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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Algo vai mesmo mal quando Portugal recebe lições de justiça do Afeganistão

Alexandre Guerra, 05.03.13

 

Kabul Bank em Cabul/Foto:Shah Marai/AFP/Getty

 

Por incrível que pareça, o Afeganistão deu esta Terça-feira uma lição de justiça a Portugal, ao condenar dois antigos responsáveis do Kabul Bank a cinco anos de cadeia, depois de terem sido acusados de uma fraude gigantesca naquela instituição, descoberta em finais de 2010. Os dois arguidos foram ainda condenados a multas pecuniárias. Um a quatro anos de prisão é o destino de outros 21 funcionários do banco. 

 

À semelhança do que aconteceu com outras instituições financeiras em vários países, nomeadamente em Portugal, com o escandaloso BPN, também o Kabul Bank foi alvo de uma massiva fraude, assente em empréstimos sem qualquer tipo de cobertura (bad loans), no valor de 900 milhões de dólares, canalizados sobretudo para a elite política e algumas empresas “amigas”. Um tema já abordado por este autor em Abril de 2011.

 

Mas ao contrário do que tem acontecido em Portugal, com o vergonhoso processo judicial BPN (e já agora o BPP), a justiça no Afeganistão foi célere, tendo criado um tribunal especial para este caso em Junho de 2012. Menos de um ano depois foram conhecidas as sentenças, com várias pessoas envolvidas a serem condenadas para a cadeia (uma pena que, a julgar pelos vários casos de “colarinho branco” que se vão observando em Portugal, não parece estar contemplada no Código de Processo Penal).

 

A ironia desta história é o facto de muitos observadores considerarem estas penas muito leves, quando comparadas, por exemplo, com o processo de Bernie Madoff, condenado a 150 anos e a uma multa de 65 mil milhões de dólares.

 

Seja como for, os casos não são comparáveis e, em abono da verdade, já teria sido muito saudável para Portugal se os responsaveis pelo fraude do BPN tivessem sido condenados a penas "leves" semelhantes àquelas que foram aplicadas no Afeganistão. 

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.

 

A "tribo" do skate no Afeganistão

Alexandre Guerra, 11.09.12

 

Uma rapariga afegã a fazer um "ollie" em frente aos destruídos Budas de Bamyan, Afeganistão  

 

Em determinadas zonas do mundo, algumas mais remotas do que outras, sobretudo naquelas que estão marcadas pelo conflito, não há grande espaço para as pequenas coisas normais que fazem parte do quotidiano de qualquer jovem (e não só) numa sociedade pacífica e minimamente desenvolvida.

 

Para tentar contrariar esta trágica realidade foi fundada em Cabul a Skateistan, uma ONG que providencia apoio à prática do skate e a programas de educação no Afeganistão.

 

Num país dilacerado há anos pela violência e pela pobreza, e onde quase 70 por cento da população tem menos de 25 anos, iniciativas como a Skateistan parecem ser ferramentas muito mais profícuas ao nível da integração dos jovens do que muitas das estratégias milionárias que as potências externas impõe, por vezes, de forma cega e sem qualquer sentido social.

 

Não é por isso de estranhar que na missão da Skateistan se leia que o skate é uma “ferramenta” para o “empowerment” dos jovens, proporcionando-lhes um sentimento de pertença a uma determinada comunidade, à qual se entregam com paixão e não implica andarem com uma Kalashnikov na mão.

 

Quem já praticou skate, como foi o caso do autor destas linhas durante vários anos, percebe que neste tipo de modalidades mais “extreme” se desenvolve um sentimento forte de pertença a uma “tribo” que se vive com toda a devoção.

 

Ora, em sociedades como a afegã, onde os jovens convivem lado a lado com talibans e al Qaeda podendo ser recrutados a qualquer momento, este sentimento de pertença a uma “tribo” de skaters pode significar a normalidade nas suas vidas e a rejeição de um caminho potencialmente tortuoso e sangrento.

 

A rede Haqqani terá contabilizado mais um atentado terrorista para a sua conta

Alexandre Guerra, 31.10.11

 

Há uns dias, o Diplomata dedicou alguma atenção à rede Haqqani que, segundo fontes do Governo afegão, pode ter estado por detrás do atentado suicida a um comboio da NATO no passado Sábado, em Cabul, provocando 17 mortos, entre os quais nove americanos, dois cidadãos britânicos e um soldado canadiano.

