Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Rollback

Alexandre Guerra, 29.03.17

 

Com mais ou menos polémica e trapalhada, mais ou menos anúncio espalhafatoso, a verdade é que, até ontem, Donald Trump ainda não tinha concretizado qualquer medida que fosse verdadeiramente maléfica para a Humanidade. Nalguns casos até se mostrou mais moderado em relação à sua posição inicial, como observou (e bem) o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Portas, esta semana numa conferência em Lisboa, ao lembrar que Trump “fez a revisão do acordo NAFTA, mas não o denunciou, como não denunciou o acordo com o Irão, optando por vigiá-lo” e também “abandonou a ideia de transferir a embaixada [dos EUA] de Telavive para Jerusalém”. E já houve até um ou outro caso de humilhante derrota face àquilo que tinha prometido em campanha, como aconteceu na passada Sexta-feira ao ser obrigado a retirar do Congresso a “ bill” que iria revogar o Obamacare.

 

Mas ontem, não. Ontem, Trump clamou “vitória” e assinou um decreto presidencial na Sala Oval que tem como objectivo reverter muitas das medidas implementadas por Barack Obama em matéria ambiental. Algumas ainda nem sequer estavam em vigor, mas, muito provavelmente, e à luz desta nova orientação, nunca chegarão sequer a concretizar-se. Como também dificilmente se alcançarão as metas definidas nos Acordos de Paris de 2015, aquilo que tinha sido um marco histórico na política ambiental norte-americana.

 

É um autêntico “rollback” na política ambiental da administração Obama, com consequências nefastas a médio e a longo prazo e que depois serão difíceis de reparar. Porque, a questão não se põe só ao nível das medidas que Obama tinha implementado (já por si muito importantes), mas também no exemplo e motivação que os Estados Unidos deram ao mundo para que outras nações, nomeadamente algumas das mais poderosas e poluentes, seguissem políticas mais sustentáveis em termos ambientais. Quando Obama se comprometeu com os Acordos de Paris estava claramente a dar um sinal ao mundo, em nome dos Estados Unidos, para a necessidade de serem adoptados modelos de sustentabilidade nas economias mais desenvolvidas, por modo a fazer-se face à realidade inequívoca das alterações climáticas e do aquecimento global.

 

Ao assinar aquele decreto presidencial, Trump não só deitou por terra todo o esforço e pedagogia que Obama desenvolveu, como legitimou e recuperou as teses mais ignorantes e retrógradas em matéria ambiental. E isso é assustador e triste.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

O adeus de Obama

Alexandre Guerra, 11.01.17

 

Quando já se anda há algum tempo nos bastidores da comunicação política e, ainda há mais tempo, atento às figuras políticas nacionais e internacionais que nos rodeiam, percebe-se que o “produto genuíno” é escasso, é um bem raro… Aquele homem ou mulher que admiramos, que nos inspira como pessoa e como líder, que queremos servir ou seguir, pela qual nos sacrificamos em prol de uma causa maior.

 

Personagens e actores políticos, há muitos, aqueles que desempenham um papel em seu benefício ou interesse próprio, que pensam apenas numa lógica de poder. Verdadeiros líderes, há poucos, os que pensam primeiro nos outros e só depois em si, os que inspiram e transmitem uma confiança, os que dão esperança e elevam a auto-estima das pessoas, os que defendem os seus e os que consideram que a democracia é sobretudo para servir o povo.

 

Podemos passar uma vida a procurar esse “produto genuíno” e não encontrá-lo, como também podemos ter a sorte de um dia nos cruzarmos com ele quando menos esperamos. Por vezes, é tudo uma questão de circunstância e oportunidade, como aconteceu há oito anos, quando os americanos elegeram Barack Obama. Ao longo destes anos vi nele uma inspiração, fui escrevendo sobre a aventura única desta administração vivida por alguns membros da sua equipa, dos seus assessores, dos seus homens de confiança, tais como David Plouffe ou David Axelrod. Do que fui lendo e vendo, era a personificação do político que nos faz lembrar por que é que às vezes optamos por um determinado estilo de vida profissional e até pessoal.

 

Nesta Terça-feira à noite, Barack Obama regressou a Chicago, cidade que o viu nascer para a política, para se despedir num tom emotivo e poderoso. Ouvi-o e vi-o com muita atenção e foi quase uma hora de discurso brilhante, porque, numa altura em que os EUA e o mundo atravessam crises de valores e desumanizam-se, Obama veio sublinhar a importância do reforço contínuo da democracia e do papel do povo na construção das suas sociedades.

