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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O acto de votar

Alexandre Guerra, 23.10.18

 

Contrariando a tendência que se tem verificado nas televisões, jornais e redes sociais em Portugal, não me pronunciei até ao momento sobre as eleições presidenciais no Brasil. Não o fiz porque nada ou quase nada tinha para dizer sobre um processo democrático num país soberano, onde os seus cidadãos têm total liberdade para escolher quem querem para liderar os seus desígnios. Até que ponto um cidadão português como eu, sem familiares brasileiros, que nunca viveu naquele país e que só lá esteve uma vez há muitos anos, teria o direito de “julgar” aquilo que um brasileiro, num país livre e democrático, deve ou não deve fazer, naquele que é o acto que considero mais sagrado da vida em sociedade? Nem sequer tenho o direito de julgar o voto de um meu concidadão. Mesmo que não concorde ele, por uma questão de respeito democrático e cívico, devo tentar compreender o seu gesto, mas nunca estigmatizar.

 

É quase como condenar ou criticar publicamente um casamento, a relação de um crente com a sua Igreja, os princípios que norteiam a educação que uns pais dão a um filho, ou seja, “contratos” sociais basilares que sustentam a vida em sociedade e que resultam, única e exclusivamente, da vontade e convicções individuais. Para mim, a relação do cidadão com o voto é igualmente sagrada e merece todo o respeito. Seguramente, todos temos direito à opinião e a proferi-la quando achamos que é oportuno, mas essa é uma escolha de cada um. Tenho uma opinião consolidada sobre o processo eleitoral que se vive no Brasil, mas nunca teria a pretensão de me colocar no papel de um brasileiro à boca de urna e de advogar aquilo que seria melhor para o seu futuro.

 

A democracia num Estado soberano é a liberdade de cada cidadão escolher de forma livre os seus governantes. Mas, como escrevi há umas semanas no Público, por não ser um sistema perfeito, a democracia pode provocar dilemas, pode gerar consequências nefastas para um sistema de Governo e país. E quando assim é, têm de ser as sociedades a reagir, com os seus mecanismos de “checks and balances” e, em último recurso, com a força imparável da vontade popular.

 

Independentemente das “fake news”, de todo o ruído mediático, dos excessos da campanha, das perversidades das redes sociais, os brasileiros têm ao seu dispor toda a informação para exercer um voto livre e consciente. Um voto dotado de todas as condições para que cada eleitor possa exercer o seu direito cívico da forma que bem entende. Ao depositar o boletim na urna, a responsabilidade do voto é apenas sua e só sua.

 

Não me parece que a moralidade e ética de cada cidadão seja um bom argumento para justificar escolhas individuais em democracias livres. De certa maneira, quando alguém critica o voto de um eleitor, pressupõe-se uma certa condescendência e até arrogância moral de quem "julga". Em Portugal, nos últimos tempos, muitos analistas e comentadores (na verdade, activistas) não se têm coibido de fazer esse exercício, debaixo de um pseudo-manto de clarividência espiritual e intelectual que muitos advogam para si próprios. Lendo e ouvindo muitos destes “iluminados”, depreende-se que quem vota em Bolsonaro é imoral e quem vota em Haddad é virtuoso. Será mesmo assim?

 

Não me identifico com este tipo de visão. Identifico-me, sim, com o princípio democrático do voto livre e da consequente responsabilização desse mesmo acto. No “day after” não é apenas o Presidente eleito, seja ele qual for, que terá de prestar contas a “todos” os brasileiros, é também o eleitorado que terá que assumir as suas responsabilidades. Tudo pode correr bem, mas também tudo pode correr mal. E se o processo for doloroso, será o povo brasileiro que sofrerá as consequências das suas próprias escolhas, mas também lhe caberá a obrigação de encontrar as respostas para combater os males da sua sociedade.

 

O dilema da democracia

Alexandre Guerra, 30.09.18

 

Uns meses depois do fim da Guerra dos Balcãs (1991-95) e perante a maior barbárie na Europa desde a II Guerra Mundial, cometida entre “vizinhos” sob a égide de projectos políticos nacionalistas, o diplomata Richard Hoolbroke, que ajudou a forjar os Acordos de Dayton, deixava no ar uma questão que pertencia mais ao campo da filosofia política do que, propriamente, ao ramo da ciência política: “Suponha-se que as eleições são livres e justas e que aqueles que são eleitos são racistas, fascistas, separatistas. Esse é o dilema [da democracia].” No fundo, aquela pergunta era uma outra forma de consubstanciar o dilema clássico na discussão em torno das formas sãs e degeneradas de Governo e que pode conduzir a um exercício teórico útil para nos ajudar a compreender alguns fenómenos recentes de apetência para projectos mais populistas e nacionalistas.

