Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Um "puzzle" difícil de montar

Alexandre Guerra, 14.10.14

 

O leitor repare no seguinte "puzzle" geoestratégico: por um lado, os rebeldes curdos sírios apelam ao Governo de Ancara para apoiá-los militarmente na defesa da cidade de Kobani (cidade síria contígua à fronteira sudoeste turca) contra os militantes do Estado Islâmico (ISIS), algo que a Turquia até estaria disposta a fazer, caso os Estados Unidos decidissem por uma intervenção terrestre; por outro lado, ontem, caças F-16 e F-4 turcos bombardearam posições dos guerrilheiros curdos do PKK na província de Hakkari, junto à fronteira do Iraque.

 

Contradições próprias da guerra? Talvez, mas de certa forma compreensíveis à luz daquilo que é a "grande zona cinzenta" das Relações Internacionais. É importante não esquecer que, desde há cerca de três décadas, o Estado turco trava um combate interno com o movimento curdo do PKK, que luta pela independência do Curdistão, na região sudeste da Turquia. Teoricamente, aquilo que poderia ser o "grande" Curdistão incluiria zonas do norte do Iraque e da Síria, onde existem grandes comunidades curdas e que, neste momento, são o principal pilar de resistência aos combatentes do Estado Islâmico naquelas áreas.

 

Sendo o ISIS uma ameaça para todos, sem excepção, começaram a desenvolver-se algumas alianças tácitas, mais ou menos camufladas, mais ou menos improváveis, tais como a de soldados e mercenários americanos a combatentes iranianos na Síria. Outra dessas alianças, seria entre o Governo turco e os rebeldes curdos da Síria, no entanto, Ancara rejeita, para já, qualquer intervenção em Kobani. Uma rejeição que estará a deixar os curdos do PKK revoltados com as autoridades turcas, ao ponto destas terem respondido com os bombardeamentos acima referidos.

 

Neste momento, a questão é saber até quando conseguirá a Turquia manter-se militarmente fora deste conflito, sendo que o mesmo está a decorrer literalmente às suas portas. Além de exigir uma operação militar terrestre, Ancara já fez saber que só intervirá se os EUA definirem também como alvo o regime sírio de Bashar al-Assad. 

 

Ora, para já, Washington parece menos interessada em fazer cair Bashar al-Assad, uma vez que os soldados governamentais sírios são fundamentais no combate aos guerrilheiros do Estado Islâmico dentro da Síria, onde reside o seu principal foco de actividade. 

 

Perante estas variáveis todas e condicionantes, não é de estranhar que o Estado Islâmico tenha conseguido conquistar uma importante área daquela região do Médio Oriente em relativamente pouco tempo e que agora esteja a ser muito complicado expelir aquela estrutura de extensas zonas da Síria e do Iraque.

 

PKK poderá ter encontrado uma nova fonte de recrutamento

Alexandre Guerra, 22.09.14

  

Soldado turco vigia refugiados sírios na fronteira entre os dois países/Foto: AP

 

A situação que se vive na fronteira da Turquia com a Síria é neste momento um dos pontos mais dramáticos do mundo. Só nos últimos dias, terão passado por ali 130 mil refugiados vindos da Síria, muitos deles curdos, para procurar refúgio em solo turco. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), liderado por António Guterres, já alertou para o drama da situação.

 

A Turquia (leia-se o Estado central), que há pelo menos três décadas tem uma relação conflituosa interna com o PKK e que já provocou 40 mil mortos, enfrenta agora uma migração massiva de curdos para o seu território, que a médio prazo poderá tornar-se uma verdadeira dor de cabeça para as autoridades em Ancara.

 

Nos últimos anos, Ancara tem conseguido estabilizar internamente a "questão curda" e a intensidade do conflito tem vindo a diminuir. No entanto, é bem possível que, destes milhares de curdos que agora chegam à Turquia, o PKK encontre uma "fonte" de novos recrutas, inflamados por uma ideologia mais radical, podendo reacender a causa curda no seio do Estado turco.