Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Washington circunscreve conflito da Síria a um dia e a 1429 mortos

Alexandre Guerra, 08.09.13

 

John Kerry, este Domingo, com os ministros dos Negócios Estrangeiros da Liga Árabe, em Paris/Foto: Susan Walsh (pool)/NYT 

 

A diplomacia americana ficou a ganhar com a nomeação do experiente e sensato John Kerry para chefiar o Departamento de Estado. Foi um bom reforço para a administração liderada por Barack Obama, ao depositar a política externa numa pessoa prudente nas suas declarações políticas e nas abordagens diplomáticas.

 

No entanto, em relação ao processo sírio, Kerry parece estar a ser prudente demais, ao sublinhar repetidamente que a intervenção de Washington neste dossier se deve única e exclusivamente ao ataque com armas químicas do passado dia 21 de Agosto, supostamente levado a cabo pelo regime de Bashar al-Assad, que, segundo os Estados Unidos, terá morto 1429 pessoas.

 

Ainda este Domingo, em Paris, Kerry disse que Assad passou uma "linha vermelha global" ao ter usado armas químicas. E é por isso, e só por isso, que Washington pondera uma intervenção militar, embora limitada, sobre a Síria. Como diz Kerry: "O que nós queremos é a imposição dos padrões no que diz respeito ao uso de armas químicas."

 

Ora, este racional tem vindo a ser reforçado por Washington nos últimos dias, num claro distanciamento da administração americana do resto do conflito. Basicamente, Washington está a circunscrever o conflito ao dia 21 de Agosto. Ou seja, depreende-se desta posição que se não fosse o ataque de gás Sarin, os Estados Unidos não colocariam a Síria no topo da agenda nema a possibilidade de uma intervenção militar, apesar de já terem morrido mais de 100 mil pessoas.

 

O fim (há muito anunciado) da credibilidade da oposição síria

Alexandre Guerra, 06.05.13

 

Forças da oposição síria/Foto:Reuters

 

A comunidade internacional, através dos seus líderes, tem uma tendência para polarizar guerras civis, identificando de imediato os “bons” e os “maus” de acordo com formatações político-ideológicas e conveniências geoestratégicas, mesmo que essa catalogação seja redutora e ignore a “grande área cinzenta” em que se movimentam forças contrárias.

 

A Síria, mergulhada numa guerra civil sangrenta, é o mais recente exemplo dessa abordagem maniqueísta que quase nunca corresponde à verdadeira realidade dos factos no terreno.

 

Com a eclosão do conflito sírio, há pouco mais de dois anos, a comunidade internacional ocidental não hesitou em classificar o Presidente Bashar al-Assad como o mais recente déspota opressor dos povos indefesos.

 

Em parte, esta assunção é correcta, já que o líder sírio não pensou duas vezes antes de avançar contra a sua própria população, por modo a manter o status quo que sustenta a minoria alauita no poder.  

 

Mas esta é apenas uma perspectiva da realidade. O problema é que as principais chancelarias ocidentais têm ignorado a outra parte do problema trágico que afecta a Síria: o comportamento errante e criminoso dos rebeldes (que noutras alturas davam pelo nome de “freedom fighters”).

 

Já não é de agora que surgem relatos menos dignos do comportamento dos revoltosos na Síria. Além da sua desunião e incapacidade de forjar uma frente política comum, têm vindo a público relatos de abusos inqualificáveis por parte daqueles sobre a população.  

 

Carla del Ponte, alta funcionária da ONU e antiga procuradora-geral do ICTY, vem agora corroborar esses mesmos relatos, sublinhando que há “fortes” indícios e “suspeitas concretas” da utilização de gás sarin por parte dos rebeldes. Del Ponte não exclui também o uso daquela arma química por parte de forças do Governo.

 

Embora a comissão internacional de inquérito, criada em Agosto de 2011, ainda não tenha provas conclusivas, del Ponte ficou “estupefacta” pelo facto das primeiras indicações apontarem para a culpabilidade dos rebeldes na utilização de gás sarin.

 

Um golpe brutal na credibilidade da oposição síria e nos esforços de criar uma alternativa política séria ao regime de Bashar al-Assad, até porque poucos terão coragem para colocar em causa o relatório da comissão liderada pela conceituada e respeitada Carla del Ponte.

 

Como escrevia Bridget Kendall, correspondente diplomática da BBC News, uma coisa são as suspeitas que têm vindo a público de fontes pouco credíveis, outra coisa são indícios levantados por uma alta funcionária da ONU.

 

Outro ponto a favor da credibilização dos resultados da comissão independente tem a ver com o método utilizado, baseado na recolha de testemunhos directos no terreno.

 

Este cenário levanta o que restava do véu que ainda cobria parte da crueldade de um conflito interno entre duas forças que não hesitam em sacrificar a população inocente para avançar nas suas posições.

 

Com o regime de Damasco condenado (e com razão) pela opinião pública internacional e com a oposição síria cada vez mais descredibilizada, é improvável que Washington tenha algum interesse em envolver-se na Síria.

