Desta vez há algo de novo e Trump (estranhamente) percebeu
Ilustração de Andrea Ucini/NYT
Quem diria que seria Donald Trump a propor uma mudança legislativa restritiva em matéria de armas... É certo que a ordem executiva que o Presidente assinou, e que obriga o Departamento de Justiça a rever a lei, é bastante limitada e incide apenas na proibição da venda de acessórios ("bump-stocks) que permitem modificar armas semi-automáticas em automáticas, mas, mesmo assim, já é qualquer coisa. É também certo que Trump, num laivo de bom senso político ou bem aconselhado, percebeu rapidamente que precisava de aliviar a pressão. Antes, já tinha também anunciado que estava disponível para apoiar legislação que aperte o controlo ao "background" de possíveis compradores de armas. Estas medidas são claramente insuficientes e, na verdade, até têm o apoio da National Rifle Association (NRA), o que se compreende, já que, através destas cedências, aquela organização vai gerindo a agenda das armas nos EUA, mantendo intacto o enquadramento legal que verdadeiramente interessa e que permite ter no mercado todo o tipo de armas.
Aliás, poucos acreditam que a vontade reformadora de Trump vá ao ponto de se poder vir a discutir a proibição da venda de armas de assalto. No entanto, isso não significa que a Casa Branca, nesta altura, não alimente junto da opinião pública a percepção de que Trump poderá estar comprometido com novas medidas restritivas. E neste sentido, as declarações da sua porta-voz, Sarah Huckabee Sanders, são muito interessantes, porque quando questionada pelos jornalistas sobre a possibilidade da proibição da venda de armas de assalto, responde que a Casa Branca "não fecha a porta em nenhuma frente". Isto é o mesmo que dizer que Trump admite rever a lei para proibir a venda daquele tipo de armas, o que é uma posição arrojada, para um Presidente republicano que se assumiu um "true friend and champion in the White House" da NRA. A questão é que mesmo sabendo-se que dificilmente será concretizada algum tipo de iniciativa, a "intenção" presidencial já foi lançada para a opinião pública.
Se olharmos com clareza para as últimas décadas, constatamos que em matéria de controlo de armas os presidentes americanos têm sido impotentes ou passivos, ficando sempre amarrados aos seus interesses e ao "gun lobby". Nem Barack Obama conseguiu mexer substancialmente no sistema vigente. Os massacres sucedem-se, mas a acção política tem-se ficado pelos lamentos. Pelo menos, até agora. Trump, por pouco que seja, está a fazer algo de concreto e, como foi acima referido, tem tido a preocupação de passar a ideia da "intenção" de fazer ainda mais. E esta "intenção" não deve ser desvalorizada, tendo em conta as pressões, os lobbies e os financiamentos eleitorais que se fazem sentir e jogam na arena das armas. Trump parece estar a ir um pouco mais além do que, por exemplo, Barack Obama terá ido em matéria de controlo de armas.
O que terá então acontecido para que Trump, um republicano "amigo" das armas, esteja a ter uma posiçao aparentemente mais interventiva do que Obama, claramente identificado com um outro tipo de sociedade? A resposta, na minha opinião, tem a ver com um fenómeno que está a acontecer desta vez e que não se verificou em tragédias anteriores semelhantes: a resposta e a mobilização dos jovens estudantes. Para quem tem acompanhado os meios de comunicação social norte-americanos nos últimos dias, percebe que há uma dinâmica crescente, que tem potencial para se transformar numa questão política e social, sobretudo a partir do momento em que os jovens estudantes decidiram fazer uma "marcha" sobre Washington. A Casa Branca percebeu o que tinha pela frente, porque desta vez não se trata apenas de uma campanha dos media das elites de Washington contra a administração. A causa dos jovens estudantes tem um aliado muito mais poderoso: os seus pais. Se, por um lado, a irreverência e temeridade da juventude dá a dinâmica ao movimento, os pais dão a consistência e a dimensão. Trump percebeu isso ao ponto de alguém ter "passado" ao Washington Post a informação de que o Presidente tinha ficado muito sensibilizado quando viu as reportagens dos jovens estudantes e que se terá virado para os seus convidados, que estavam com ele na residência de férias de Mar-a-Largo na Flórida, e lhes terá perguntado o que mais poderia fazer pelo controlo de armas. Provavelmente, Trump saberia melhor do que ninguém naquela sala o que poderia fazer, mas a questão é que da forma como a história é contada e transmitida (como se de uma grande cacha do Post tratasse), as pessoas ficam com a percepção de que o Presidente, na sua intimidade, se importa genuinamento com o assunto. E isso em comunicação política é o que, por vezes, mais conta.