 

Tal como em Lisboa, também os senhores do FMI andam em Cabul a passar receitas

Alexandre Guerra, 20.04.11

 

 

A notícia que o Diplomata aqui dá conta passaria despercebida noutro contexto, já que relata apenas mais um caso de corrupção no Afeganistão, reflectindo o autêntico desgoverno que reina no país, estando com enormes dificuldades para erigir um poder central forte. Mas, ao ler os contornos mais detalhados de toda a situação, é com ironia que se estabelece uma "ponte" entre Cabul e Lisboa.

 

Recentemente foi posto a descoberto um escândalo no Kabul Bank, a maior instituição privada financeira do país, que tinha como alguns dos seus principais accionistas altas personalidades políticas afegãs. Veio-se a descobrir que aquela instituição emprestou avultadas quantias de dinheiro aos seus próprios accionistas, a maior parte de um bolo de 579 milhões, naquilo que os analistas classificaram de “bad loans”, começando aqui uma primeira analogia com Lisboa, mais concretamente com o caso do BPN.

 

Perante esta situação, as autoridades governamentais afegãs foram obrigadas a encontrar uma solução, tendo o Banco Central daquele país anunciado esta Quarta-feira em conferência de imprensa que o Kabul Bank vai ser separado em duas instituições: uma para lidar com a parte legítima do negócio e a outra para gerir a crise dos “bad loans”.

 

Agora vem mais um episódio que remete para a triste situação que se vive em Portugal. Com aquela decisão, Cabul espera sossegar os investidores, as entidades financeiras internacionais e os doadores ocidentais.

 

Porém, isso não vai chegar, tendo as medidas anunciadas por Cabul sido recebidas com alguma cautela. Para as instâncias ocidentais, em particular para os doadores, o que a verdadeiramente as sossega é mesmo é a revisão do programa do FMI naquele país. No âmbito deste processo, o FMI já passou algumas receitas.

 

Mas, se para as instâncias financeiras internacionais a presença do FMI em Portugal representa a falência do sistema de gestão das contas públicas, remetendo o país para o “lixo”, já para os doadores internacionais a intromissão do Fundo no Afeganistão é sinónimo de confiança, de que a sua “economy is relatively sound” (citado pelo New York Times para evitar más interpretações).

 

Ora, o Diplomata reconhece com desportivismo que a comparação aqui feita ou, se o leitor preferir, a "ponte" construída não é intelectualmente honesta, porque são óbvios os diferentes estádios de desenvolvimento do sistema económico dos dois países, mas não deixa de ser irónico constatar estas diferentes perspectivas relativamente à intervenção do FMI em diferentes Estados.

 

Ao telefone de Cabul para dizer que a estrada que liga a Jalalabad é "qualquer coisa"

Alexandre Guerra, 16.04.11

 

Vídeo: A Estrada de Cabul a Jalalabad/NYT

 

Em conversa ao telefone há umas horas, uma amiga do autor destas linhas, que anda por terras afegãs, dizia que a estrada que liga Cabul e Jalalabad é "qualquer coisa"... pela sua imponência e beleza. Ao ver esta reportagem (original) do New York Times percebe-se porquê.  

 

Washington terá que apoiar líderes corruptos para afastar talibans dos centros de poder

Alexandre Guerra, 30.10.09

 

Milícias tribais em Kanju, 5 de Outubro de 2009/Foto Alex Rodriguez/Los Angeles Times

 

A propósito da onda de ataques terroristas que têm assolado o Paquistão com particular intensidade neste mês de Outubro e face aos desenvolvimentos militares no Afeganistão, Max Hastings, colunista do Financial Times, questionava num artigo de opinião esta Quinta-feira se os interesses estratégicos do Ocidente na região são vitais.

 

Para Hastings, esta é uma pergunta para a qual a Casa Branca anda à procura de resposta, e que à luz das dificuldades crescentes faz cada vez mais sentido reflectir sobre a mesma.

