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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

As razões de Netanyahu e Lieberman

Alexandre Guerra, 14.11.18

 

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Avigdor Lieberman e Benjamin Netanyahu/Foto: Olivier Fitoussi

 

Não é apenas a Faixa de Gaza e o sul de Israel que estão a viver momentos conturbados, com o ressurgimento da violência nos últimos dias, depois de uma “covert operation” israelita ter sido descoberta no passado Domingo na localidade de Khan Younis no sul daquele enclave palestiniano. Também o sistema político israelita já se está ressentir com as ondas de choque dos violentos acontecimentos no terreno. Normalmente, tem sido sempre assim ao longo dos anos. Desta vez, foi Avigdor Lieberman que não perdeu tempo e se demitiu do cargo de ministro da Defesa de Israel, por não concordar com o cessar-fogo acordado pelo chefe de Governo, Benjamin Netanyahu, e o Hamas. Lieberman, pertencente à direita judaica mais ortodoxa, teceu fortes críticas ao primeiro-ministro, acusando-o de não estar a ser suficientemente “agressivo” contra o Hamas, uma ideia partilhada pela ala mais radical na sociedade hebraica. Aquele político, critica a débil resposta israelita aos cerca de 500 rockets lançados pelo Hamas entre Segunda e Terça-feira e fala numa “cedência ao terror” por parte de Netanyahu.

 

No entanto, numa análise cínica, o falhanço da desastrosa operação secreta israelita e a consequente retaliação militar do Hamas pode ter servido os interesses políticos de Lieberman, líder do partido Yisrael Beiteinu, que aproveitou este momento para se demarcar das políticas de Netanyahu. Ao mesmo tempo, apresenta-se ao seu eleitorado como um autêntico “falcão” e alimenta a possibilidade de gerar uma crise no Executivo e, consequentemente, eleições antecipadas. É importante lembrar que, apesar de tudo, uma parte do eleitorado se identifica com o pensamento de Lieberman em matéria de segurança, nomeadamente, os milhares de judeus ortodoxos que vivem em colonatos na Cisjordânia.

 

Por outro lado, há que compreender a posição mais prudente de Netanyahu, ao não querer escalar o conflito. Embora Israel tenha capacidade militar para destruir o Hamas, uma operação que tivesse verdadeiramente esse objectivo teria implicações quase insuportáveis em termos de danos colaterais junto da população civil da Faixa de Gaza. Portanto, uma guerra aberta e contínua em toda a sua plenitude não interessa a Netanyahu, mas também seria muito prejudicial para o projecto de poder do Hamas. Porque, caso Israel decidisse atacar com tudo e em força a Faixa de Gaza, as já muito difíceis condições de vida naquele enclave iriam degradar-se ainda mais, com a população, muito provavelmente, a insurgir-se contra as autoridades, neste caso o Hamas, que, assegura a gestão de uma série de serviços à população, desde a segurança às escolas e serviços.

 

A Israel também não interessaria, pelo menos para já, destruir o Hamas e criar um vazio de poder na Faixa de Gaza, uma vez que a Autoridade Palestiniana, com a Fatah no Governo, não tem neste momento condições para assegurar o controlo daquele território. Além disso, e como notava Dennis Ross, antigo negociador norte-americano, a decapitação do Hamas na Faixa poderia criar espaço para o surgimento de movimentos ainda mais radicais, como a Jihad Islâmica ou até mesmo o Estado Islâmico. Ao Jerusalem Post, Ross não tem dúvidas que Israel poderia derrotar o Hamas, mas e depois? Para garantir que o enclave não seria tomado por radicais, Israel teria de manter uma presença na Faixa de Gaza e isso a História já demonstrou que foi contrário aos interesses do Estado hebraico.

 

Sem surpresa

Alexandre Guerra, 18.03.15

 

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Foto: Tomer Appelbaum/Haaretz

 

É difícil compreender como alguns jornais internacionais classificam de "surpreendente" a vitória do Likud de Benjamin Netanyahu nas eleições legislativas de ontem em Israel. É certo que à luz de algumas sondagens, a vitória, tangencial, estaria entregue à coligação de centro-esquerda. Mas, para quem conhece minimamente aquele país e a sua história política, sabe que tudo é possível no que diz respeito ao seu sistema eleitoral. Surpresas, mesmo, só para quem andasse muito distraído. 