 

Sem um interlocutor viável e sério para apoiar na Síria, o Presidente Barack Obama, de forma mais ou menos directa, já deixou bem claro a sua mensagem de que não tem intenção de se “meter” nos assuntos internos da Síria. Moscovo e Pequim não parecem também muito interessados em alterar qualquer relação de forças naquele país do Médio Oriente.

 

Perante esta acomodação de interesses geopolíticos, a Síria tende a médio prazo tornar-se palco de um conflito crónico que poderá baixar de intensidade com o passar do tempo, mas nem por isso menos trágico para a sua população.   

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Líderes com declarações de circunstância perante 32 crianças mortas na Síria

Alexandre Guerra, 26.05.12

 

Shaam News Network, via Reuters

 

Este Sábado soube-se que foram descobertos mais 92 civis mortos, entre os quais 32 crianças com menos de dez anos, numa aldeia síria perto da cidade fustigada de Homs, fruto do conflito civil que se vive naquele país. Uma tragédia perante a qual as chancelarias internacionais não podem continuar com meras declarações de intenções, como aconteceu hoje.

 

As Nações Unidas, através de um comunicado conjunto do seu Secretário Geral, Ban Ki-moon, e do seu antecessor a agora enviado à Síria, Kofi Annan, limitaram-se condenar os actos e a dizer que os culpados por este massacre têm que ser responsabilizados, embora nunca se dirigindo directamente ao regime de Damasco.

 

Também as intervenções de Paris e de Londres revelam-se inconsequentes, com o chefe da diplomacia francesa, Laurent Fabius, a dizer que vai reunir os 80 membros da organização "Amigos da Síria". Perante este tom ameaçador, certamente que o Presidente Bashar al-Assad já estará por esta altura a recear pelo seu futuro.

 

Mas as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, William Hague, também não se ficam atrás, já que recorreu ao expediente do costume e anunciou que pretende convocar uma reunião "urgente" no Conselho de Segurança das Nações, repare-se, nos "próximos dias". O que leva a concluir que, afinal, talvez, não seja assim tão "urgente".   

  

Da Primavera de Damasco ao Inverno sombrio e prolongado

Alexandre Guerra, 26.10.11

 

Foto: EPA

 

Falar em desilusão nas relações internacionais pressupõe a criação de expectativas sobre determinado líder com capacidade para influenciar os desígnios de um povo, de uma região ou, até mesmo, do mundo.

 

Como nestas coisas da política internacional o pragmatismo e o realismo imperam (talvez por deformação académica e profissional), é raro o autor destas linhas ser confrontado com o sentimento da desilusão quando olha para o trabalho de um líder.

 

Até porque a desilusão implica que a montante haja uma certa dose de ilusão. E quem no seu perfeito juízo tem hoje ilusões quanto aos líderes?

 

Isto não quer dizer que de tempos a tempos não surja um homem em determinado contexto que, à partida, até terá reunido um conjunto de circunstâncias e condições para trilhar um caminho que possa contribuir para uma estabilização sistémica regional e, consequentemente, mundial.

 

Quando em Julho de 2000 Bashar al-Assad assumia a liderança da Síria, após três décadas de regime liderado pelo seu pai, Hafez al-Assad, havia razões válidas para se pensar que o Médio Oriente estaria perante um rosto de mudança.

 

O jovem líder, de apenas 34 anos, oftalmologista, tendo concluído os seus estudos de pós-graduação em Londres, com o seu ar ocidental, nunca dispensando a gravata, era visto como um modernizador e uma força de mudança face ao legado do seu pai.

 

E também era visto pelas chancelarias ocidentais como um possível influenciador junto dos regimes xiitas, nomeadamente o Irão, já que o partido governante Baath é dominado pelo alauitas (xiitas), apesar de representarem apenas entre 5 a 10 por cento da população num país predominantemente sunita.

 

Bashar al-Assad começou bem, ao implementar algumas reformas, tendo, inclusive, libertado centenas de prisioneiros políticos e aligeirado as restrições à imprensa.

 

Mas, como refere a BBC News, “o ritmo da mudança foi abrandando, se não mesmo regredindo”. Aquilo que era então visto como uma “Primavera de Damasco”, transformou-se num Inverno sombrio e prolongado.

 

A Human Rights Watch referia em 2009 que a situação dos direitos humanos no país se tinha deteriorado desde então. E, agora mais recentemente, de acordo com as Nações Unidas, nos últimos setes meses terão morrido 3000 pessoas na Síria fruto da violência que aquele país vive. Também a Amnistia Internacional divulgou ontem um relatório a dar conta de casos de tortura em quatro hospitais públicos.

 

Entretanto, Bashar al-Assad vai surgindo como sempre surgiu, com a sua imagem ocidental, supostamente conciliatória e modernizadora, mas nas ruas o sangue vai sendo derramado, sob as ordens do seu líder.

 

Como diria um diplomata citado pela al Jazeera, a “Síria tornou-se numa ditadura sem um ditador”.