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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Da admiração à desilusão

Alexandre Guerra, 14.09.17

 

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Logo pela manhã desta Quinta-feira na CNN, Peter Pophan, biógrafo de Aung San Suu Kyi, demonstrava a sua desilusão com a Nobel da Paz, um prémio atribuído em 1991 pela sua resistência pacífica ao regime militar de Myanmar (ou Birmânia). Acabaria por ser detida pela junta militar em 1989 e não participaria nas eleições de 1990, que deram a vitória ao seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (NLD). Os militares nunca reconheceram estes resultados e Suu Kyi iniciou uma longa e paciente resistência pacífica durante os muitos anos em que esteve sob prisão domiciliária, até 2010. Durante este período, tornou-se numa referência e inspiração na defesa e luta pelos direitos humanos, revelando muitas semelhanças com Nelson Mandela na forma como fez ouvir o seu protesto de forma pacífica.

 

Cativou o mundo político internacional e granjeou a admiração de muitos, e quando foi libertada em 2010, era a figura mais poderosa de Myanmar, levando a NLD à vitória em 2015. Suu Kyi, que constitucionalmente estava impedida de se tornar Presidente, porque o seu último marido e filhos são estrangeiros, acabou por assumir o cargo de Conselheira do Estado, criado exclusivamente para si.

 

O problema é que o papel que assumiu enquanto activista pelos direitos humanos parece ter dado lugar ao da política, ao das conveniências com o poder e com o seu eleitorado, maioritariamente budista. E só assim se percebe a sua conivência e até apoio que tem dado à actuação das forças militares birmanesas na região de Rakhine, onde vive a minoria rohingya.

 

Dizem as Nações Unidas que, no último mês, quase 380 mil pessoas daquela etnia já fugiram de Rakhine, na parte ocidental de Myanmar, em direcção ao Bangladesh, um Estado muçulmano. A causa desse êxodo? A mesma que a História teima em repetir, ou seja, projectos de poder político assentes no preconceito, intolerância e perseguição, e até mesmo aniquilação, do próximo. Neste caso em concreto, do Estado militarizado de Myanmar, com o apoio da polícia local de Rakhine, contra uma minoria muçulmana (mas podia ser de outra religião ou credo) instalada há gerações naquela região, mas cujas pessoas o Governo insiste em chamar de imigrantes ilegais e negar-lhes a cidadania.

 

Aparentemente, esta onda repressiva do Estado é justificada pela necessidade de resposta a ataques de militantes rohingyas no final de Agosto a postos de polícia. Admita-se que isso é verdade (e que é bem possível), mas a questão é que, à semelhança de tantos outros tristes exemplos da História, as forças do Estado parecem estar a aproveitar aquela situação para uma autêntica campanha de erradicação da minoria rohingya de Rakhine. O Governo defende-se e diz que está a apenas a combater os militantes rohingyas, mas a questão é que as várias informações que vão chegando pelos poucos correspondentes que estão no terreno demonstram uma outra realidade: vilas queimadas, violações, violência indiscriminada por parte das forças militares com o apoio de elementos da maioria budista em Rakhine. António Guterres fala numa “catastrófica” situação humanitária e o Alto-Comissário para os Refugiados foi mais longe e referiu-se mesmo a uma “limpeza étnica” que está a acontecer.

 

Quase um terço da população rohingya já abandonou Rakhine. Os relatos dos jornalistas que estão no local contrariam as versões do Governo de Myanmar e mostram o lado humano do sofrimento, com milhares de pessoas a deslocarem-se, da forma que podem, em direcção ao Bangladesh, para aí se instalarem em campos de refugiados sobrelotados. Há uns dias, quando o assunto ainda não estava no topo da agenda mediática, um jornalista do New York Times tinha feito uma reportagem crua, onde se viam pessoas, num estado faminto, com poucos haveres às costas, a caminharem descalças pelas selvas verdejantes daquela região do globo, sem qualquer esperança espelhada no olhar. E ver agora Suu Kyi, outrora uma inspiradora na defesa dos direitos humanos, indiferente a tudo isto, é mais do que desilusão... É uma dor de alma.

 

Ainda sobre os desafios de Guterres...

Alexandre Guerra, 19.10.16

 

A imprensa internacional é unânime nos elogios ao novo Secretário-Geral da ONU, mas já fez saber que António Guterres não vai ter qualquer período de graça e muito menos uma tarefa facilitada. Como qualquer Secretário-Geral daquela organização, também Guterres terá pela frente inúmeros desafios, começando por alguns conflitos regionais, como o da Síria (vamos ver o que acontece no Mar da China), a questão da migração ou a crescente tensão entre a Rússia e o Ocidente.