 

Sentido de oportunidade

Alexandre Guerra, 30.06.14

 

Perante o anúncio da criação de um califado no Iraque e na Síria, por parte do grupo radical sunita do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), Israel parece querer aproveitar a dinâmica de desmembramento das nações inimigos, e ontem o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu apelou à criação de um Estado curdo independente, que iria retirar território à Síria, Irão, Iraque e Turquia. É caso para dizer que Netanyahu teve sentido de oportunidade.

 

Benjamin Netanyahu "liberta-se" dos ultra-ortodoxos

Alexandre Guerra, 12.03.13

 

 

Uma das consequências do espinhoso processo de formação de Governo em Israel actualmente em curso é o afastamento das formações partidárias ultra-ortodoxas do espectro político executivo que, de uma maneira ou de outra, têm marcado presença ou influência nos governos de direita desde a fundação do Estado hebraico em 1948.

 

Benjamin Netanyahu, vencedor das últimas eleições, deverá optar por alianças com partidos mais moderados, libertando-se, assim, dos constrangimentos impostos pelos ultra-ortodoxos. Porque, o problema que se tem colocado ao longo dos anos na coabitação com aquelas formações não é apenas político. É sobretudo um choque permanente entre diferentes modelos de sociedade. Nem "falcões" como Netanyahu se identificam com o paradigma apregoado pelos ultra-ortodoxos. 

 

Além disso, a classe política e a opinião pública em geral começam a demonstrar uma insatisfação crescente perante aquilo que consideram ser a imposição moral e religiosa de um grupo privilegiado de pessoas que vivem à margem da sociedade e que, sob o pretexto do ensino dos valores basilares da Torah, vão obtendo regalias. Financiamentos governamentais ou a excusa de serviço militar obrigatório são apenas alguns exemplos dos benefícios da comunidade ultra-ortodoxa.

 

Actualmente, cerca de 10 por cento dos israelitas são ultra-ortodoxos, um número que deverá aumentar para 15 por cento em 2025. É uma questão sensível, já que a lógica de ensino ultra-ortodoxo assenta quase exclusivamente no estudo da Torah, excluindo áreas de saber como Matemática, Inglês ou ciências. A par desta realidade, os mais velhos continuam a estudar a tempo inteiro graças aos apoios estatais. 

 

Com a comunidade ultra-ortodoxa "fechada" ao resto da sociedade e virada para si mesma, a consequência natural é um maior desemprego e uma taxa de pobreza mais elevada comparativamente ao resto da sociedade.

 

Mas, talvez o principal desafio para os governantes nos próximos tempos seja gerir a fricção crescente entre a comunidade ultra-ortodoxa e o resto da sociedade israelita (já para não falar dos palestinianos).

 

Recentemente, os activistas ultra-ortodoxos defenderam algumas medidas consideradas radicais e que estão a gerar desconforto entre os israelitas, nomeadamente a tentativa de incutir alguns costumes restritivos na indumentária das mulheres judaicas.

 

Ainda mais preocupante e polémica é a medida que prevê práticas consideradas segregacionistas, tal como a utilização de autocarros e passeios exclusivamente para ultra-ortodoxos, estando os palestinianos proibidos de coabitarem naqueles espaços.

 

Netanyahu, talvez já com pouca paciência para os ensinamentos dos ultra-ortodoxos e antecipando futuros problemas, está a tentar libertar o seu novo Governo das amarras dos radicais da Torah, o que também poderá ser visto com alguma esperança pela sociedade israelita mais "mainstream".  

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


A bomba ainda está longe, mas o dossier iraniano serve os interesses de Netanyahu

Alexandre Guerra, 04.01.13

 

 

Em Outubro último, e já depois da intervenção cénica do primeiro-minisro israelita, Benjamin Netanyahu, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o Diplomata escrevia que "qualquer observador mais atento sabe que Israel jamais permitirá que Teerão chegue a um estádio próximo da bomba atómica". E acrescentava ainda "que se até aqui não houve qualquer acção militar israelita, isso deve-se não tanto às pressões de Washington para a contenção, mas sim ao facto de Israel ainda não se sentir verdadeiramente ameaçado com o poder nuclear iraniano".