 

No âmbito desse exercício, existem dois cenários, algo extremados, é certo, a ter em consideração. Por um lado, temos uma autocracia liderada por um “príncipe” virtuoso, onde a sua principal preocupação é o bem-estar da população, garantindo-lhe elevados índices de qualidade de vida e satisfação. No entanto, neste regime, onde o bom governante herda o poder do pai, não existem partidos políticos, a crítica é “silenciada” e os movimentos civis são frágeis ou inexistentes. Mas, veja-se o outro cenário, onde uma democracia consolidada, dentro de todas as regras constitucionais, elege um tirano. Esse mau governante vai exercer o poder em interesse próprio e dos seus “amigos”, dentro de um projecto pessoal alimentado com demagogia e populismo, deixando o seu povo à mercê da fortuna. No entanto, neste regime multipartidário, a crítica é livre, os partidos da oposição exercem a sua função, o associativismo é vigoroso e o direito de voto é universal.

 

As hipóteses apresentadas são limite, já que apresentam uma autocracia virtuosa (se é que isso existe) e uma democracia “degenerada”, mas nem por isso deixam de ser verificáveis em vários momentos da História (passada e presente). E, sobretudo, evidenciam diferentes ópticas daquilo que é o interesse colectivo do povo de cada Estado, interesse, esse, que varia, atendendo a vários factores históricos e culturais. Ou seja, diferentes povos, enquanto entidades colectivas, podem valorizar de forma diferenciada determinados valores e princípios. Se é certo que as democracias liberais assentam em pressupostos consolidados, também as autocracias existentes encontram raízes históricas bem vincadas e perfeitamente identificáveis, inviabilizando, muitas vezes, o seu caminho para uma democracia plena. Aliás, dissipada a euforia do “admirável mundo novo” que se vislumbrava com a queda do Muro do Berlim e a emergência do globalismo nas Relações Internacionais, Francis Fukuyama rapidamente foi confrontado com o erro do seu “fim da história [ideológica]”, sendo até algo ingénuo na forma como apresentou a sua tese. A verdade é que a tão anunciada vitória da democracia liberal acabou por não se concretizar ao nível global.

 

De qualquer forma, com a queda do sistema bipolar de Guerra Fria e com reorganização das relações internacionais, verificou-se uma evolução sã nos sistemas de Governo em vários países, nomeadamente europeus. Se é certo que alguns Estados, que outrora estiveram para lá da Cortina de Ferro, se consolidaram como democracias plenas, houve outros que mantiveram um estilo autocrático, como é o caso da Bioelorrússia. E depois houve ainda uns países que, não sendo democracias liberais, não podem ser considerados autocracias. São as chamadas democracias iliberais. Sistemas de Governo que contêm elementos democráticos, como as eleições, mas apresentam fragilidades sistémicas que as impedem de ser democracias constitucionais e liberais plenas.

 

Estas democracias iliberais são, normalmente, terreno fértil para a legitimação de projectos de poder nacionalistas e demagógicos através do voto. E é aqui que reside uma parte da perversidade destes regimes, onde os seus líderes se refugiam na legitimidade do voto, num sistema político em que a separação de poderes é praticamente inexistente, a oposição muitas vezes abafada e os críticos perseguidos. A imprensa é controlada e a sociedade civil é débil. Existe o voto, mas pouco mais em matéria de “checks and balances”, fundamentais para uma democracia plena.

 

No universo mais próximo da Velha Europa, a Rússia será talvez o melhor exemplo de uma democracia iliberal e que merece ser estudada com atenção. Relembro um excelente artigo publicado há uns anos na Foreign Affairs, assinado por Richard Pipes, conceituado especialista da história russa e antigo director do departamento de assuntos soviéticos da Europa de Leste no Conselho de Segurança Nacional em 1981-82. Pipes, que faleceu em Maio último com 94 anos, defendia a tese de que os russos apoiavam o estilo “antiliberdade e antidemocrático” de Putin, sublinhando na altura que apenas um em cada dez russos se interessava por “liberdades democráticas e direitos civis”. Na verdade, estes e outros conceitos, como propriedade privada e justiça pública, nunca fizeram parte da tradição russa. Por exemplo, apenas cerca de um quarto da população russa considerava que a propriedade privada era importante como direito humano.

