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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Desta vez, os líderes europeus tiveram alguma sorte

Alexandre Guerra, 10.04.14

 

No meio de toda esta crise entre a Ucrânia e a Rússia, os líderes europeus têm pelo menos uma razão para respirar de alívio: o início da Primavera. Com a chegada do bom tempo e a menor necessidade dos europeus recorrerem ao consumo de gás natural para aquecimento, o Kremlin vê enfraquecer uma das suas principais "armas" de pressão político-diplomática.

 

O presidente Vladimir Putin já veio avisar a Europa, através de uma carta enviada os seus líderes, que poderão haver cortes no fornecimento de gás natural, tendo em conta os atrasos de pagamentos da Ucrânia à fornecedora Gazprom.

 

São avisos (leia-se ameaças) que a Europa deve levar a sério, é certo, até porque no passado já houve crises energéticas, precisamente, por causa do corte do abastecimento de gás natural por parte da Rússia. No entanto, o efeito pretendido por Putin não terá os mesmos resultados se esta situação estivesse a acontecer em pleno pico do Inverno, como foi o caso das crise anteriores.

 

Desta vez, e apesar de todos os erros que a Europa tem cometido neste processo, os líderes europeus tiveram alguma sorte com os timings desta crise. Para já, têm alguns meses de menor dependência energética da Rússia, os quais poderão aproveitar para resolver ou, pelo menos, estabilizar a situação dos pagamentos entre a Ucrânia e a Gazprom.

 

A escalada da Guerra da Crimeia de 1853-56 e as semelhanças com a crise actual

Alexandre Guerra, 04.03.14

 

Tropas aliadas no Planalto de Sebastopol entre 1855 e 56/Foto: Fenton Roger (1819-1869)

 

O Ocidente e os seus líderes sempre tiveram alguma dificuldade em ler e compreender o espírito russo e as acções dos seus governantes. É uma evidência histórica que tem conduzido a momentos de tensão e, por vezes, de confrontação. Talvez essa dificuldade surja do facto do modelo de análise utilizado não ser o mais correcto para se poder enquadrar ou antecipar comportamentos e decisões de líderes russos. 

 

Na verdade, qualquer olhar sobre a Rússia deve ser feito com uma perspectiva histórica que remonte, pelo menos, ao século XIX. De certa maneira, foi com base nesse modelo que Henry Kissinger fez a sua leitura realista das relações internacionais durante a Guerra Fria. A sua obra "Diplomacia" reflecte precisamente isso, ou seja, compreender as atitudes do império soviético do século XX à luz de um paradigma de actuação da Rússia do século XIX.

 

É verdade que a actual crise na Ucrânia, mais concretamente na Crimeia, irrompeu sem que ninguém a tivesse visto chegar, no entanto, não pode ter surpreendido todos aqueles que têm um conhecimento mínimo da história imperialista russa desde o século XIX e, sobretudo, da alma do seu povo.

 

 

Vejam-se os acontecimentos que levaram à Guerra da Crimeia de 1853-56. O pretexto teve a ver com a distribuição dos lugares santos entre as comunidades católica e ortodoxa do Império Otomano, mas a questão principal era o antagonismo entre as potências ocidentais e a Rússia quanto às zonas de influência a Oriente da Europa. Perante um Império Otomano que o Czar Nicolau I considerava moribundo, a Rússia queria assegurar protectorados sobre os povos cristãos ortodoxos que ainda estavam sob a governação do Sultão. 

 

E para isso, Moscovo procedeu a uma estratégia de pressão e de intromissão forçada nos assuntos religiosos ortodoxos no Império Otomano. A tal ponto que o Sultão, aconselhado pelas potências ocidentais, rejeitou a concessão a Moscovo das competências da Igreja Ortodoxa, porque isto na prática significava que a Rússia ficaria com o controlo dos privilégios espirituais e administrativos de toda a comunidade ortodoxa da Sublime Porta. 

 

Perante isto, o Czar fez um ultimatum a Constantinopla que acabou por escalar a situação, com as potências ocidentais a deslocarem as suas esquadras para o Mar da Mármara. Daí até à declaração de guerra por parte do Sultão à Rússia foi um instante. Um gesto seguido pelas potências ocidentais. Estas, defendiam a integridade do Império Otomano. A Rússia, por seu lado, queria impor os seus protectorados.