O Diplomata continua acreditar nesta lógica, reforçada pelas declarações proferidas esta Quinta-feira por Netanyahu, durante o tradicional encontro anual com os embaixadores israelitas colocados no estrangeiro. "Bibi" disse que o Irão ainda não passou a tal "linha vermelha" traçada por Israel. 


Provavelmente, o Irão ainda estará longe de chegar a essa "linha vermelha" que, de acordo com Israel, será quando 90 por cento do processo já estiver concluído. Netanyahu tem dito que isso pode acontecer já na Primavera ou no Verão. O Diplomata dúvida, embora compreenda o "jogo" de Netanyahu, que vai gerindo o dossier nuclear iraniano em conformidade com os seus interesses.

 

Trocar um soldado por mil prisioneiros é, estranhamente, um bom "negócio" para todos

Alexandre Guerra, 12.10.11

 

O Presidente Shimon Peres com os pais Gilad Shalit/Foto: AFP

 

Israel rejubila com o anunciado regresso a casa de Gilad Shalit, o soldado das forças de segurança israelitas (IDF), em cativeiro desde 2006, depois de ter sido capturado pelo Hamas na Faixa de Gaza. Desde então, Shalit nunca foi esquecido pelas autoridades israelitas, sabendo-se que seria uma questão de tempo até se promover uma negociação de troca de prisioneiros com o inimigo, uma prática implementada por diversas vezes.

 

Era preciso ter paciência e gerir a situação da melhor forma. Nisso os israelitas são exímios (exceptuado alguns disparates feitos nos tempos recentes).

 

Também por isso, o Hamas sabia que o refém que tinha em mãos era bastante valioso e que seria uma moeda de troca excelente no dia em que o Governo hebraico estivesse disponível para negociar.

 

A proposta que Yoram Cohen, chefe do Shin Bet (serviços secretos internos), apresentou ao primeiro-ministro Netanyahu contempla, numa primeira fase, a libertação de cerca de 450 prisioneiros palestinianos, 280 dos quais com penas perpétuas. Num segundo momento, daqui a uns meses, serão libertados à volta de 550 prisioneiros.

 

Não deixa de ser um bom negócio para o Hamas, que consegue 1000 homens em troca de apenas um soldado hebraico, fazendo regressar a casa muitos militantes daquele movimento, mas também da Fatah e de outros partidos.

 

Com esta iniciativa, o Hamas reforça a sua posição junto da opinião pública palestiniana, sobretudo na Cisjordânia, onde está mais fragilizada perante o domínio da Fatah e do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.

 

Também o líder político do Hamas, Khaled Meshaal, está a surgir como um negociador influente, tendo chegado esta Quarta-feira à noite ao Cairo para coordenar no terreno o processo da troca de prisioneiros, que deverá acontecer dentro de uma semana.

 

Do lado israelita, Netanyahu já está a capitalizar dividendos com esta operação, nem que seja pelas manobras de relações públicas. Os pais do soldado têm manifestado publicamente o agradecimento ao chefe do Governo, que, de quase todos os quadrantes, tem recebido elogios pela medida.

 

A este propósito Yossi Verter escrevia no Haaretz que nos próximos dias o povo de Israel vai estar a partilhar a alegria dos pais de Shalit, graças a uma decisão de Netanyahu, que terá sido a mais difícil do seu mandato. Mas como diz Verter, Netanyahu será sempre lembrado para a História como o homem que trouxe para casa um soldado israelita em cativeiro há mais de cinco anos.

 

Além disso, tinha sido o próprio Shin Bet a assumir que a libertação de Shalit através de uma operação militar seria praticamente impossível. Por isso, Netanyahu teve o apoio de todas as chefias militares. Também ao nível do Governo, 26 ministros aprovaram o plano da troca de prisioneiros. No entanto, três votaram contra, entre os quais o dos Negócios Estrangeiros, o ortodoxo Avigdor Lierberman.

 

Conta o jornal Haaretz que a reunião foi muito intensa e dramática, tendo mesmo Uzi Landau, ministro das Infraestruturas Nacionais, e um dos que se opôs ao plano, afirmado que se está perante uma “grande vitória do terrorismo”. Demonstrou ainda a sua ira contra Cohen, por este estar a recomendar um plano deste género.