 

É preciso notar que Pipes sustentava as suas afirmações em estudos levados a cabo pelo All-Russian Center for Study of Public Opinion e pelo Institute of Complex Social Studies da Academia de Ciências Russa. E para se ter uma ideia, de acordo com os dados obtidos, 78 por cento dos russos considerava que a “democracia era uma fachada para um governo controlado pelos ricos e grupos poderosos". Apenas 22 por cento expressava preferência pela democracia, contra os 53 por cento que se lhe opunham. Sobre os eventuais benefícios das eleições multipartidárias, 52 por cento dos russos considerava que estas eram prejudiciais, sendo apenas 15 por cento a percentagem de russos que as viam como positivas. Mais interessante, mas pouco surpreendente, era a escolha feita entre “liberdade” e “ordem”. Oitenta e oito por cento dos inquiridos na província de Voronezh manifestaram preferência pela “ordem”. Apenas 11 por cento afirmaram não estar dispostos a abdicar das suas liberdades de expressão e de imprensa em troca de estabilidade. Na verdade, um outro estudo, conduzido no Inverno de 2003-04, pela Romir Monitoring, sustentava que 76 por cento dos russos eram favoráveis à reposição da censura nos “media”.

 

Embora este artigo de Pipes tenha sido publicado em Maio-Junho de 2004, desde então, a sociedade russa não viveu profundas mudanças em matéria de percepção dos seus valores e princípios. Hoje em dia, não é preciso fazer uma pesquisa muito exaustiva para se perceber que as tendências de opinião da maioria do povo russo, naquilo que é uma admiração e crença na sua liderança autoritária, não se alteraram de forma significativa. Ainda há umas semanas, um estudo da Pew Research referia que mais de 70 por cento dos russos acreditavam em Vladimir Putin, quando este disse que Moscovo não tentou interferir nas presidenciais norte-americanas de 2016, apesar dos fortes indícios e provas em sentido contrário. Uma outra sondagem do Levada Center, em que o trabalho de campo foi realizado no passado mês de Maio, mostra que mais de 50 por cento dos russos querem que Putin prolongue a sua presidência para lá de 2024. O enquadramento histórico e a herança cultural de séculos ajuda a explicar esta predisposição do povo russo por lideranças autoritárias.

 

A Turquia, por exemplo, é um outro caso onde a maioria da população parece conviver bem com este tipo de lideranças musculadas que, consequentemente, “atropelam” direitos constitucionais e humanos, fundamentais para qualquer português. Mas se a Turquia não pode ser vista como uma democracia liberal, dificilmente poderá ser catalogada como uma autocracia. O seu sistema move-se no pantanoso terreno das democracias iliberais. O mesmo terreno onde os líderes sérvios continuam a alimentar um discurso nacionalista e populista em relação às atrocidades cometidas na Guerra dos Balcãs (1991-95). A Alta Representante para a Política Externa da União Europeia, Frederica Mogherini, já avisou Belgrado que, enquanto as autoridades sérvias não reconhecerem o genocídio de Srebrenica e assumirem as culpas provadas no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia (TPIJ), não serão iniciadas negociações de adesão com a União Europeia.

 

A questão é que a maior parte da população sérvia valida este tipo de discurso através das eleições. E é preciso notar que aquele país não se encontra propriamente num quadro de sub-desenvolvimento económico ou social. Pelo contrário, o seu PIB per capita está muito acima do periclitante intervalo dos 1500 a 3000 dólares que condenam qualquer possibilidade de uma democracia liberal se instalar num país (“The Future of Freedom”, Fareed Zakaria). Efectivamente, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, a Sérvia encontra-se num honroso 67º lugar, sendo considerada uma nação desenvolvida (Portugal está em 41º e a Turquia no 64º lugar). Isto permite-nos depreender que estes povos, nalguns casos jovens e com bons índices de escolaridade, detêm as ferramentas necessárias para poderem fazer as suas escolhas de forma livre e consciente. Ainda mais, se estivermos a falar de um país como a Hungria, membro de pleno direito da União Europeia e com índices de desenvolvimento muito próximos dos de Portugal (45º lugar no IDH). Sendo assim, como se explica que uma grande massa da população (não apenas uma minoria), aparentemente esclarecida, possa corroborar a linha populista, nacionalista e semi-democrática da sua liderança política? Esta questão poder-se-á aplicar igualmente aos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump.