 

No palco do conflito, a frota russa do Mar Negro destruía a esquadra Otomona ao largo de Sinope o que levou à movimentação dos navios de guerra europeus para aquele mar. De forma muito resumida, as potências europeias acabaram por cercar Sebastopol (Crimeia), conseguindo a sua "queda" em Setembro de 1855. A 16 de Janeiro de 1856 a Rússia era obrigada a aceitar a paz e a 30 de Março era assinado o Tratado de Paris. 

 

Não se pretende agora analisar as consequências daquele tratado nos destinos da Europa, mas, sim, todo o processo que conduziu ao conflito, já que encontra muitos paralelismos com a situação que se vive nos dias de hoje. Tais como:

 

- Perfil imperialista da Rússia 

- Projecção da influência russa para regiões com povos eslavos e cristãos ortodoxos.

- A exploração de motivos menores para criar um pretexto de intervenção militar ou, até mesmo, um "casus belli".

- Bipolarização do conflito entre a Rússia e potências ocidentais.

- O palco do conflito é normalmente para lá do "espaço vital" dos beligerantes. 

 

Oxfam alerta para o aumento das desigualdades na Europa

Alexandre Guerra, 12.09.13

 

Muito a propósito do texto que o Diplomata aqui ontem escreveu, a Oxfam divulgou esta Quinta-feira um relatório em que alerta para o aumento das desigualdades em alguns países europeus, provocado pelas medidas de austeridade em curso. Portugal, Grécia, Irlanda, Itália e o Reino Unido podem rapidamente ser os países mais desiguais da Europa, caso as políticas não sejam alteradas.

 

O relatório "A Cautionary Tale: The true cost of austerity and inequality in Europe" refere ainda que as actuais políticas de austeridade podem colocar em risco de pobreza mais 15 a 25 milhões de cidadãos europeus em 2025. Segundo este estudo, só os 10 por cento dos europeus mais ricos estão a beneficiar com as medidas de austeridade. 

 

Tão simples...

Alexandre Guerra, 01.08.12

 

Na última edição da revista Fortune lê-se, num artigo assinado por Pankaj Ghemawat (um dos gurus da “moda” na área da estratégia empresarial) e por Stijn Vanormelingen, que a “produtividade laboral espanhola (produção real por trabalhador) aumentou apenas 15 por cento entre 1990 e 2010”.

 

Dirá o leitor: “Nem é um número propriamente mau”. Talvez não seja se não continuar a ler o resto do texto.

 

Veja-se então o seguinte: No mesmo período de vinte anos, nos países do Norte da Europa essa mesma produtividade por trabalhador aumentou 25 por cento. Mas há mais. “Ao mesmo tempo, os custos espanhóis por trabalhador aumentaram 120 por cento.” No Norte da Europa, o aumento ficou-se pelos 60 por cento.

 

Perante estes indicadores, Pankaj Ghemawat e Stijn Vanormelingen concluem que “os custos laborais por unidade produzida em Espanha aumentaram três vezes mais rápido do que no Norte da Europa”.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Como estão errados aqueles que pensam que vivem tempos extraordinariamente singulares

Alexandre Guerra, 27.06.12

 

 

"There's something wrong with the world today." Uma frase que, certamente, qualquer contemporâneo, na crença de que vive tempos extraordinariamente maus, não se coibirá de dizer. Efectivamente, essa presunção de cada homem (nomeadamente os mais iluminados) sobre a singularidade dos seus tempos é um traço comum ao longo da História. Veja-se, por exemplo, todos aqueles que anunciaram o seu tempo como o “Fim da História” (Francis Fukuyama foi apenas o último de uma longa lista que, eventualmente, terá começado com Políbio).  

 

Também as chamadas “massas”, ou se o leitor preferir, o “povo”, identificam o seu tempo como o pior de todos os “tempos”. Fale-se com um velho que rapidamente lhe dirá que “no meu tempo é que eram elas”. Já um jovem dirá que as verdadeiras dificuldades são as de “hoje”, porque os pais e os avós conseguiram empregos para toda a vida.

 

O tempo contemporâneo de cada um é sempre o pior. E todos, seja em que tempo for e em que sociedade for, facilmente esquecem a perspectiva histórica. Tal como Cristo, sofrem nos dias de hoje como se caminhassem na Via Sacra para o Calvário.