 

Curiosamente, também em 1997, quando assumia pela primeira vez a chefia do Governo hebraico, Netanyahu promoveu uma troca de prisioneiros, embora na altura com contornos muito diferentes. Sem qualquer escolha, Israel teve que libertar o xeque Ahmed Yassin (seria morto mais tarde) em troca de dois agentes da Mossad, que tinham estado envolvidos numa tentativa de assassinato a Meshaal na Jordânia.

 

Agora, Netanyahu volta a promover uma troca de prisioneiros, mas desta vez massiva, devolvendo a liberdade a alguns terroristas de primeira linha. Um preço elevado, mas que a sociedade israelita parece estar disposta a pagar para ver o seu soldado regressar a casa.

 

Apesar da lista dos libertados incluir importantes terroristas, Cohen já garantiu que nomes como Abdullah Barghouti, Ibrahim Hamed, Abbas Sayed, Ahmed Saadat e, especialmente, Marwan Barghouti não estão contemplados neste negócio.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.

 

A psicose de um Estado que constrói casas no território do inimigo, mas não investe no seu

Alexandre Guerra, 12.08.11

 

Palestinianos numa obra de novas casas de um colonato em Jerusalém Oriental, em 2010/Foto: Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images

 

Caso não aconteça uma revolução a vários níveis no Médio Oriente, um dia Israel vai ser confrontado com uma guerra que nunca irá ganhar: a fatalidade da exiguidade geográfica e a pressão demográfica, quer hebraica, quer árabe (o Diplomata voltará a este assunto mais tarde).

 

De certa maneira, o problema já começou a ser sentido internamente, de forma ruidosa e massiva, como ficou demonstrado há dias com a manifestação de 300 mil pessoas que vieram para as ruas de Telavive exigir ao Governo liderado por Benjamin Netanyahu uma política de habitação que possibilite às pessoas adquirirem ou arrendarem casas a preços acessíveis. Este Sábado estão previstas manifestações em 12 cidades israelitas. 

 

Ao contrário do que acontece em Portugal, em Israel constrói-se pouco, já que a área disponível para tal é muito reduzida. O resultado é óbvio: poucas casas disponíveis no mercado. Ora, de acordo com a mais elementar lei da oferta e da procura, as consequências são mais que previsíveis.

 

Chamam-lhe o protesto das tendas, apartidário, indo da direita à esquerda, um pouco à semelhança dos vários movimentos que se têm verificado em vários países europeus.

 

Mas, tendo esta manifestação acontecido no Médio Oriente, naturalmente que os seus contornos são ainda mais complexos. Yoel Marcus escrevia no Haaretz que esta teria sido a única verdadeira manifestação na história de Israel sem qualquer interferência dos partidos políticos.

 

E embora sendo uma manifestação que, em última instância, procura decisões políticas, não deixa de ser curioso que aquela que terá sido a mais significativa expressão cívica em Israel não tenha estado relacionada, pelo menos directamente, com o conflito israelo-palestiniano, mas sim com questões mundanas da sociedade hebraica.  

 

Perante esta demonstração de força cívica, Benjamin Netanyahu foi obrigado a reagir, tendo já anunciado algumas medidas.

 

Apesar disso, como diz ainda Yoel Marcus, não bastará a Netanyahu largar um milhão aqui outro milhão ali. Será preciso adoptar uma política estratégica e coerente no que diz respeito à habitação.

 

Mas, se isto já é, por si só, um desafio hercúleo em sociedades ditas normais, como a portuguesa, no caso de Israel tudo se torna mais complicado, perante a existência de um paradigma bem delineado no que diz respeito à construção de habitação nos territórios ocupados da Cisjordânia com fins geopolíticos e geoestratégicos.

 

Se durante muitos anos a sociedade hebraica foi aceitando, ou pelo menos foi passiva, perante esta situação, agora parece começar a dar sinais de que não estará disponível para ver o seu Governo a manter uma política de habitação bem estruturada para os colonatos ao mesmo tempo que não dá respostas aos problemas diários dos cidadãos que vivem no território hebraico.

 

Ainda há uns dias, o ministro do Interior aprovou a construção de mais 1600 casas para colonos nos territórios ocupados de Jerusalém Oriental em Ramat Shlomo. É importante relembrar que esta medida tinha sido anunciada em Março do ano passado, gerando inclusive algum desconforto entre Washington e Telavive, já que a sua divulgação coincidira como a visita do vice-Presidente americano Joe Biden a Israel.