 

Podemos compreender o surgimento de minorias radicais, com mais ou menos intensidade, em democracias consolidadas. Faz parte da natureza da própria democracia, dar lugar a todas as formas de expressão cívica e política, desde que dentro das regras constitucionais. Além disso, as democracias liberais, como a Suécia ou os EUA, têm os seus mecanismos de “checks and balances, que permitem que o sistema opere dentro do quadro constitucional. Isso já não é tão linear em democracias iliberais e é neste ponto que o caso da Hungria assume contornos mais preocupantes, porque, neste momento, será ousado afirmar que o seu sistema de Governo, na prática, seja uma democracia liberal plena (embora na teoria o seja, pelo facto de ser membro da União Europeia).

 

Mas, o que levará então uma significativa parte do eleitorado em países democráticos (liberais ou iliberais), com razoáveis índices de conforto e segurança, a eleger governantes que, à luz dos pressupostos ocidentais basilares de sociedade, são populistas, demagógicos e, muitas vezes, nacionalistas e até xenófobos? A resposta não é fácil, mas a eleição de Donald Trump veio suscitar um debate interessante sobre essa matéria, porque aconteceu num quadro perfeitamente democrático, constitucional e numa sociedade que se advoga como um farol dos valores da liberdade e dos direitos individuais.

 

E mesmo no campo das democracias iliberais, é preciso considerar o seguinte: pode-se partir do princípio que estes sistemas de Governo estão desprovidos de alguns mecanismos democráticos e que esse facto pode potenciar a instrumentalização das massas por parte dos seus líderes em prol dos seus projectos de poder na Rússia e na Turquia. Só que, mesmo com estas distorções sistémicas, a manifestação do voto popular nas democracias iliberais não deixa de ser legítima e constitucional.

 

Assim sendo, será legítimo a crítica e o desdém ao comportamento de todos estes eleitores? Não será isso um desrespeito aos cidadãos daqueles países que, livre e constitucionalmente, elegeram os seus líderes e sancionaram as suas políticas nos EUA, na Hungria, na Rússia, na Turquia ou na Sérvia? É perfeitamente compreensível que as realidades emergentes nesses sistemas políticos sejam incómodas para a maioria dos europeus, mas não se pode ignorar o princípio basilar democrático de respeito pelo voto.

 

É por essa razão que todos os eleitores norte-americanos que votaram em Trump, um líder populista e demagógico, devem ser respeitados, por mais que a sua decisão desagrade ao cidadão comum europeu. No entanto, uma das virtudes da eleição de Trump é que suscitou uma reflexão sobre a questão colocada por Hoolbroke, o tal dilema clássico da democracia.

 

Porque, o que se tem assistido até ao momento, é que quando surgem fenómenos populistas e nacionalistas nos clubes das democracias (liberais ou iliberais), a reacção é de reprimenda, com um tom paternalista, aliado à convicção de uma certa superioridade moral e política. Provavelmente, muitos já terão esquecido, mas é importante relembrar o “castigo” que foi imposto à Áustria, em 2000, quando o Partido da Liberdade, de extrema-direita, do falecido Joerg Haider, chegou legítima e democraticamente ao poder. Na altura, o pânico instalou-se no seio dos líderes europeus e a solução passou pelo isolamento político-diplomático de Viena. Sendo certo que o projecto de Haider feria princípios fundamentais das sociedades ocidentais, a verdade é que muitos eleitores austríacos depositaram nele o seu voto, dentro das regras democráticos e inserido no quadro comunitário, ou não fosse a Áustria membro de pleno direito da União Europeia.

 

A simples ideia de que a democracia só serve quando o resultado convém, é muito perversa e perigosa. Por mais que nos incomode e até nos choque a eleição de um Trump, o estilo musculado de um Orban, a adoração do povo por um Putin czarista ou a concentração de poder de um Erdogan, devemos respeitar o voto dos eleitores nestes homens e respectivos projectos de poder e tentar compreender as motivações dos cidadãos, antes de serem tomadas medidas recriminatórios e, muitas, vezes contraproducentes contra esses países e povos.

 

Artigo publicado este Domingo no PÚBLICO

 

O inimigo da literatura

Alexandre Guerra, 20.04.18

 

Mario Vargas Llosa escreveu há umas semanas, na coluna que assina regularmente no El País, um texto que, sem ser um rasgo de brilhantismo literário, é um statement arrojado e corajoso nos dias que correm, desafiando os cânones de um certo fanatismo moral e ético instalado no pensamento mainstream destas novas sociedades. Sociedade, essas, que parecem ser cada vez mais assépticas nos seus comportamentos sociais e, consequentemente, mais limitadas nas liberdades da criação intelectual e artística. É quase como se estivéssemos perante as tais “nuevas inquisiciones” de que Vargas Llosa fala. As novas “fogueiras”, metamorfoseadas em headlines e redes sociais, para “queimar” aqueles que, na sua arte e intelecto, desafiam o status quo ou o pensamento predominante que é passiva e acriticamente aceite pela maioria (o muitas vezes chamado "politicamente correcto"). Llosa foca-se naquilo que vê como uma autêntica castração da liberdade literária, na qual esta é descontaminada das imoralidades, dos vícios, dos machismos, das perversidades, no fundo, desprovida daquilo que torna os homens pequenos, mesquinhos, vis, é certo, mas igualmente humanos e não meros seres utópicos.

