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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O importante legado que o discreto Ban Ki-moon deixará na ONU

Alexandre Guerra, 31.03.13

 

 

Foi com alguma surpresa que a comunidade internacional viu o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovar por unanimidade, há uns dias, a primeira força militar com perfil "ofensivo". O contingente terá 2500 capacetes azuis e será destacado para a República Democrática do Congo (RDC) com o objectivo de "neutralizar" e "desarmar" os vários grupos armados que dilaceram aquele país. 

 

É a primeira vez que o Conselho de Segurança aprova, de forma peremptória, um mandato ofensivo, alargando as "rules of engagement" de quem está no terreno, podendo assim assumir uma postura mais agressiva perante situações que, muitas das vezes, resvalam para autênticas tragédias. 

 

Ainda em Novembro último, o Dilomata abordou precisamente esse tema, sublinhando os casos do Ruanda (UNAMIR, Outubro de 1993 a Março de 1996) e dos Balcãs (UNPROFOR, Fevereiro de 1992 a Março de 1995), nomeadamente na Bósnia Herzegovina (sendo Srebrenica o melhor exemplo), como exemplos de missões sem capacidade de resposta perante as adversidades no teatro de operações e que conduziram aos massacres que se conhecem.


O Sri Lanka foi um deles, estimando-se que só nos últimos cinco meses de conflito, que terminou em Maio de 2009, tenham morrido mais de 40 mil civis de etnia tamil. Um número impressionante provocado em parte pela retirada dos “capacetes azuis” do Sri Lanka, deixando os civis indefesos entre os forças governamentais e os guerrilheiros tamil.


Conclusões lidas num relatório interno da ONU pedido pelo secretário-geral Ban Ki-moon, no qual foram apontadas falhas graves na forma como aquela organização geriu a crise do Sri Lanka. Ban Ki-moon admitiu que aquele relatório iria ter “profundas implicações”, sendo que uma das recomendações contidas no documento era a de que as Nações Unidas revissem os mandatos para as missões humanitárias e de protecção a civis.


Ora, o primeiro passo foi dado logo em Dezembro, quando o Conselho de Segurança aprovou uma resolução para a criação de uma força internacional para combater a ramificação da al Qaeda no Norte do Mali. Como na altura o Diplomata escreveu, aquela resolução "assumia contornos históricos. Não tanto pela sua missão, mas pelo seu mandato".


resolução que tinha sido aprovada, para a criação da AFISMA com 3300 homens, viabilizava no mandato daquela força o uso de "todos os meios necessários" para a prossecução da sua missão. Esta introdução foi de extrema relevância e talvez tenha marcado uma nova abordagem das Nações Unidas às missões militares internacionais, já que passa a estar implícita a validade da intervenção militar sempre que os soldados considerem necessária sem terem que recorrer à cadeia de comando.


A resolução agora aprovada esta semana vem apenas concretizar as "profundas implicações" de que Ban Ki-moon tinha falado, tendo o processo inciado-se já há uns meses. Não se pode, por isso, dizer que esta última resolução de carácter claramente "ofensivo" seja propriamente uma surpresa. É sim a confirmação de que o "apagado" Ban Ki-moon está disposto a deixar uma marca muito importante no seu mandato à frente da ONU.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Conselho de Segurança dá um passo histórico na credibilização das missões internacionais

Alexandre Guerra, 21.12.12

 

A resolução aprovada esta Quinta-feira no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que prevê a criação de uma força internacional para combater a ramificação da al Qaeda no Norte do Mali, assume contornos históricos. Não tanto pela sua missão, mas pelo seu mandato.

 

Há umas semanas, o Diplomata escrevia que a limitação das “rules of engagement” no terreno tem contribuído para o fracasso de muitas missões internacionais dos capacetes azuis, dando os exemplos de Srebrenica, do Ruanda e do Sri Lanka.  Chegou mesmo a falar no filme No Man’s Land, 2001, que capta com humor a passividade e, por vezes, as ridículas situações dos soldados internacionais sob o "badge" da ONU.

 

A resolução agora aprovada, para a criação da AFISMA que terá 3300 homens, viabiliza no mandato daquela força o uso de "todos os meios necessários" para a prossecução da sua missão. Ora, esta introdução é de extrema relevância e poderá marcar uma nova abordagem das Nações Unidas às missões militares internacionais, já que passa a estar implícita a validade da intervenção militar sempre que os soldados considerem necessária sem terem que recorrer à cadeia de comando.

