivo de confundir os actores que percorrem os corredores do poder.
Na ressaca dos sangrentos atentados dos Jogos Olímpicos de Munique, em Setembro de 1972, com a morte de 11 atletas e treinadores israelitas, a primeira-ministra hebraica, Golda Meir, declarou guerra à organização Setembro Negro, ordenando os agentes secretos da Mossad a perseguir e assassinar os terroristas envolvidos. Diz-se que nesta operação de retaliação, a Mossad terá eliminado 12 operacionais do Setembro Negro.
Durante toda esta operação as secretas israelitas não olharam a meios para alcançarem os seus fins, e como forma de “sossegarem” os seus aliados, criando a ilusão de que os mantinham informados, a Mossad “começou a alimentar os serviços secretos europeus e a CIA com tanta informação que eles nem sabiam já o que fazer dela. […] Esta inundação do mercado com informações era capaz de não ser boa para ninguém, se bem que pelo menos ninguém pudesse dizer mais tarde que não fora informado”.
Ao contrário da primeira história, onde o “report” feito por Kennan teve um objectivo genuíno de “intelligence”, neste último caso, a informação veiculada pela Mossad através dos canais diplomáticos visava meramente criar uma cortina de fumo sobre as actividades das secretas israelitas.
Post publicado originalmente no Albergue Espanhol