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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Desta vez o Kremlin é obrigado a admitir que ainda tem um conflito por resolver

Alexandre Guerra, 24.01.11

    

The following video was taken by an unidentified eyewitness. (Warning: it contains disturbing content.)

 

Em finais de Novembro de 2009, na ressaca do atentado do dia 27 desse mês ao Expresso Nevsky, que seguia na linha de ligação entre Moscovo a São Petersburgo, e que provocou 28 mortos e sensivelmente 100 feridos, o autor destas linhas recorda-se de ter citado Alexei Malashenko, um especialista em assuntos do Cáucaso do Norte do Carnegie Centre, que ao The Guardian tinha dito que o atentado teria sido provocado por rebeldes chechenos, que "querem a vingança" e criar um "espaço islâmico".

 

Apesar desta realidade, na altura do atentado ao Expresso Nevsky foi notório que Moscovo teve alguma relutância em atribuir responsabilidades aos rebeldes chechenos, adoptando, pelo contrário, uma posição bastante prudente.

 

Uma posição interessante e de certa forma inédita se se atender que aquele não tinha sido o "modus operandi" de Moscovo neste tipo de situações nos últimos anos. Perante ataques similares, o Kremlin nunca hesitou, desde o primeiro momento, em responsabilizar separatistas islâmicos do Cáucaso do Norte, independentemente das provas conseguidas ou dos factos apurados

 

No entanto, é importante relembrar que a Rússia tinha sofrido o seu último atentado a 31 de Agosto de 2007, na cidade de Togliatti que fez oito mortos e 50 feridos. Um outro a 21 de Agosto de 2006, no qual morreram 10 pessoas num mercado nos arredores de Moscovo. Depois é preciso recuar aos primeiros dias de Setembro de 2004 para os dramáticos acontecimentos na escola de Beslan, que acabou num banho de sangue, morrendo 331 reféns, metade dos quais crianças.

 

A verdade é que depois da tragédia de Beslan, Moscovo foi alimentando a ideia de que tinha a situação controlada no Cáucaso do Norte, e apesar dos atentados de 2006 e 2007, o Kremlin quase que assumiu uma espécie de vitória sobre os insurgentes islâmicos das repúblicas daquela região.

 

É por isso muito provável que perante o atentado ao Expresso Nevsky, Moscovo não tivesse querido reconhecer publicamente a responsabilidade dos rebeldes chechenos neste atentado, porque tal acto poderia ser percepcionado como uma admissão do reavivamento de um conflito, que se iniciou nos anos 90 e que o Kremlin há algum tempo teria dado como extinto a seu favor.

 

Porém, Alexei Malashenko relembrava que durante 2007 e 2008 a conjuntura no Cáucaso do Norte deteriora-se consideravelmente, levando mesmo a que nalgumas regiões se estivesse perante um estado de guerra civil iminente.

 

Já em Agosto de 2009, o New York Times publicara uma excelente reportagem na qual se podia constatar o reacendimento da violência nas repúblicas do Daguestão, da Inguchétia e da Chechénia. Nos últimos meses desse ano assistira-se também ao ressurgimento de vários ataques e atentados em território russo perpetrados por rebeldes provenientes de Kabardino-Balkaria.

 

A verdade é que depois dos acontecimentos de 27 de Novembro de 2009, a Rússia viria a sofrer um outro atentado a 29 de Março de 2010 no metro de Moscovo, provocando 40 mortos e ferindo 75. Terminava assim uma década marcada pela violência terrorista em território russo, precedida pelos não menos sangrentos anos 90.

 

Hoje, a Rússia voltou a ser alvo de um atentado terrorista, desta vez no aeroporto internacional de Moscovo, Domodevo, que matou pelo menos 35 pessoas e feriu 100. O atentado terá sido provocado por um terrorista suicida ligado os movimentos terroristas do Cáucaso do Norte.