 

É um daqueles discursos que se sonha um dia poder ajudar a escrever para momentos tão marcantes. Só posso imaginar o privilégio que deve ter sido para Cody Keenan, “speechwriter” de Obama, que foi até ao quarto draft e que ainda teve de introduzir as alterações do Presidente na Terça-feira à tarde. É todo um processo de criação e de convicção que só é possível quando acreditamos verdadeiramente.

 

Ouvi Obama reconhecer que, depois destes oitos anos, se tornou um melhor Presidente mas, sobretudo, um melhor homem. Agradeceu ao seu povo, à sua mulher e filhas, ao seu vice, mas também apelou aos concidadãos para que lutem pela sua democracia e pelos seus interesses. Obama disse que vai estar ao lado das pessoas e incentivou-as a acreditarem nelas próprias. É isso mesmo, acreditar em nós próprios e ter esperança nas sociedades que vamos construindo.

 

Na hora do adeus, Obama verteu uma lágrima… acredito que muitos outros o tenham feito.  

 

O convidado de Obama no Fourth of July

Alexandre Guerra, 04.07.16

 

obama-kendrick.jpg

 Barack Obama e Kendrick Lamar na Sala Oval, em Janeiro último

 

Barack Obama convidou o rapper Kendrick Lamar para actuar hoje nas celebrações do Fourth of July, naquele que será o seu último Dia da Independência enquanto Presidente dos Estados Unidos. Mais do que qualquer outro dos seus antecessores, Obama cultivou desde o início do primeiro mandato uma relação muito forte com artistas e músicos da área do hip hop e do rap. Em parte, acredito que tenha a ver com os seus próprios gostos pessoais (sim, Obama é um gajo verdadeiramente "cool"), mas não podemos deixar de ter também em consideração a componente política inerente à promixidade de Obama a músicos como Kanye West, Beyoncé ou Jay Z. Além de músicos excepcionais (e eu admiro bastante o trabalho de Kanye West, sobretudo a trilogia dedicada às questões do ensino e da estratificação social nos EUA), são vozes activas que amplificam os ânseios, os receios, as frustrações, os problemas, as esperanças, os sonhos de uma vasta faixa populacional urbana, um eleitorado mais jovem (e menos jovem) e que é sempre tão difícil de mobilizar.

 

Estes músicos aqui referidos, assim como muitos outros, têm evoluído e amadurecendo a sua visão que têm da sociedade e isso também se vai reflectindo nos seus trabalhos e na forma como intervêm social e politicamente. Beyoncé parece ser um bom exemplo desse processo, já que o seu último álbum, Lemonade (do qual só escutei umas faixas, mas que espero comprar), é, segundo os especialistas, o seu melhor trabalho, quer ao nível artístico, quer na mensagem que transmite, de forte cariz social, nomeadamente em matéria de questões raciais. A sua portentosa e polémica actuação no intervalo do Super Bowl, em Fevereiro último, com a apresentação do incendiário single "Formation", dava o mote político para o Lemonade, que viria ser aclamado pela crítica.

 

A estas vozes interventivas na cena do rap e do hip hop americano, houve uma que se juntou no ano passado, vinda do Compton, e que se chama, precisamente, Kendrick Lamar e que já aqui, no Delito, falei sobre ele. Na altura já tinha comprado, mas ainda não tinha ouvido o "To Pimp a Butterfly", embora toda a crítica já o tivesse (e com razão) considerado um dos melhores álbuns de 2015, um autêntico manifesto social, cultural e político, assinado por um rapper de 29 anos e que hoje é convidado de Obama. Já em Dezembro, o Presidente disse que a música "How Much a Dollar Cost", uma das faixas do álbum, era a sua preferida de 2015. Uma opinião muito acertada em termos musicais e politicamente muito inteligente, porque Lamar não deixou Obama isento de críticas no seu álbum, referindo que este poderia ter feito mais na defesa dos interesses dos afro-americanos. O que é efectivamente verdade e Obama deverá consciência disso. E ao convidar Lamar, hoje, para as celebrações da mais importante data dos Estados Unidos, Obama acaba por validar a mensagem dura e crua que se pode ouvir no "To Pimp a Butterfly", que, aliás, recomendo aos leitores deste blogue.  