 

Para Vargas Llosa, o “feminismo”, enquanto movimento radical (não todas as “feministas”, como ele próprio refere), é uma fonte destruidora da literatura. Percebe-se a sua ideia, porque a literatura, aquela que vale a pena ler e conforta a alma, tem que ser vista como um refúgio para, através da pena do criador, serem descritas, sem constrangimentos e amarras, todas as aventuras e ideais protagonizados por todos os homens, sejam os bons ou os maus, os virtuosos ou os iníquos, os valentes ou os cobardes, os inteligentes ou os ignorantes, os santos ou os pecadores, os justos ou os injustos... os feministas ou os machistas. A literatura, como qualquer forma de arte, deve ter espaço para contemplar o belo e o horrível, o perfeito e o imperfeito, o harmonioso e o chocante, o aceitável e o inaceitável, o moral e o imoral...

 

O princípio sustentado por Vargas Llosa, de que uma literatura, uma cultura, realmente creativas, "de alto nivel, tiene que tolerar en el campo de las ideas y las formas, disidencias, disonancias y excesos de toda índole”, é um bastião que deve ser preservado com todas as nossas convicções e forças. Não apenas por ser uma condição natural para a criação artística e intelectual, mas, sobretudo, por ser um direito humano inalienável, o da diferença de opinião, o de podermos expressar numa folha, numa tela ou numa pauta o que nos vai na alma, por mais chocante que seja para o próximo. Os tempos estão perigosos no campo das ideias verdadeiramente livres, porque há quem, muitas vezes subtilmente, as queira asfixiar ou condicionar, os mesmos que fazem novos Índex, os mesmos que tendem para o revisionismo com a sua “verdade” e “moral” absolutas. Os mesmos que não hesitarão em “queimar” os livros que repudiam, em vez de aprenderem com eles.

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião

 

O político em 2015

Alexandre Guerra, 29.12.14

 

Como alguém constatou na antiguidade clássica, se os homens fossem anjos, então não seriam precisos políticos para os governar. Os séculos passaram e os políticos (além do Povo) continuam a ser os principais agentes dessa invenção ateniense, a Democracia. É verdade que o conceito do político tem mudado ao longo dos tempos, fruto das suas circunstâncias, mas há um traço que tem permanecido inalterado: a desconfiança do povo em relação aos seus governantes. Seja como for, com mais ou menos desconfiança e, por vezes, ódio à mistura, o político acabou por ser aceite como um "mal menor" no edifício da democracia, que, embora não sendo perfeito, seria, segundo Churchill, o menos mau entre todos os outros modelos propostos para governar os homens. 

 

As sociedades, entretanto, foram transformando-se e hoje há quem diga que se vivem tempos novos na história da democracia Ocidental. Talvez, pela primeira vez, tenha chegada a hora do  "anti-político", um sentimento nas opiniões públicas de que os seus governantes são irrelevantes na organização das sociedades do século XXI. Há, claramente, um défice do político (não necessariamente da política) que é preciso contrariar.

 

Há uns dias, foi aqui escrito que uma geração mais nova de políticos começava a despontar na Europa e que teria agora oportunidade de mostrar aquilo que valia. Sobretudo, estes políticos mais jovens encontram-se perante o desafio de alterar a dinâmica na relação entre si e o cidadão. Terão que provar, novamente, que o seu papel é útil na governação dos povos e reconquistar, pelo menos, o respeito dos cidadãos. Este será, talvez, o principal desafio que estes novos políticos terão em 2015.  

 

Democracia à angolana

Alexandre Guerra, 09.07.12

 

 

Não estando em condições de garantir a autenticidade deste documento da repartição de Educação da Administração Municipal de Cambambe (mas tudo indica que é verdadeiro), o Diplomata não podia deixar de partilhá-lo com os seus leitores, pois é um excelente contributo para se aprofundar o conhecimento da dita "democracia" angolana.