 

Dificilmente conseguirá fazer algo quanto à reforma do Conselho de Segurança, no entanto, muito mais há a fazer dentro da própria ONU. E aqui neste ponto o seu papel pode ser particularmente relevante, como, por exemplo, na questão da reforma da própria estrutura burocrática da ONU. Recorde-se que recentemente a secretário-geral adjunto de Ban Ki-moon se demitiu, acusando aquela organização de ser um monstro burocrático. Veja-se este exemplo: a ONU demora em média 213 dias para contratar alguém. Outro assunto que Guterres poderá tentar resolver tem a ver com credibilidade das missões dos capacetes azuis. É um tema que tem de ser, de uma vez por todas, encarado de frente, já que ao longo dos anos têm sido muitos os problemas que têm afectado aquelas missões (insubordinação, abusos sexuais, etc). Ainda há uns dias, um relatório do Center for Civilians Conflict (Civic), baseado em Washington, confirmou aquilo que já se suspeitava, de que vários capacetes azuis da missão do Sudão do Sul, nomeadamente chineses e etíopes, se recusaram a sair do Quartel-General da ONU em Juba, durante acontecimentos violentos em Julho último, para irem proteger os civis que estavam a ser alvo de ataques de soldados governamentais. Segundo relatos, houve mesmo outros capacetes azuis que se retiraram do local do conflito, quando tinham ordens contrárias, para fazer o "engage" nos confrontos que opunham soldados governamentais e forças rebeldes.

 

Acima de tudo, Guterres terá que assumir-se como uma figura de “alto perfil”, contrastando com o “apagado” e quase irrelevante Ban Ki-moon. Só ganhando peso político, é que Guterres conseguirá enfrentar todos estes desafios e conseguir levar por diante soluções por si propostas.

 

A primeiríssima coisa que Guterres deve fazer

Alexandre Guerra, 06.10.16

 

Um dos primeiro trabalhos hercúleos de António Guterres, nas suas novas funções de Secretário-Geral das Nações Unidas, não será nenhum daqueles que a imprensa internacional tem avançado. A sua prioridade imediata deverá centrar-se na missão dos capecetes azuis que está destacada no Sudão do Sul. Cinco anos depois da sua independência, celebrada, diga-se, com grande apoio e entusiasmo dos líderes ocidentais, que, nestas coisas, costumam meter o realismo político de lado ao deixarem-se invadir por um idealismo tolo e irresponsável, o Sudão do Sul é hoje mais um Estado à deriva, com um tecido social retalhado e uma economia de rastos. O país está a saque e refém das vontades e caprichos do suposto "pai" da independência, Salva Kiir, um autêntico "cowboy", que, na boa e velha tradição das lideranças africanas, rapidamente revelou as suas tentações interesseiras e despóticas. Em Julho, a violência na capital Juba tornou-se demasiado evidente e a situação bastante ruidosa, obrigando os EUA, através da sua Conselheira de Segurança Nacional, Susan Rice, a pronunciarem-se com aquelas declarações já habituais, que têm tanto de inócuo como de incompetentes:“Esta violência sem sentido e indesculpável – levada a cabo por quem, mais uma vez, coloca os interesses pessoais acima do bem-estar do seu país e do seu povo – coloca em risco tudo aquilo a que o povo sul-sudanês aspirou nos últimos cinco anos”, disse Rice em comunicado.

 

Agora, veio a confirmação daquilo que já há muito era falado, de que a UNMISS, composta por 12500 homens, não está a envidar todos os esforços na prossecução do seu mandato. De acordo com um relatório do Center for Civilians Conflict (Civic), baseado em Washington, vários capacetes azuis, nomeadamente chineses e etíopes, recusaram-se a sair do Quartel-General da ONU em Juba, nos acontecimentos de Julho último, para irem proteger os civis que estavam a ser alvo de ataques de soldados governamentais num outro local da cidade. Foi ordenada à Quick Reaction Force (QRF) da UNMISS que interviesse para proteger os civis, mas não o fez. Entretanto, segundo relatos, houve outros capacetes azuis que se retiraram do local do conflito, quando tinham ordens contrárias para fazer o "engage" nos confrontos que opunham soldados governamentais leais ao Presidente Salva Kiir e forças rebeldes lideradas por Riek Machar. Informa agora este relatório que os soldados chineses chegaram mesmo a deixar para trás as suas armas e material à medida que fugiam para o Quartel-General, local para onde se dirigiram também centenas de civis, que tentaram passar pelo arame farpado em busca de auxílio.