 

Além destas 1600, serão em breve aprovadas mais 2000 para o colonato de Givat Hamatos e outras 700 para o de Pisgat Zeev.

 

Face aos protestos dos últimos dias, o porta-voz do Ministério do Interior hebraico já veio dizer que esta medida é meramente “económica” e não “política”, dando a entender que poderá ser uma tentativa de resposta aos anseios da população hebraica.

 

Mas, o Diplomata tem grandes dúvidas que seja esse o caminho que o Governo hebraico deve seguir, sobretudo por duas razões: a primeira prende-se com o processo negocial israelo-palestiniano, havendo uma enorme pressão da Autoridade Palestiniana, de Washington e da comunidade internacional em geral para que Telavive ponha fim à sua política de expansão de colonatos; a segunda razão tem a ver com o perfil específico dos judeus ortodoxos mais radicais que procuram os colonatos, que, apesar de tudo, são uma minoria na sociedade israelita.

 

Como o autor destas linhas já escreveu em tempos, a maioria dos colonos são radicais no seu pensamento. Consideram-se uma espécie de linha avançada da causa sionista na Terra Santa.

 

Dentro da própria sociedade israelita são vistos como uma corrente radical, que canaliza muitos recursos financeiros ao Estado hebraico e que é responsável pelo fracasso crónico das negociações com os palestinianos.

 

Há uns anos, o autor destas linhas conversava em Telavive com um judeu ortodoxo da ala mais radical que tinha passado uma temporada num colonato, e apesar do seu discurso sustentando por uma aparente racionalidade histórica, rapidamente se percebeu que por detrás dos argumentos apresentados se esconde uma fé cega inabalável de “direito histórico” ao território da Cisjordânia, numa perspectiva de Grande Israel.

 

De acordo com os números disponíveis, cerca de 450 mil a 500 mil (não há um valor oficial) colonos vivem na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental). Isto representa um custo enorme para os cofres do Estado hebraico, porque para manter um colonato em território palestiniano é necessário assegurar condições logísticas e infraestuturas bastante onerosas. Já para não falar no dispositivo de segurança que é preciso mobilizar.

 

Por exemplo, cada colonato funciona como uma autêntica cidade em território hostil, com todos os serviços (escolas, correios, centros de saúde, parques, equipamento desportivos, etc) que existem em Israel. Cada colonato tem ainda uma estrada própria (interdita a palestinianos) que faz a ligação ao Estado hebraico.

 

Quanto ao dispositivo de segurança, está-se a falar de autênticas fortificações, dotadas dos mais avançados equipamentos de vídeo vigilância e bélicos. A segurança activa é assegurada pelos militares das Forças de Segurança Israelitas (IDF).

 

Ora, tudo isto faz com que cada fogo de habitação num colonato se torne muito dispendioso em comparação com o valor da construção de uma casa em condições normais.

 

Mas com se sabe, falar em normalidade no Médio Oriente é pura ficção, sobretudo num Estado que na sua zona mais estreita tem sensivelmente 15 quilómetros de profundidade estratégica (distância entre a praia banhada pelo Mar Mediterrâneo e a fronteira com a Cisjordânia).   

 

Ao longo dos anos a expansão dos colonatos assentou claramente em motivações políticas e estratégicas, numa lógica quase psicótica de que Israel estava rodeado de inimigos que o queriam “empurrar” para mar.

 

Os colonatos não são mais do que postos avançados em território inimigo que há que manter a todo custo, independentemente dos assuntos internos israelitas. Para os vários governos hebraicos, a política de expansão de colonatos foi sempre vista numa lógica de sobrevivência do próprio Estado judaico.

 

Existem actualmente 149 colonatos, sendo que alguns dos mais significativos estão situados nos territórios contíguos a Jerusalém Oriental, para lá da “Green Line”. Mas também cidades palestinianas como Nablus, Jericó, Belém ou Ramallah convivem com colonatos nas imediações geográficas.

 

Algo que não incomoda particularmente os colonos, já que estes consideram estar ao serviço da causa judaica, ao ocuparem território aos palestinianos, inimigos por definição histórica e bíblica.