 

Perante isto, o Presidente Dimitri Medvedev já veio admitir que a pobreza, a corrupção e o conflito no Cáucaso do Norte são o principal problema interno da Rússia.

 

Este atentado, e tendo em conta o seu impacto psicológico, já que os terroristas conseguiram infligir um ataque numa estrutura tão importante como um aeroporto, veio demonstrar que os líderes do Kremlin não têm conseguido encontrar uma solução definitiva para a violência emanada do Cáucaso do Norte. Concomitantemente, os rebeldes islâmicos têm tentado demonstrar que os responsáveis russos não conseguem garantir a segurança dos seus cidadãos.

 

Como resposta imediata a este atentado, a Rússia está em alerta máximo, no entanto, a grande dúvida é saber que medidas serão tomadas pelo Kremlin em relação à conjuntura do Cáucaso, não sendo de descartar operações militares naquelas repúblicas.

 

*Texto publicado originalmente no Albergue Espanhol

 

A relutância de Moscovo em responsabilizar os rebeldes do Cáucaso pelo atentado

Alexandre Guerra, 30.11.09

 

 

Kirill Kudryavtsev/AFP/Getty Images

 

As autoridades russas revelam que estão a investigar várias pistas que possam identificar de forma peremptória o autor ou os autores do atentado ao Expresso Nevsky, na Sexta-feira, que seguia na linha de ligação entre Moscovo a São Petersburgo, e que provocou 25 mortos e sensivelmente 100 feridos.

 

Até ao momento, Moscovo tem estado com alguma relutância em atribuir responsabilidades aos rebeldes chechenos, adoptando, pelo contrário, uma posição bastante prudente,  tendo o ministro do Interior russo, Rashid Nurgaliev, feito questão de informar os jornalistas de que estão a ser analisadas várias informações. 

 

Uma posição interesssante e de certa forma inédita se se atender que este não tem sido o "modus operandi" de Moscovo neste tipo de situações nos últimos anos. Perante ataques similares,o Kremlin nunca hesitou, desde o primeiro momento, em responsabilizar separatistas islâmicos do Cáucaso do Norte, independentemente das provas conseguidas ou dos factos apurados.

 

Desta vez, até o FSB, que entretanto encontrou vestígios de um engenho explosivo entre os destroços, recusa-se a alimentar as suspeições lançadas pela imprensa de que seriam rebeldes chechenos os responsáveis por este atentado.

 

Por outro lado, a informação avançada por uma cadeia de televisão russa conduz directamente a um antigo soldado e operacional do defundo líder rebelde checheno, Shamil Basayev. O seu nome é Pavel Kosolapov e, segundo o ministério público russo, já terá sido acusado em 2007 por um ataque em circunstâncias semelhantes ao mesmo Expresso Nevsky. 

 

Ora, ao contrário de situações anteriores, desta vez Moscovo até parece ter indícios suficientes para ser um pouco mais ousado nas suas declarações públicas. Ao invés, está remetido a um estranho tom de precaução.

 

Para Alexei Malashenko, um especialista em assuntos do Cáucaso do Norte do Carnegie Centre, citado pelo The Guardian, o atentado terá sido provocado por rebeldes chechenos, que "querem a vingança" e criar um "espaço islâmico". Malashenko relembra ainda que nos últimos dois anos a conjuntura no Cáucaso do Norte deteriorou-se consideravelmente, levando mesmo a que nalgumas regiões se esteja perante um estado de guerra civil iminente.

 

A este propósito, em Agosto último, o Diplomata recomendava a leitura de um artigo do New York Times, no qual se podia constatar o reacendimento da violência nas repúblicas do Daguestão, da Inguchétia e da Chechénia.

 

Nos últimos meses, os rebeldes islâmicos daquelas repúblicas e também de Kabardino-Balkaria têm perpetrado vários ataques e atentados suícidas no território russo.  