 

De certa maneira, este princípio de "todos os meios necessários" vai de encontro às declarações que o secretário-geral Ban Ki-moon tinha proferido no mês passado, no seguimento da divulgação de um relatório interno que apontou inúmeras falhas das Nações Unidas nos últimos meses de conflito no Sri Lanka. Ban Ki-moon disse que este relatório iria ter "implicações profundas" na organização.

 

Talvez a resolução aprovada esta Quinta-feira seja já resultado dessa vontade de mudança.

 

Da nobreza da missão à irrelevância no terreno

Alexandre Guerra, 15.11.12

 

 

Uma sobrevivente de Srebrenica lamenta-se a um "capacete azul", em Tuzla, 1995

 

Os erros trágicos que foram posteriormente detectados nas intervenções humanitárias e militares sob a bandeira das Nações Unidas no Ruanda (UNAMIR, Outubro de 1993 a Março de 1996) e nos Balcãs (UNPROFOR, Fevereiro de 1992 a Março de 1995), nomeadamente na Bósnia Herzegovina (sendo Srebrenica o melhor exemplo), já deviam ter servido para alguma coisa.

 

Deviam ter servido para que as Nações Unidas tivessem uma capacidade de resposta imediata em Nova Iorque e em estruturas intermédias, sempre que fossem detectadas situações de perigo iminente no terreno, colocando em causa a vida de civis inocentes.

 

Estes mecanismos deviam permitir que as Nações Unidas tivessem autoridade política e agilidade burocrática para, em poucas horas, alterar o seu mandato de acordo com a deterioração no terreno, sem que para isso houvesse necessidade de recorrer ao Conselho de Segurança, criando-se, por vezes, situações de impasse insustentável ou mandatos que seguem a lógica do mínimo denominador comum.

 

Só com esta autoridade burocrática e de comando teria sido possível evitarem-se situações de passividade e, por vezes, ridículas em que muitos “capacetes azuis” se viram envolvidos (o filme No Man’s Land, 2001, capta com humor essa realidade).

 

A limitação das “rules of engagement” e a incapacidade da cadeia de comando sob o “badge” da UNPROFOR de alterar um mandato totalmente desajustado à evolução dos acontecimentos no terreno permitiu, de certa forma, o massacre de Srebrenica, em Julho de 1995, no qual em poucos dias morreram quase 8 mil bósnios muçulmanos às mãos do comandante sérvio Ratko Mladic. Relembre-se que Srebrenica seria supostamente uma “safe area” sob a guarda da ONU, mais concretamente dos “capacetes azuis” holandeses.

 

Tudo isto aconteceu sensivelmente um ano depois do genocídio do Ruanda, onde em três meses morreram à catanada mais 800 mil tutsis e hutus moderados. O mandato da UNAMIR era de tal maneiro vago que os “capacetes azuis” pouco ou nada fizeram perante tais atrocidades. Imagine-se que em Nova Iorque havia muitas dúvidas quanto à interpretação do Capítulo VI, que rege a resolução de conflitos, no que dizia respeito ao uso da violência para a defesa de civis.

 

Esta semana as Nações Unidas voltaram a ser confrontadas com as suas debilidades em matéria de protecção de civis em cenários de conflito.

 

Um relatório interno daquela organização revela que houve falhas graves a vários níveis da ONU, nomeadamente do Conselho de Segurança e do Conselho dos Direitos Humanos, nos últimos meses de conflito no Sri Lanka entre as forças governamentais e os Tigre Tamil.

 

Estima-se que só nos últimos cinco meses de conflito, que terminou em Maio de 2009, tenham morrido mais de 40 mil civis de etnia tamil. Um número impressionante provocado em parte pela retirada dos “capacetes azuis” do Sri Lanka, deixando os civis indefesos entre os forças governamentais e os guerrilheiros tamil.

 

O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon já admitiu que este relatório vai ter “profundas implicações” na organização, sendo que uma das recomendações contidas no documento é a de que as Nações Unidas revejam os mandatos para as missões humanitárias e de protecção a civis.