 

É com esta convicção que milhares de colonos vivem tranquilamente o seu quotidiano, apesar de rodeados de arame farpado, escoltados pelas Forças de Segurança Israelitas (IDF), e sempre sob o perigo iminente proveniente, sobretudo, dos movimentos terroristas do Hamas e das milícias da Fatah.

 

Uma estranha e obsessiva forma de estar na vida, dirá o leitor deste texto, mas a insanidade mental reinante no Médio Oriente altera por completo a perspectiva do problema.

 

Perante tudo isto, é notório que existe uma parte da população em Israel no seu dia-a-dia que enfrenta cada vez mais dificuldades, ao mesmo tempo que vê o Estado hebraico a continuar a investir massivamente na política de colonatos, quando no seu próprio país não consegue comprar ou arrendar uma casa, ou porque os preços são exorbitantes ou porque simplesmente não existem.

 

A ingenuidade de Obama

Alexandre Guerra, 22.05.11

 

Eran Wolkowski/Haaretz

 

O Presidente Barack Obama foi ingénuo e mal aconselhado quando, no discurso sobre o Médio Oriente proferido na passada Quinta-feira, veio defender a solução de “dois Estados” na Palestina delimitados pelas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias ("pre-1967 borders"). Um erro de tal forma evidente e inédito nas presidências americanas, que foi confrangedor ver Obama ouvir do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em plena Sala Oval, que tal solução nunca seria aceite por Israel, porque a mesma colocaria em causa a segurança da própria existência do Estado hebraico.

 

O problema das palavras de Obama não está na criação do Estado palestiniano, porque neste ponto todos estão de acordo, incluindo os israelitas, mas sim no facto de sugerir que a sua fronteira com Israel tivesse em conta as linhas impostas em 1949.

 

É preciso relembrar que até 1967, ano em que Israel expandiu substancialmente as suas fronteiras com a Guerra dos Seis Dias, um dos grandes dramas daquele Estado era o problema da “profundidade estratégica”. Note-se que durante aquelas quase duas décadas a zona mais estreita de Israel tinha apenas 15 Km de largura, ou seja, de terra a separar o Mar Mediterrâneo e os territórios palestinianos da Cisjordânia.

 

Para um povo que vive rodeado de inimigos e com a “psicose” de que os palestinianos “querem atirar os judeus para o mar”, as fronteiras israelitas pré-1967 eram claramente uma ameaça à segurança de Israel.

 

 

A “green line” delineada na sequência da Guerra dos Seis Dias acabou por aumentar a “profundidade estratégica” de Israel. E desde então que passaram a ser estas as linhas divisórias “reconhecidas” informalmente no âmbito do processo negocial israelo-palestiniano.

 

Daí a estranheza das declarações de Obama, que aliás, o próprio deve ter reconhecido imediatamente após ter terminado o seu discurso, já que praticamente não reagiu às palavras duras de Netanyahu quando este disse que as linhas de 1967 eram “indefensáveis”. Palavras essas que estão a provocar algum mal-estar no seio da administração americana, com algumas correntes a terem menos paciência para o descontrolo político do seu aliado, comportando-se cada vez mais como um “loose cannon”.

 

Quem não gostou mesmo nada das declarações de Obama foi o poderosíssimo lobby judaico nos Estados Unidos. Assim, e perante as muitas críticas, o Presidente veio reiterar e esclarecer este Domingo no American Israel Public Affairs Committee (Aipac), o principal grupo de lobby judaico norte americano, aquilo que tinha dito: “Let me repeat what I actually said on Thursday (…) I said that the United States believes that negotiations should result in two states, with permanent Palestinian borders with Israel, Jordan, and Egypt, and permanent Israeli borders with Palestine. The borders of Israel and Palestine should be based on the 1967 lines with mutually agreed swaps, so that secure and recognized borders are established
for both states.”

 

Obama tem tido a preocupação de enfatizar este último ponto, que diz respeito à troca de territórios por mútuo acordo, porque segundo a Casa Branca, as principais críticas de Netanyahu não têm tido em consideração esta questão fulcral para o Presidente americano: “Since my position has been misrepresented several times, let me reaffirm what ‘1967 lines with mutually agreed swaps’. By definition, it means that the parties themselves — Israelis and Palestinians — will negotiate a border that is different than the one that existed on June 4, 1967. It is a well known formula to all who have worked on this issue for a generation. It allows the parties themselves to account for the changes that have taken place over the last 44 years.”