 

Apesar destas evidências, desta vez as autoridades russas não parecem estar com pressa para estabelecer uma relação directa entre o atentado do Expresso Nevsky e os movimentos rebeldes do Cáucaso do Norte.

 

É muito provável que Moscovo não queira reconhecer publicamente a responsabilidade dos rebeldes chechenos neste atentado, porque tal acto poderia ser percepcionado como uma admissão do reavivamento de um conflito, que se iniciou nos anos 90 e que o Kremlin há algum tempo teria dado como extinto a seu favor.   

 

Há 10 anos ascendia ao poder um desconhecido chamado Vladimir Putin

Alexandre Guerra, 09.08.09

 

 

Quando a 9 de Agosto de 1999 o então já falecido Presidente Boris Yeltsin demitia o seu Governo e apresentava ao mundo uma nova figura na vida política russa, poucos eram aqueles que conheciam Vladimir Putin.

 

Aos 46 anos, Putin, ligado ao círculo de São Petersburgo, e antigo oficial do KGB (serviços secretos), assumia a chefia do novo Executivo, com a motivação manifestada por Yeltsin de que gostaria de vê-lo como seu sucessor nas eleições presidenciais de 2000.

 

Segundo alguns registos, Putin nunca terá tido a intenção de seguir uma carreira política, no entanto, teve sempre um alto sentido de servidão ao Estado. Na altura terá confessado que jamais tinha pensado no Kremlin, mas outros valores se erguiam: “We are military men, and we will implement the decision that has been made”, disse Putin.

 

Muitos viram na decisão de Yeltsin  o corolário de uma carreira recheada de erros e que conduziu o país a um estado de sítio. A ascensão de Putin era vista como mais um erro.

 

Citado pelo The Moscow Times, Boris Nemtsov, na altura um dos líderes do bloco dos "jovens reformistas" na Duma, disse que Putin causou uma fraca impressão na primeira intervenção naquela câmara. "Não era carismático. Era fraco."

 

Também ao mesmo jornal, Nikolai Petrov, do Carnegie Moscow Center, relembra que Putin deixou uma "patética imagem", sendo um desconhecido dos grandes círculos políticos, e que demonstrava ter pouco à vontade com aparições públicas, chegando mesmo a ter alguns comportamentos provincianos. 

 

Apesar disso, a Duma acabaria por aprovar a sua nomeação para a liderança do Governo, embora por uma margem mínima. É preciso não esquecer que Putin reunia apoio nalguns sectores, nomeadamente naqueles ligados aos serviços de segurança, que o viam como um homem inteligente e com grandes qualidades pessoais.

 

E, efectivamente, após ter assumido os desígnios do Governo, Putin começou de imediato a colmatar algumas das suas falhas, nomeadamente ao nível de comunicação, e a desenvolver capacidades que se viriam a revelar fundamentais na sua vida política.  

 

É o próprio Nemtsov que reconhece o facto de Putin se ter tornado mais agressivo e carismático, dando às pessoas a imagem do governante que os russos prezam.

 

Características que se encaixaram na perfeição nas explosões que ocorreram em blocos de apartamentos de três cidades russas, incluindo Moscovo, em Setembro de 1999, vitimando sensivelmente 300 pessoas, colocando o tema da segurança no topo da agenda da vida política russa. Em Outubro, como resposta, Putin dava ordem para o envio de tropas para a Chechénia.

 

Nas eleições presidenciais de 2000, Putin obteve 53 por cento dos votos, contrastando com os 71 por cento conquistados quatro anos mais tarde.

 

Hoje, dez anos volvidos após a sua nomeação para primeiro-ministro, Putin ocupa novamente este cargo, e agora, tal como então, é muito provável que o Kremlin venha a estar novamente na sua rota política.    