 

Estes acontecimentos, que têm algum histórico no âmbito das missões de "peace keeping", têm ensombrado as Nações Unidas, a sua reputação no terreno, tendo o massacre de Srebrenica, ocorrido em Julho de 1995, e onde morreram quase 8 mil bósnios muçulmanos (bosniaks) às mãos do comandante sérvio Ratko Mladic, sido o exemplo mais dramático dessa debilidade. Relembre-se que Srebrenica seria supostamente uma “safe area” sob a guarda da ONU, mais concretamente dos “capacetes azuis” holandeses. A limitação das “rules of engagement” e a incapacidade da cadeia de comando sob o “badge” da UNPROFOR de alterar um mandato totalmente desajustado à evolução dos acontecimentos no terreno permitiu, de certa forma, que aqueles acontecimentos horrendos tivessem lugar e, por isso, o tribunal não veio responsabilizar os soldados holandeses pela totalidades das mortes. O que se passou agora no Sudão teve consequências menos dramáticas, mas não deixa de assumir contornos muito graves, porque a cadeia de comando da UNMISS não funcionou, desrespeitando o seu mandato e, acima de tudo, colocando em perigo a vida de civis.

 

Além dos temas "quentes" que têm estado no topo da agenda mediática, muitos deles a serem tratados num nível político-diplomático, o que se passa com a missão da ONU no Sudão do Sul implica directamente questões relacionadas com a capacidade de comando e operacional das forças da ONU e, por isso, António Guterres tem a obrigação e os instrumentos para actuar de imediato naquilo que está muita mal na sua própria "casa".  

 

Uma nota sobre Guterres

Alexandre Guerra, 22.01.16

 

Em Portugal é comum tecerem-se considerações acríticas altamente elogiosas sobre personalidades políticas que não "ameaçam" os alinhamentos da politiquice caseira, seja porque estão bem longe do país, a desempenhar funções no estrangeiro, ou porque estão...mortas. Almeida Santos foi um dos casos mais recentes que, de um momento para o outro, se tornou uma personagem amada e elogiada por todos (mas isso é outra história). O que o Diplomata quer aqui chamar a atenção é para a ideia generalizada que se instalou aqui no burgo de que António Guterres fez um trabalho irrepreensível enquanto Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Sendo certo que a vários níveis, nomeadamente em termos de ganho de peso político para aquele organismo, conseguiu importantes feitos, já quanto à sua capacidade de se deslocar no terreno e de gerir crises no imediato, o balanço já não é assim tão positivo. Na verdade, várias foram as críticas dentro da própria organização e de antigos responsáveis pela forma pouco hábil e enérgica como Guterres lidou com a crise dos refugiados. Uma das críticas que mais se tem ouvido (não aqui em Portugal) foi o de que Guterres nunca se deslocou à Síria desde que a guerra civil despontou há cinco anos. Por contraste, o seu sucessor desde 1 de Janeiro, o italiano Filippo Grandi, visitou ontem as instalações do Crescente Vermelho em Damasco. Será um sinal de mudança no estilo da liderança do ACNUR? Provavelmente.

 

O apelo de António Guterres

Alexandre Guerra, 16.12.13

 

As Nações Unidas, através de todas as suas agências, incluindo a Agência para os Refugiados (UNHCR), fizeram esta manhã, em Genebra, o maior apelo de sempre para a angariação de fundos para uma única emergência humanitária. São precisos 6,5 mil milhões de dólares para enfrentar a tragédia na Síria para o próximo ano, onde se espera que três quartos da população (mais de 22 milhões) daquele país venha a precisar de ajuda humanitária.
"We're facing a terrifying situation here where, by the end of 2014, substantially more of the population of Syria could be displaced or in need of humanitarian help than not", disse António Guterres, Alto Comissário para os Refugiados. "This goes beyond anything we have seen in many, many years, and makes the need for a political solution all the greater."
Mais de 2,3 milhões de pessoas já abandonaram a Síria desde Março de 2011, naquele que é considerado pelas Nações Unidas um dos maiores êxodos na História recente. Internamente, a ONU estima que existam 6,3 milhões de deslocados.