 

Também George Mitchel, enviado americano para o Médio Oriente, saiu em defesa de Obama, para dizer que este não tinha dito que Israel teria que voltar às fronteiras pré-1967. O que o Presidente teria proposto eram as tais trocas de territórios por mútuo acordo.

 

Seja como for, e apesar das suas boas intenções, o Presidente Obama abordou este assunto da pior maneira possível, já que a questão das fronteiras, juntamente com o problema dos refugiados e do estatuto de Jerusalém, é um assunto de enorme sensibilidade para israelitas. E até mesmo os dirigentes palestinianos sabem que, realisticamente, nunca será possível ter um Estado Palestiniano com as fronteiras pré-1967, tal como sabem que nunca será possível o regresso de todos os palestinianos refugiados espalhados pela Jordânia, Líbia e Síria. O estranho é Obama não saber disto ou, pelo menos, não ter a sensibilidade necessária para gerir o tema das fronteiras no Médio Oriente.

 

Já menos estranha foi a dura resposta de Netanyahu que, na senda do que vem sendo hábito desde que assumiu a liderança do Governo, vem adensar ainda mais a tensão nas relações entre Washington e Telavive, colocando em causa os interesses de Israel a médio e a longo prazo. Ainda este Domingo, o Haaretz, em editorial, mostrava-se bastante crítico ao seu primeiro-ministro.

 

Algum dia "Bibi" tinha de criar uma crise séria com Washington

Alexandre Guerra, 15.03.10

 

 

 
Algum dia o chefe do Governo hebraico, Benjamin Netanyahu, haveria de cometer um acto de tal maneira despeitado face a Washington que as relações entre Israel e os Estados Unidos sofreriam graves consequências. Ora, esse dia parece ter chegado, ou melhor, já chegou há uma semana, aquando da visita do vice-Presidente americano, Joe Biden, a Jerusalém. Nesse mesmo dia, "Bibi" anunciava a construção de 1600 novas casas num colonato em Jerusalém Oriental.
 
Esta posição além de ser uma clara afronta aos palestinianos e desferir um rude golpe nas intenções de Biden em retomar o processo negocial, assumiu-se sobretudo como um desafio sem precedentes a Washington.
 
Embora tal nunca tenha sido assumido, Netanyahu teve claramente o objectivo de enviar uma mensagem para a administração do Presidente Barack Obama, a qual vê com grande desconfiança. Uma ideia corroborada pelo principal conselheiro de Obama, David Axelrod, que não hesite em dizer que a iniciativa de Telavive foi calculada e que além de ser “destrutiva” é um “insulto” aos Estados Unidos.
 
Ao anunciar a construção das novas casas no mesmo dia em que Biden está no território, Netanyahu tem um gesto ousado e talvez irresponsável, que poderá ter consequências muito danosas nas relações israelo-americanas. Paul Adams, correspondente da BBC em Washington descrevia a situação da seguinte forma: “O vice-Presidente Joe Biden foi a Israel para oferecer amor mas em vez disso foi esbofeteado.”
 
De tal forma, que o embaixador Israel nos Estados Unidos, Michael Oren, já admitiu que se está a viver o pior período das relações diplomáticas entre os dois países em 35 anos. Entretanto, a secretário de Estado Hillary Clinton já exigiu a Netanyahu uma resposta “formal” às preocupações manifestadas por Washington.
 
A administração de Barack Obama está neste momento a exercer uma grande pressão sobre Israel e é muito provável que aproveite a actual “crise” para dar uma sério aviso a Netanyahu. No entanto, este continua num registo algo provocatório ao ter participado esta Segunda-feira numa cerimónia de inauguração de uma sinagoga restaurada no bairro judeu da cidade velha de Jerusalém, num evento que a polícia tinha identificado como foco de violência.
 
Sinagoga de Hurva esta Segunda-feira/AP
 
Talvez por estar consciente da situação explosiva por si criada, Netanyahu durante a cerimónia tentou aliviar a tensão ao exortar a importância da liberdade de outras religiões. Também o mayor da cidade de Jerusalém apelou aos palestinianos para terem calma.
 