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Ser Presidente até ao último dia

Alexandre Guerra, 28.05.16

 

4_p051916ps-1169.jpg

Barack Obama na Sala Oval, 19 de Maio (Foto: White House/Pete Souza) 

 

Num dos episódios da realista série The West Wing, com o título "365", a equipa da presidência de Josiah Bartlet (Martin Sheen) vê-se confrontada com a inevitável aproximação do final do segundo mandato, num misto de nostalgia, desmotivação e desânimo. Normalmente, os poderes executivos, sejam Governo (em sistemas parlamentares ou semi-parlamentares) ou chefes de Estado (sistemas presidencialistas), olham para os últimos tempos de funções como um mero cumprimento de calendário, aguardando passivamente o dia em que os seus sucessores lhes tomem o lugar. Regra geral, a um, dois anos do término do mandato, há uma espécie de ideia tácita que pouco já nada há fazer, adiando-se grandes decisões e políticas para o próximo Executivo. Em países como Portugal, por exemplo, existe um consenso político-partidário em que os governantes que se encontrem nessa situação, ou seja, com a porta da rua semi-aberta, já não podem ousar assumir grande protagonismo, correndo o risco de serem acusados de estarem a condicionar o trabalho dos seus sucessores. 

 

Mas a verdade, é que um primeiro-ministro ou um Presidente está de plenos poderes até ao último dia do mandato e, como tal, deve exercê-los com a mesma determinação e convicção como se estivesse a iniciar funções. Nesse episódio aqui referido, e perante o "baixar de braços" do Presidente e de quase todo o "staff", conformados com o fim à vista do seu mandato, entra em cena Leo McGarry (John Spencer), chefe de Gabinete da Casa Branca, experiente e sábio, que, num discurso emotivo, lembra à sua equipa que ainda faltam 365 dias para o mandato terminar e que em cada um destes dias eles tinham o poder, como mais ninguém tinha, de fazer algo pelo bem comum.  

Como em tantas outras passagens daquela série, também esta parece ter sido premonitória em relação ao que Barack Obama viria a fazer (e está a fazer) nos seus dois últimos anos de mandato, aproveitando todas as oportunidades para fazer história. Acordo do clima de Paris, Tratado Trans-Pacífico, reatamento das relações diplomáticas com Cuba, reaproximação ao Irão e agora a visita a Hiroshima, são apenas alguns eventos da agenda externa de Obama dos últimos meses, carregados de significado e importância histórica. Também a nível interno, Obama tem mantido uma actividade política constante, até porque ainda tem alguns dossiers da máxima importância para resolver. Tudo leva a crer que nestes meses finais Obama não irá abrandar a sua acção governativa. E caso isso se confirme, é assim mesmo que deve ser... Presidente até ao último dia.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Coincidência entre aquilo que Obama disse e aquilo que Jed Bartlet queria dizer?

Alexandre Guerra, 15.01.16

 

Uma das passagens mais importantes e interessantes do discurso do The State of the Union proferido por Barack Obama na passada Terça-feira perante o Congresso passou quase despercebida à generalidade da imprensa norte-americana e mundial, quando anunciou um novo esforço nacional para que a América possa descobrir a cura para o cancro. Como exemplo inspirador, Obama relembrou o feito nacional alcançado pela América nos anos 50 e 60 ao ter conseguido suplantar o programa espacial soviético e em apenas 12 anos ter colocado o Homem na Lua. Isto foi dito por Obama no passado dia 13 de Janeiro de 2016 e a medida de grande mérito que foi anunciada só pode ser merecedora de todo o apoio.

 

Porém, naquilo que diz respeito à componente da comunicação política e ao trabalho do "speechwriter" de Obama houve algo que chamou a atenção do Diplomata. Por mera coincidência, estava esta Quinta-feira à noite (14) a ver o 13º episódio da terceira temporada da célebre série The West Wing, que terá ido para o ar algures entre Outubro de 2001 e Maio de 2002, e o enredo que se estava a desenvolver centrava-se precisamente nos dias antecedentes ao discurso do Estado da União do "Presidente" Jed Bartlet (Martin Sheen). A determinada altura, no meio da azáfama criativa para a elaboração dos vários "drafts", Bartlet chama o seu "staff" de comunicação para lhes apresentar uma ideia para o discurso e começa a enquadrar precisamente com o progama espacial norte-americano e da ida do Homem à Lua. O então "Presidente" dá isto como exemplo da capacidade de realização dos Estados Unidos quando definem algo como um esforço nacional e é logo de seguida que diz aos seus assessores e conselheiros que gostava de anunciar no discurso a intenção da América descobrir a cura para o cancro num prazo máximo de dez anos. 

