"Aos 73 anos, Winston Churchill escreveu um curto e curioso ensaio que não tencionava ver publicado, pelo menos antes da sua morte. Narra uma experiência arrepiante que teve no inverno de 1947. Para trás ficaram os dias gloriosos da guerra e do seu mandato de primeiro-ministro, e Churchill encontra-se no escritório da sua casa de campo de Chartwell.
Prepara-se para pintar quando experimenta uma sensação estranha. Vira-se para trás e vê o pai sentado no cadeirão de braços. Randolph pestaneja e vai manuseando a cigarreira cor de âmbar, exatamente como Winston se lembrava de o ver fazer nos raros momentos de carinho e simpatia para com o seu filho.
Tem uma conversa pungente. A ideia geral é que, decorridos 52 anos sobre a sua morte, em isolamento político e desespero sifilítico, Randolph desconhece o que aconteceu no mundo. E Churchill informa-o.
Conta-lhe que está no trono o rei Jorge VI, que ainda se corre o Derby, e que o Turf Club está «OK» e que «OK» é uma nova expressão americana. Conta a Randolph como foi que o antigo líder conservador Arthur Balfour caiu em desgraça, um apontamento agradável, já que nenhum dos dois tinha paciência para a presunção do velho Balfour. Relata a expansão do socialismo. Explica que houve duas guerras mundiais, em cada uma das quais morreram cerca de 30 milhões de pessoas, e que os russos têm uma nova espécie de czar, mais desumano e sanguinário do que qualquer antecessor.
A habilidade do texto consiste em que Randolph nunca chega a perceber quais foram as realizações do filho. O pai conclui que o filho é agora um pintor amador de talento mediano, que, segundo parece, vive numa casinha de campo e que nunca foi além da patente militar de major.
No fim da sombria exposição de Churchill sobre o estado do mundo moderno, Randolph mostra-se vagamente impressionado com os conhecimentos do filho sobre os assuntos correntes. E comenta com chocante ironia que «é claro que hoje estás velho de mais para pensar nessas coisas, mas quando te ouço falar pergunto-me por que razão nunca te meteste na política. Podias ter tado um bom contributo. Até podias ter feito nome».
Dito isto, Randolph sorri, acende um fósforo, e a aparição desvanece-se no fulgor da chama. Muitos historiadores consideram que esta cena -- a que a famíllia de Churchill chamou «O sonho» -- é extrema e intencionalmente reveladora da constituição psicológica de Churchill. E é-o seguramente.
É uma cena elegíaca, desesperada. Em certo sentido, é um grande e entristecido suspiro de saudade de um homem que sempre desejou impressionar o pai sem nunca o ter conseguido. Como o próprio Winston Churchill costumada contar aos filhos, não tiveram mais do que cinco conversas com o pai -- nem sequer mera troca de palavras, fosse qual fosse a duração. E sempre tivera a sensação de não estar à altura das expectativas."
Boris Johnson in O Fator Churchill (D.Quixote, 2015)