Seja como for, neste momento estão reunidas as condições para gerar um foco de violência entre palestinianos e judeus na cidade Jerusalém, bastando apenas que um dos muitos rastilhos soltos seja incendiado.
 
Obama terá a perfeita noção de que por bem menos já eclodiram momentos de extrema violência ente palestinianos e judeus. Por isso, as próximas horas vão ser muito críticas, com Washington certamente a desenvolver uma série de contactos por detrás da cortina, com vista a atenuar um problema criado por Netanyahu. Ao mesmo, Obama não deveria deixar de aproveitar esta oportunidade para dar um sério aviso ao primeiro-ministro israelita, para que não volte a repetir este tipo de afronta.
 

Netanyahu diz "não" a Washington e fragiliza Obama no processo israelo-palestiniano

Alexandre Guerra, 18.11.09

 

 

A Casa Branca, através do seu porta-voz Robert Gibbs, manifestou um profundo desagrado pela decisão do Governo israelita de autorizar a construção de mais 900 habitações no colonato de Gilo, contíguo à parte oriental da cidade de Jerusalém.

 

Washington admite claramente que a decisão do Jerusalem Planning Committe, a entidade directamente responsável pelo licenciamento das novas casas, torna "mais difícil" o reatamento das conversações israelo-palestinianas.

 

Esta decisão foi também ratificada pelo Ministério do Interior isrealita, que é o mesmo que dizer com o apoio do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, desde há muito um defensor acérrimo da expansão dos colonatos hebraicos nos territórios da Cisjordânia.

 

De acordo com o correspondente da BBC em Washington, Paul Adams, corre nos "corredores" daquela cidade a ideia de que Netanyahu está a conseguir inutilizar os parcos esforços do Presidente Barack Obama no processo de paz do Médio Oriente. Porém, existem algumas vozes que dizem ser ainda demasiado cedo para se tirar uma conclusão sobre a estratégia que Obama esteja, eventualmente, a seguir nesta matéria.

 

Seja como for, certo é o facto dos apelos do Presidente americano não estarem a ser tidos em conta por Netanyahu, como admitiu o próprio George Mitchell, enviado dos Estados Unidos ao Médio Oriente. Segundo o jornal israelita Yedioth Aharanot e a Israel Army Radio, Mitchell terá interpelado directamente Netanyahu na Segunda-feira em Londres, pedindo-lhe que congelasse a expansão dos colonatos, já que Washington se opunha veementemente a esta estratégia.

 

 A resposta de Netanyahu foi negativa, justificando com o facto da expansão do colonato de Gilo não ser da competência do Executivo, mas sim, única e exclusivamente do município de Jerusalém. Relembre-se que apesar de Gilo está para lá da Green Line, Israel defende que aquele colonato é parte integrante de Jerusalém, cidade que na sua totalidade é considerada pelos governantes hebraicos como parte do Estado judaico.

 

A ser verdade a conversa entre Mitchell e Netanyahu (e a julgar pela reacção da Casa Branca tudo leva a crer que sim), as relações entre Telavive e Washington entram numa nova fase, visto ser caso raro na história daqueles dois países, governantes israelitas desafiarem de forma tão frontal um pedido feito pela Casa Branca. 

 

Netanyahu parece tê-lo feito, gerando o desagrado de Obama, bem evidente nas palavras de Gibs, e colocando o Presidente  americano numa situação delicada. 

 

Com esta iniciativa, o primeiro-ministro israelita consegue claramente uma posição de força no que diz respeito à política da expansão dos colonatos, um dos temas mais quentes do dossier israelo-palestiniano. Por outro lado, esta medida frustra qualquer tentativa negocial por parte de Washington, algo que também poderá ser do agrado de Netanyahu, tido como um "falcão" que nunca aceitará ceder em matérias como os colonatos, o estatuto de Jerusalém ou o direito de retorno dos refugiados palestinianos.

 

Por outro lado, o jogo que Netanyahu está a fazer poderá ser bastante arriscado, já que Washington foi sempre um aliado fiel de Israel, país que durante a sua história divergiu dos Estados Unidos em vários momentos, mas cujos seus governantes nunca ousaram desafiar Washington de forma tão frontal e directa, como parece que Netanyahu está agora a fazer.