 

Aconselhado pelo seu "staff", aquela passagam acabaria por não ser incluída no texto final, mas não deixa de ser extraordinária a semelhança entre a narrativa que sustentou as intenções do "Presidente" Jed Bartlet e aquilo que foi proferido por Obama na passada Terça-feira. Curiosamente, há umas semanas, quando o vice-Presidente Joe Biden deu uma entrevista a falar neste mesmo assunto, houve alguém que também se apercebeu e colocou um vídeo no youtube. A semelhança entre aquilo que Obama disse e o que Jed Bartlet queria dizer será apenas uma coincidência? 

 

O último discurso do State of the Union de Obama

Alexandre Guerra, 12.01.16

 

SOTU-master675.jpg

Barack Obama com o seus assessores Cody Keenan (esq.) Benjamin J. Rhodes e Jennifer Psaki/Foto: Doug Mills/News York Times
 
Ao contrário dos anos anteriores no discurso do "State of the Union", desta vez Barack Obama não deverá apresentar uma lista de propostas ou medidas para implementar. Deverá antes aproveitar o momento para moldar o debate presidencial e definir o rumo que a América deverá seguir com um novo Presidente [democrata, leia-se]. Como referia o New York Times, este discurso é muito importante porque, de certa forma, marca a transição entre um Obama que tem sido central na acção política para um Obama que passará a ser um "célebre espectador". Também um antigo "speechwriter" de Bill Clinton disse que um Presidente no seu oitavo ano de mandato não tem a mesma voz de comando que já vez teve. Por isso, no discurso desta noite, Obama vai estar sobretudo a falar para os americanos (e não para os congressistas), imprimindo um registo de balanço positivo da sua governação, por forma a tentar inverter alguns estudos de opinião que demonstram que a maioria dos americanos está descontente com o rumo que o país está a levar.
 
De acordo com algumas fontes próximas de Obama, o registo do discurso desta noite deverá ser optimista, enaltecendo a criação de emprego, de modo a contrastar com a visão pessimista dos republicanos. Além disso, o discurso de Obama vai ser importante para os candidatos, não propriamente pelo seu conteúdo, mas pelas ondas de choque que pode provocar junto do eleitorado. Isto permitirá aos candidatos afinar estratégias e perceber melhor que caminho devem seguir. No discurso que Obama vai proferir hoje à noite não irá apoiar qualquer candidato presidencial, mas irá, naturalmente, tentar dar uma "ajuda" a Hillary Clinton, enfatizando o seu apoio a temas como as alterações climáticas, controlo de armas e imigração.
 

Acima do comum dos mortais

Alexandre Guerra, 01.12.15

 

a-peine-arrive-de-washington-a-bord-d-air-force-on

 

François Hollande, Barack Obama e a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, foram ontem ao Bataclan, o local mais mortífero dos atentados do passado dia 13, para prestar homenagem às vítimas. Mas o que chamou a atenção do Diplomata nesta fotografia é o facto de Obama, numa noite parisiense certamente fria, ser o único a apresentar-se só de fato, dispensando o conforto do sobretudo, transmitindo,assim, uma imagem de vitalidade e de resistência inalcançável aos comuns mortais que o acompanhavam. De certa maneira, faz lembrar John F. Kennedy, que raramente aparecia de sobretudo, mesmo nos dias mais frios de Inverno, e ostentava sempre uma boa imagem, como se de um semi-deus tratasse.

 

Algumas notas sobre o acordo com o Irão

Alexandre Guerra, 15.07.15

 

Ao fim de 12 anos, com avanços e recuos, momentos de muita tensão, foi finalmente alcançado um acordo entre o Irão e as seis potências mundiais envolvidas (Reino Unido, França, Rússia, EUA e a Alemanha). É de facto um acordo histórico, uma grande vitória política para o Presidente americano, Barack Obama, e um grande mérito para o secretário de Estado, John Kerry. Depois da reconciliação histórica com Cuba, os EUA aproximam-se do Irão, algo que vem inflectir toda a dinâmica nas relações entre os dois países desde a revolução dos ayatollas, em 1979. É nesta dimensão política que este acordo deve ser visto, ou seja, muito além da questão nuclear. E é, precisamente, por essa dimensão política que já há quem o compare aos acordos de Camp David, de 1978, entre Israel e o Egipto, ou à reconciliação entre os Estados Unidos e a China, em 1972.