 

Um ano depois, Moscovo e Tbilissi clamam vitória numa guerra sem vencedores

Alexandre Guerra, 08.08.09

 

Soldados georgianos passam junto a um edifício em Gori, em Agosto de 2008/Reuters 

 

Em cinco dias apenas, a Rússia e a Geórgia travaram uma guerra na Ossétia do Sul há precisamente um ano. Mais do que um acontecimento militar, acabou por ser sobretudo um fenómeno político de proporções dramáticas para milhares de pessoas que foram obrigadas a deslocarem-se das suas regiões, perante a ameaça de uma escalada bélica que, em última instância, poderia assumir contornos semelhantes aos da Chechénia. 

 

O número de mortos é ainda hoje pouco claro. Quanto aos deslocados, a Amnistia Internacional divulgou esta Sexta-feira um relatório que fala em 30 mil pessoas que ainda não regressaram às suas casas.

 

O Presidente georgiano Mikhail Saakashvili voltou a reafirmar, durante as cerimónias do 1º aniversário da "guerra" do Cáucaso, que o seu Governo limitou-se a responder a uma invasão secreta da Rússia. Por outro lado, o chefe de Estado russo Dimitry Medvedev justificou a sua decisão com a necessidade de restaurar a paz na região do Cáucaso e assim salvar centenas de vidas.

 

Seja como for, a verdade é que um ano depois ainda não existe uma versão sólida quanto às origens do conflito. A história oficial é a de que o conflito terá começado no dia 7 de Agosto de 2008, após os soldados georgianos terem tentado reassumir controlo do território da Ossétia do Sul, historicamente uma espécie de "backyard" de Moscovo.

 

Perante este cenário, a Rússia reagiu de imediato avançando com forças militares, chegando mesmo a entrar em território da Geórgia. No meio disto tudo, houve muita propaganda e contra-informação, onde nem sequer faltaram as agências de "public relations".  

 

A Geórgia diz que tentou controlar a Ossétia do Sul depois de ter tido a informação de que a Rússia já teria entrado naquele enclave, com uma coluna militar através do túnel de Roki, que liga a Ossétia do Norte ao Sul. Moscovo desmente esta versão, dizendo que se limitou a proteger os cidadãos russos na Ossétia do Sul, perante os ataques das forças georgianas.

 

O que parece ser certo, a julgar pelo relato de diversas fontes, é que foram cometidos crimes de guerra por ambas as partes. 

 

De acordo com o relatório da Amnistia Internacional, estas jogadas geo-estratégicas provocaram no total 200  mil deslocados, havendo ainda 30 mil que não regressaram. Além disso, vários milhares de pessoas ficaram sem casa e a viver em condições miseráveis.

 

Uma coisa é certa, a presença russa é agora ainda mais evidente na Ossétia do Sul, assim como no outro enclave da Geórgia, a Abecásia. Além disso, Moscovo vincou a posição independentista face àqueles dois territórios, colocando um forte contingente militar nas zonas fronteiriças com a Geórgia.

 

Como se não bastasse, o The Moscow Times escrevia que as hipóteses da Geórgia aderir à NATO estavam agora reduzidas quase a zero. "Most observers agree that Georgia’s chances for joining the alliance are now virtually nonexistent, and in private, many NATO governments blame Saakashvili for adventurism last August."

 

Mas, também como aquele jornal referia, nem tudo foi mau para Tbilissi. Na guerra da opinião pública, a Geórgia parece ter sido uma clara vencedora, obrigando a Rússia a revelar o seu lado mais agressivo, e talvez, por isso, Saakashvili tenha colhido a simpatia da União Europeia e dos Estados Unidos. 

 

Uma ideia bem evidente num artigo de opinião desta Sexta-feira no Washington Post de Howard L. Berman, congressista democrata e presidente do Comité dos Negócios Estrangeiros. 

 

Apesar do acordo de seis pontos alcançado a 12 de Agosto de 2008 e da presença da União Europeia na região, vários observadores no terreno alertam para a fragilidade da situação e para o perigo iminente de ser espoletado um conflito de grandes dimensões entre a Geórgia e a Rússia.