 

Na opinião do famoso jornalista e escritor paquistanês, Ahmed Rashid, os Estados Unidos devem manter o seu empenho e o seu compromisso militar e político na região. Caso contrário, existe um risco real de “talibanização” de toda a região da Ásia Central, alastrando a países remotos como o Tajiquistão, o Turquemenistão, o Uzbequistão ou Quirguistão.

 

Porque apesar das dificuldades que os soldados americanos têm encontrado no terreno afegão e que as forças da CIA têm enfrentado no Paquistão, todo este envolvimento militar e político serve, de certa forma, como “travão” a uma constante pressão de “talibanização” não só no Afeganistão, mas em várias regiões no Paquistão e noutros países da Ásia Central. O Afeganistão, aliás, é um bom exemplo dessa realidade, quando nos anos 90 se tornou um autêntico “playground” de terroristas, a partir do qual saíram os estrategos e os autores dos atentados de 11 de Setembro.

 

Polícia paquistanês observa refugiados do Waziristão em Paharpur, 22 de Outubro de 2009/Foto B.K.Bangash)

 

É reconhecido por todos que o combate ao movimento taliban está cada vez mais difícil no Afeganistão e no Paquistão, sobretudo nalgumas zonas rurais, sendo que um dos grandes objectivos neste momento passa pelo afastamento dos radicais islâmicos dos grandes centros de poder. 

 

É por isso que o pensamento de Rashid assenta numa lógica algo cruel, mas simples e realista: é preferível ter líderes corruptos nos países da Ásia Central do que governantes fundamentalistas islâmicos, cuja sua missão é impor a sharia da forma mais conservadora possível e combater o estilo de vida ímpio de todos aqueles que não seguem a orientação rigorosa e estrita dos preceitos do Corão.

 

Quanto mais fracos e debilitados forem os governos (e refira-se que naquela região são quase todos, incluindo o de Islamabad), mais tentados pela conquista de poder surgem os movimentos associados aos taliban. Perante este cenário, o apoio político por parte dos Estados Unidos e da Europa a esses mesmos governos assume-se como vital para a sua sobrevivência e resistência aos ataques taliban.

 

Peshawar, 28 de Outubro de 2009/Foto Mohammad Sajjad/Associated Press

 

Para já, e a julgar pelos mais recentes sinais enviados pela liderança de Washington, os Estados Unidos parecem continuar empenhados politicamente no Paquistão, tendo a secretário de Estado norte-americana, Hillary Clinton, manifestado apoio ao Paquistão perante o ataque bombista de Peshawar, na Quarta-feira, que fez mais de 100 mortos.

 

Porém, concomitantemente, Clinton encostou o Governo paquistanês à parede, exigindo explicações pelo falhanço na captura de alguns altos membros da al-Qaeda. Clinton admitiu que desde 2002 que o Paquistão é um “paraíso” para aquela rede.

 

Talibã poderã impor barreiras em estradas remotas para impedir afegãos de ir às urnas

Alexandre Guerra, 19.08.09

 

Daniel Berehulak/Getty Images

 

Com as eleições presidenciais do Afeganistão em pano de fundo, o autor destas linhas via ontem à noite o noticiário da CBS News, no qual a correspondente desta televisão em Cabul dava conta dos enormes desafios que por estes dias se confrontam as forças de segurança da ISAF e as autoridades afegãs.
 
Não obstante o esforço destas, assiste-se neste momento à intensificação da violência perpetrada pelos talibã, sendo que esta manhã já se registavam confrontos, explosões e tiroteios em Cabul.
 
A jornalista da CBS News referia um apontamento interessante e bastante importante, sublinhando que em zonas remotas do Afeganistão, onde vilas e aldeias se perdem no meio das montanhas e do terreno inóspito da Ásia central, basta que os talibã cortem uma simples estrada ou caminho de cabras para que o acesso às urnas se torne uma missão impossível para os eleitores.
 
O boicote eleitoral por parte dos talibã nestes locais pode passar apenas pela imposição de checkpoints ou barreiras na estrada, sendo o suficiente para intimidar qualquer humilde cidadão de sequer ousar atravessar tais obstáculos.
 
Ora, uma vez que as forças internacionais e nacionais no terreno jamais conseguirão cobrir todos os acessos aos locais com as urnas, é muito provável que muitos eleitores se vejam impossibilitados de exercer o seu voto amanhã.