 

E nos tempos que correm, seja neste burgo atlântico ou por essa Europa fora, o fim do mundo está aí, ao virar da esquina, acham muitos. Parece que por causa do uma crise da divida soberana, dizem. Enfim, parece que estes pensadores acreditam mesmo que estes são tempos extraordinariamente singulares da História.

 

Neste capítulo, Eric Hobsbawm teve a subtileza intelectual de falar em “tempos interessantes”. Mas, como serão muito poucos aqueles que estão dotados dessa clarividência, os contemporâneos insistirão na tragédia do seu tempo. Esquecem-se, no entanto, que outros já tiveram a mesma ideia.

 

Na verdade, aquela é uma ideia recorrente, ou seja, é uma espécie de psicose colectiva em que há sempre "algo de errado no mundo" no tempo em que se vive.

 

Há sensivelmente vinte anos, mais concretamente em 1993, os Aerosmith lançavam o seu extraordinário Get a Grip, tendo como principal single a música Livin’ on the Edge. Um dos temas mais socialmente interventivos daquela banda e que surge na ressaca dos motins de Los Angeles, resultantes da absolvição dos quatro polícias que espancaram Rodney King, encontrado morto há dias.

 

Livin’ on the Edge começa precisamente com a frase "There's something wrong with the world today". Um “statement” sobre a deterioração da sociedade da altura, bem retratado na letra e reforçado no cinematográfico vídeoclip, no qual são abordados vários temas sociais, tais como vandalismo, comportamentos sexuais de risco entre jovens, desenquadramento social dos jovens, violências nas escolas, incompreensão por parte das gerações mais velhas em aceitar nova tendências urbanas, racismo, entre outros.

 

Perante isto, há uma ideia simples a reter: Se o leitor recuar outros 20 anos vai encontrar precisamente o registo de uma sociedade que achava que havia “algo de errado no mundo”. E voltará a encontrar a mesma convicção colectiva se recuar outros 20 anos e assim sucessivamente.

 

Hoje em dia, muitas receitas têm sido prescritas pelos sábios para resolver esta crise que assola o Velho Continente, a pior de sempre no projecto europeu, dizem. Mas, o melhor mesmo é que os iluminados desta e doutras praças europeias deixem de ter a presunção que vivem tempos extraordinários e se façam à vida, como se costuma dizer num português popular.

 

*Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Jovens "born to run"

Alexandre Guerra, 01.03.12

 

 

O drama do desemprego elevado e crónico não é uma realidade nova para quase todo o mundo. A excepção tem sido o Ocidente que, tirando episódios sombrios da história laboral, tem tido, sobretudo a partir da II GM, uma vivência próspera. Mas, os sinais da "doença" já se vinham manifestando há algum tempo nestas mesmas sociedades desenvolvidas.

 

Nos Estados Unidos, por exemplo, a outrora fogosa indústria automóvel começou a definhar no final dos anos 70, por causa, entre várias razões, da feroz concorrência nipónica e sul coreana. Cidades como Detroit tornaram-se no retrato de uma América a entrar em decadência ou, pelo menos, a transformar-se na sua base produtiva.

 

A crise financeira e económica espoletada em 2008 veio apenas acelerar uma tendência, condenando ao desemprego milhões de pessoas em vários países ocidentais, muitas dos quais jovens, que nem sequer conseguem chegar ao mercado de trabalho.

 

Sem esperança no futuro e sem o reconhecimento (numa óptica hegeliana) proveniente do trabalho, estes jovens andam à deriva, conscientes de que estão condenados a serem párias numa socidade que não tem capacidade para os acolher.

 

Já nos anos 70 estes jovens começavam a vaguear nos Estados Unidos, sem lugar numa indústria tradicional que já não absorvia aquela mão de obra.

 

A música Born to Run de Bruce Springsteen, mítico álbum homónimo de 1975, retratava, de certo modo, o desespero de uma juventude, errante e assustada, ciente de que a sociedade não a ia abraçar.

 

"In the day we sweat it out in the streets of a runaway American dream
At night we ride through mansions of glory in suicide machines
Sprung from cages out on highway 9,
Chrome wheeled, fuel injected
and steppin' out over the line
Baby this town rips the bones from your back
It's a death trap, it's a suicide rap
We gotta get out while we're young
'Cause tramps like us, baby we were born to run."

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.