 

A importância deste acordo não é tanto pelas questões técnicas que norteiam o dossier nuclear (também importantes), mas sobretudo pelas possibilidades que abre para a reconfiguração geopolítica daquela região. 

 

Seja como for, em termos concretos, este acordo tenta evitar que o Irão consiga obter uma bomba nuclear nos próximos dez anos. Mas, é preciso sublinhar que este acordo é temporário, já que não proíbe o Irão de ter acesso à tecnologia nuclear. Condiciona, sim, a sua capacidade para enriquecer urânio, ao reduzir em dois terços o número de centrifugadoras existentes actualmente no país, assim como o obriga a abdicar de 98% de todo o urânio enriquecido que tem em stock (para produzir electricidade não é preciso urânio enriquecido). Como contrapartida, são levantadas as sanções. Mas, volta-se a sublinhar, a questão principal são as potencialidades político-diplomáticas que este acordo proporciona entre Washington e Teerão. Para começar, no combate ao Estado Islâmico.

 

Mas há aqui um problema que é preciso ter em conta: este acordo vem de certa forma legitimar o Irão como Estado nuclear (algo que nunca aconteceu com o Paquistão e a Índia) e isto pode ser visto como um incentivo para países sunitas, como a Arábia Saudita. Além do mais, é importante sublinhar que se trata de um acordo político e não de um tratado e, como tal, estará sujeito às vontades políticas de futuros dirigentes.

 

Decidir com bom senso e sentido dos tempos

Alexandre Guerra, 26.06.15

 

Supreme_Court_US_2010.jpg

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos é daqueles órgãos de soberania que, independentemente da sua composição ideológica, revela sempre um elevado nível de bom senso e um sentido muito apurado dos tempos. O que de certa forma é surpreendente, se tivermos em consideração que os seus nove juízes são nomeados vitaliciamente e carregam consigo, quase sempre, uma carga ideológica bem vincada, seja mais para o lado conservador, seja mais para o lado liberal. Mas, a verdade é que o discernimento da decisão final dos noves juízes não é afectado e, quase sempre, vai no sentido certo do progresso da Humanidade. 

 

Ontem, o Supremo Tribunal deu mais um exemplo dessa capacidade de decidir bem, ao rejeitar pela segunda vez em três anos as pretensões dos opositores ao Affordable Care Act, mais conhecido como "Obamacare", o sistema implementado pelo Presidente Barack Obama em 2010 e que permite providenciar condições para que milhares de americanos tenham acesso a seguros de saúde.

 

A votação foi 6-3 no sentido de "salvar" o Obamacare e é muito interessante constatar que a actual composição do Supremo Tribunal não é maioritariamente de cariz liberal, no entanto, parece que aquelas três mulheres e seis homens, quando são chamados a pronunciarem sobre grandes decisões relacionadas com os temas "fracturantes" da sociedade americana, são sempre acompanhados pela razão e espírito de clarividência.

 

Um aparente contra-senso

Alexandre Guerra, 28.02.15

 

O sistema eleitoral americano pode gerar resultados que podem ser vistos como um contra-senso. E isso deve-se ao modelo de grandes eleitores na eleição presidencial, no qual os eleitores começam por votar nas primárias dos partidos para atribuírem delegados afectos a um determinado candidato e, assim, ser nomeado para disputar uma eleição.

 

Ao ler uma passagem do livro "The Audacity to Win", de David Plouffe, director de campanha presidencial de Barack Obama em 2008, percebe-se que nem sempre uma derrota em votos significa uma derrota. Confuso? Nem tanto.

 

Depois de Obama ter ganho as primárias no Iowa e ter perdido, dias depois, em New Hampshire, logo no início de 2008, o palco que se seguia era o Nevada, onde uma derrota era quase certa contra a outra candidata democrata, Hillary Clinton. Mas, na noite das eleições, e com os resultados a darem 51 por cento para Clinton e 45 para Obama, Jeff Berman, coordenador regional da campanha deste último no Nevada, entra na sala onde estava o staff e, segundo Plouffe, estava mais contente do que aquilo que seria de esperar, tendo em conta os resultados conhecidos.

 

"I think we might have won more delegates than Clinton", disse Berman.

 

"Why, because we were more balanced statewide?", perguntou Plouffe.

 

"Yep", respondeu Berman.

 

De um momento para o outro, em contraponto à tristeza da derrota dos votos, a equipa de Obama pôde festejar pela vitória dos delegados ganhos.